“Nós
decidimos tomar medidas decisivas e utilizar todos os instrumentos à nossa
disposição para sustentar as instituições financeiras que tenham importância
sistêmica e impedir que elas possam falir”
Plano de Ação do G7, Washington, 10/10/2008
Na segunda-feira, dia 13 de outubro de 2008, o
mundo amanheceu em silêncio e ficou em suspense, durante quase todo o dia, à
espera do que seria uma espécie de “duelo final”, que estaria se travando nos
principais centros financeiros do mundo , entre o poder político e os mercados.
No final do dia, entretanto, os primeiros sinais já indicavam que não havia
duelo e que o poder político tinha imposto sua autoridade sobre os “mercados
financeiros”. Depois de uma semana de pânico, entre 5 e 12 de outubro, os governos
das principais economias do mundo conseguiram, em poucas horas, formular um
"plano comum" de intervenção maciça e estatização parcial dos seus
sistemas financeiros. Ele cumpriu o seu objetivo imediato de estancamento de
“sangria” e estabilização do cambio. Naqueles dias, quem quis, pôde ver e
aprender que existe uma relação essencial e expansiva entre o poder político e
o capital financeiro, e que, apesar de tudo, o que foi dito e repetido nestes
últimos anos, o poder político tem uma precedência hierárquica e dinâmica, com
relação aos mercados e ao capital financeiro. Ou seja: o poder e a riqueza
capitalista se expandem juntos, mas o poder político é uma condição essencial,
permanente e dinâmica dos mercados e do capital financeiro. Neste sentido, é interessante
observar que o plano de nacionalização dos principais sistemas financeiros do
mundo tenha sido formulado pela Inglaterra, com base na experiência da Holanda
(e antes de ser aceito pelos EUA e pela União Européia). Logo a Inglaterra e a
Holanda, as duas potências marítimas e econômicas que teriam estado na origem
do “capitalismo liberal”, e na defesa permanente do laissez-faire.
Nas semanas seguintes, depois do dia 13 de outubro,
a própria evolução da crise foi dando maior transparência a uma outra relação
que costuma embaralhar a análise dos economistas: entre a moeda estatal e as
infinitas moedas privadas e financeiras que coexistem dentro de um mesmo
sistema econômico nacional e internacional. Permitiu separar a crise do
“mercado financeiro do mundo”, que se estabeleceu nos EUA depois de 1980, de
uma crise eventual do dólar e da hegemonia monetária dos EUA, que ainda não
aconteceu. Essa foi a estratégia que o governo norte-americano adotou no campo
internacional, buscando sustentar a confiança e a centralidade mundial do
dólar. Durante todo o mês de outubro, os EUA mantiveram uma comunicação e uma
coordenação com os governos e os bancos centrais do Japão e da China - os
maiores detentores mundiais de obrigações do estado norte-americano. No caso da
China, em particular, estabeleceu-se uma verdadeira parceira estratégica com o
Tesouro norte-americano, na defesa do dólar e dos interesses financeiros comuns
dos dois países. Na mesma linha de atuação, o Banco Central norte-americano
(FED), fechou, depois do dia 13 de outubro, acordos para garantir liquidez em
dólares dos BCs da Austrália, Canadá, Dinamarca, Inglaterra, Japão, Nova
Zelândia, Noruega, Suécia, Suíça, e com o próprio Banco Central Europeu. Logo
depois, no dia 29 de outubro, o FED ofereceu as mesmas facilidades e condições,
além de uma linha de 30 bilhões de dólares para cada um dos BCs - do Brasil,
México, Coréia do sul e Singapura.
Não há sinais de que os EUA estejam perdendo poder e capacidade de coordenação monetário- financeira, dentro da economia mundial
No mesmo dia em que o FMI anunciou - em acordo com
o governo norte-americano -, a criação de uma nova linha de crédito sem
condicionalidades para países em desenvolvimento, que estejam sofrendo os
efeitos da crise e que mantenham políticas econômicas “sadias”. Ao lado dos
programas tradicionais de ajuda do FMI, que vem sendo negociados neste momento,
com os governos de quase todos os países da Europa Central, além da Islândia,
Turquia, Paquistão e outros prováveis candidatos do sudeste asiático. Ou seja:
em poucas semanas, depois do dia 13 de outubro, o Tesouro norte-americano e o
FED, junto com o FMI, tomaram a iniciativa dentro e fora dos EUA e passaram a
atuar de forma agressiva, coordenada e global, para sustentar a estabilidade e
a centralidade do dólar, e não há sinais de que os EUA estejam perdendo poder e
capacidade de coordenação monetário- financeira, dentro da economia mundial.
Por isso pode-se dizer – com razoável grau de
segurança - que os problemas sistêmicos provocados pela crise financeira,
deverão vir de outro lado, e eles já estavam se anunciando nos últimos dias do
mês de outubro. Até então, a intervenção das grandes potências manteve as
funções básicas do sistema em funcionamento (como se fosse cérebro, coração e
pulmão), mas não teve como impedir o efeito contágio da crise, que já passou
das finanças para o crédito, e deve atingir a produção, o emprego e as
exportações de todo mundo, e de forma muito mais grave, no caso dos países
menos desenvolvidos e com menor capacidade autônoma de socorrer seus próprios
bancos e produtores. Todos organismos internacionais estão prevendo quedas
acentuadas da produção, dos preços e das exportações. E a OIT crê num aumento
imediato de 10% do desemprego mundial - mais concentrado nas regiões mais
pobres do mundo. Nestas regiões, deve se prever um processo complicado de
desintegração social e política. O mais provável é que as revoltas e revoluções
sociais voltem à ordem do dia. Elas não serão socialistas nem proletárias, mas
adquirirão maior intensidade e violência nos territórios situados em “zonas de
fratura” ou de disputas e conflitos geopolíticos crônicos. Isto poderá ocorrer
em vários pontos da Europa do Leste, e em alguns países da Ásia Central, e
poderá assumir uma forma dramática no continente africano, sobretudo se tal
regressão econômica e social coincidir com uma nova corrida imperialista sobre
a África, que pode ser um prolongamento muito provável da crise atual.