Todas as semanas é exibido
nos Estados Unidos, para ameaçar ou amedrontar alguém, o laço criado há 250
anos pelo juiz que deu nome à palavra linchamento
Em Fevereiro deste ano, John Valles, um cabo-verdense
de 23 anos que trabalha no principal aeroporto de Rhode Island, encontrou um nó
de forca pendurado sobre a sua mesa. Passados alguns dias, os responsáveis por
aquilo que disseram ser uma “brincadeira” foram despedidos. Em 28 de Março,
Antonio Hawkins, pastor de uma igreja de maioria negra em Tampa Bay, na
Florida, encontrou uma forca improvisada com o nó em frente da sua igreja, o
que desencadeou uma investigação policial. A 16 de Abril, três estudantes da
Lewis University, nos arredores de Chicago, foram presos por suspenderem um nó
de forca no exterior de uma janela de estudantes negros...
É raro passar uma semana nos Estados Unidos sem que um
nó de forca seja exibido em algum lugar. De cada vez o resultado é o mesmo:
medo, indignação, protestos, intervenção da polícia e ações judiciais. A
frequência das exibições e a força da reação a ela são prova do enorme e
permanente poder simbólico deste nó na
América. “Para mim, esta coisa que vi só pode ser descrita como um posto de
linchamento. Fez que sentisse imediatamente arrepios pela espinha abaixo. A
pergunta a fazer é: a quem se dirigirá a ameaça de morte?”, disse ao o
reverendo Hawkins.
David Hudson Jr., da Vanderbilt Law School, escreveu um
parecer jurídico em nome do Southern Poverty Law Center — o principal grupo
antiódio do país — para defender a ilegalidade das tentativas de exibição
pública do nó da forca. É considerado crime na Califórnia, Nova Iorque,
Luisiana, Virgínia e noutros estados.
Algumas pessoas argumentaram que essa legislação
infringe o direito constitucional de liberdade de expressão. Mas esse direito
não inclui fazer ameaças, e Hudson defende que a simples exibição de um nó de
forca constitui uma ameaça direta de extrema violência. “Talvez nenhum outro
símbolo — nem mesmo uma cruz sendo queimada — represente melhor os horrores da
violência racial perpetrada contra afro-americanos e outros do que o pernicioso
nó da forca. Estes nós mostram apoio aos tempos de segregação e subjugação,
exprimindo a essência da discriminação. Não simboliza apenas o racismo, também
serviu como verdadeiro instrumento de linchamento de pessoas devido à cor da
sua pele.”
A palavra “linchamento” tem origem no nome do
agricultor da Virgínia que também era juiz ,Charles Lynch. Ele punia os ‘bandidos’ pró-ingleses durante a
Revolução Americana, os linchamentos tornaram-se especialmente populares depois
da Guerra Civil. Foi um instrumento favorito do Ku Klux Klan, com o qual aterrorizavam negros, os forçavam a
renunciar aos seus direitos políticos e a regressar aos campos de algodão como
verdadeiro trabalho escravo. O linchamento era muitas vezes desencadeado por
pretextos tão insignificantes como um negro “agir acima da sua posição social”
ou olhar para uma mulher branca.
“Nós, no Sul, nunca reconhecemos ao negro o direito de
governar brancos, nem nunca o reconheceremos. Nunca acreditamos que ele fosse
igual ao branco e nunca aceitaremos que satisfaça a sua lascívia nas nossas
mulheres e filhas sem o lincharmos”, dizia há um século Benjamin Tillman, governador da Carolina do Sul e senador até a sua
morte, em 1918.
O serviço de recenseamento do Estado tem registros de
4742 linchamentos entre 1882 e 1968, mas centenas, se não mesmo milhares,
ocorreram antes disso. Embora a maioria das vítimas fosse negra, mais de 1000
eram brancos considerados “amigos dos pretos”. Entre 1880 e 1930 foram
linchados mais de dois sulistas negros por semana, em média.
O último linchamento documentado oficialmente teve
lugar em 1968. Contudo, quando, 30 anos depois, três homens brancos
acorrentaram o negro James Byrd à
parte traseira do seu caminhão e o arrastaram durante quilômetros através da
cidade de Jasper, Texas, fazendo que partes do corpo lhe fossem arrancadas com
ele ainda vivo, os meios de informação trataram o acontecido como um
linchamento.
foi um linchamento, não teve o mesmo ambiente de
celebração pública dos primeiros tempos desta prática. O Digital History
Project registra que os “linchamentos eram frequentemente divulgados com muita
antecedência e as pessoas vestiam as suas melhores roupas e viajavam grandes distâncias
para a ocasião. O número do “Memphis Press” de 26 de Janeiro de 1921 tinha em
título “Podem Ser Linchados 3 a 6 Negros Esta Noite”.
Sacerdotes e homens de negócios participavam geralmente
nos linchamentos... Por vezes as companhias ferroviárias organizavam comboios
especiais para permitir que os espectadores assistissem aos linchamentos. Os
bandos de linchadores podiam chegar a 15 mil pessoas. Eram vendidos bilhetes
para os linchamentos. A disposição destes bandos de brancos era exuberante — os
homens aplaudiam, as mulheres excitavam-se e as crianças brincavam em volta do
cadáver.
Embora o nó da forca se tenha tornado no símbolo dos
linchadores, nem todas as vítimas tinham a sorte de morrer rapidamente numa
corda. O “New York Tribune” descreveu assim um linchamento em Coweta County,
Georgia, em 1899: “Sam Holt... foi
queimado na fogueira numa estrada pública... Antes, o negro foi desprovido das
orelhas, dos dedos e de outras partes do corpo... Antes do corpo arrefecer, foi
cortado em pedaços, os ossos foram esmagados em pequenos fragmentos e mesmo a
árvore contra a qual o desgraçado encontrou o seu destino foi cortada e
distribuída como recordações. O coração do negro foi cortado em pedaços
pequenos, tal como o fígado. Aqueles que não conseguiram obter diretamente as
medonhas relíquias pagaram aos afortunados possuidores quantias extravagantes.
Os fragmentos dos ossos foram vendidos a 25 cêntimos e cada pedaço de fígado
calcinado por 10 cêntimos.”
Doria
Johnson escreveu recentemente um livro sobre o linchamento do
seu trisavô, Anthony Crawford, em Abbeville, Carolina do Sul, em 1916. Crawford
era um proprietário abastado, pilar da comunidade negra, fundador de uma
escola, presidente dos maçons negros, membro de um júri federal.
Como disse o reverendo Antonio Hawkins, “o nó da forca
significa mais do que uma ameaça de morte, é a ameaça de perder tudo aquilo por
que se trabalhou: segurança, educação, a oportunidade de progredir como pessoa,
a possibilidade de rezar como se quiser e de viver em paz”.