Contos
quinta-feira, 30 de agosto de 2018
A Pombagira
Mexendo no baú de minhas memórias, dei-me conta de que a vida é cheia de banalidades. Coisas que a gente seleciona para excluir, condenando-as ao esquecimento. Tudo simplesmente porque elas poderiam exercer um efeito deletério sobre nossa vaidade. Quero me referir àquelas coisas que não combinam com o momento, e que vão desde as gafes até o corte de cabelo que não deu certo, bem no dia daquela festa, passando pelo salto alto que quebrou e pelo vinho tinto derramado sobre a toalha.
segunda-feira, 14 de maio de 2018
O Delegado Libertino
Nesses tempos politicamente corretos em que vivemos, em breve não haverá mais lugar para os chamados mulherengos. O clássico conquistador está em franca extinção, seja porque mudaram as mulheres, seja porque mudou a política de gêneros, seja porque os homens estão, enfim, aprendendo a pensar com uma só cabeça e não com duas. Creio que eles nem mesmo se animam a relatar suas aventuras, que podem dar margem, atualmente, não só às piores interpretações como ainda atrair o opróbrio, o desprezo, talvez mesmo a prisão. Adeus, libertinagem!
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
O DIÁRIO DE FRANCISCO
O Diário de Francisco consiste no produto final que acompanha a dissertação intitulada MEMÓRIA SOCIAL EM CARTAS DE AMOR: SENSIBILIDADES E SOCIABILIDADES NA PORTO ALEGRE DA DÉCADA DE 1920 apresentada ao Programa de Pós-graduação em Memória Social e Bens Culturais do Centro Universitário La Salle como requisito para obtenção do Grau de Mestre por Maristela Bleggi Tomasini. O conto é uma ficção, mas foi construído a partir de referências que constam em cartas de amor escritas entre 1922 e 1926.
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
A VIDA PODE ESPERAR
Empilhando papéis e anotando coisas que ficaram para o dia seguinte, Marcos Silas sentiu que não tinha fome. Pediu água gelada que tomou devagar. Olhava a rua, pessoas indo e vindo, casais de namorados. Anoitecia devagar. Final de tarde luminoso, sem aquele calor sufocante que castigava. O comércio continuaria aberto até mais tarde. Semana de compras, início de mês. Sorriu ao ver a fila junto à carrocinha de pipocas. Gente com fome, que comia qualquer coisa. Alguém chamou sua atenção.
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
Lote
Lote era judia. E assim será lembrada, embora não parecesse observante dos ritos e embora, brincando, me dissesse baixinho e sorrindo, numa tarde de sábado, que era difícil resistir a uma fatia de presunto, porque presunto, afinal, já nem era mais porco... Ainda assim, nunca soube que ela houvesse violado esta norma. Ela nasceu na Alemanha em 1919 e teria permanecido por lá, não fosse a guerra. ― Não entendo, não entendo... Ter de fugir? ― dizia ela.
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
MARCOS SILAS, O NADA
Outro... — pensou. Alguém realmente importante, seguro de si, alguém que pudesse ser olhado com inveja, alguém que detivesse alguma espécie de poder, que fosse influente, rico, realizado, que pudesse decidir, e não fingir que decidia, como um mero porta-voz dos regulamentos do banco. Ter uma mulher bonita. Fazer aquelas coisas que apareciam nas revistas Raulzinho... Deixou-se divagar então. Sonhava acordado e sorria sozinho da ousadia de suas façanhas, até que o telefone tocou e...