Ele nasceu em Budapeste, Hungria, em 1930. Aos 17 anos
trocou seu país pela Inglaterra, estudou na London Scholl of Economics e,
posteriormente, começou a trabalhar numa empresa financeira. Em 1956, mudou-se
para os EUA onde continuou sua carreira como analista de mercado. Aos 39 anos,
deixou a empresa onde trabalhava e criou o seu próprio fundo de investimentos,
Quantum, considerado o mais rentável do mundo. Na sua vida há um período
fundamental, 1992. Nesse ano lançou um ataque financeiro contra a libra
esterlina – apostando na sua desvalorização, comprou milhões de libras e
trocou-as por marcos alemães – o que obrigou o governo britânico a retirá-lo do
mercado. Também atuou contra a peseta, que sofreu uma desvalorização de 25%.
Soros, e os investidores no seu fundo, tornaram-se muito ricos. Mas o broker é
também um dos principais doadores para os programas de ajuda ao desenvolvimento:
cerca de 500 milhões de dólares anuais. Para os seus atos filantrópicos, criou
uma fundação que se dedica a distribuir o dinheiro por países em vias de
desenvolvimento, muitos no Leste da Europa. Judeu, critica o Estado de Israel
com a mesma tranquilidade que põe em causa o neoliberalismo.
–
O sr. tem defendido um aumento do controle sobre os mercados financeiros. Se
esse controle tivesse sempre existido, teria ganhado todo o dinheiro que
ganhou?
– Quem sabe? Trabalho no mercado financeiro desde os
anos 50; já assisti a muitas mudanças e já trabalhei em ambientes muito
diferentes. Nos primeiros dez anos, a minha grande preocupação eram as ações;
não tinha interesse em divisas porque o câmbio era fixo. Depois, as coisas
modificaram-se. Nunca fui tão bom jogando com um único sistema de regras; fui
bom, sim, em analisar as mudanças que iam ocorrendo nos diversos sistemas.
–
Por isso é que está tão interessado em impulsionar uma nova mudança nos
mercados?
– Não há qualquer interesse pessoal nas propostas que
tenho feito. Não me irão trazer nenhum benefício. Pelo contrário, tenho
proposto mudanças nas regras existentes que me vão prejudicar pessoalmente.
Penso que quem joga no mercado financeiro deve fazê-lo para ganhar, mas no que
diz respeito às regras, deveríamos pensar no que é melhor para a sociedade. O
que defendo é uma esquizofrenia, mas se houvesse mais gente concordando comigo,
a sociedade seria melhor.
– Por
quê?
– Penso que, no que se refere às leis, há que se dar
prioridade ao interesse público sobre o individual. Mas devemos esperar que as
pessoas procurem o lucro pessoal. Tive de ter interesse em fazer dinheiro para
poder prestar mais atenção ao interesse público. Antes de ter tido sucesso,
centrava toda a minha atenção em fazer dinheiro.
–
Quando se deu essa mudança nos seus interesses e por que razão?
– Em 1979. Porque consegui dinheiro suficiente para as
minhas necessidades. Tinha ganhado 30 milhões de dólares e pensei que já era
suficiente para mim. O negócio que geria (fundos de investimento) era muito
estressante, podia morrer de um ataque do coração... Acreditei que era isso que
iria me acontecer. Nessa época, tive muito sucesso; o valor desses fundos
multiplicou-se, passou de 100 milhões de dólares a 400 milhões, e a tensão
tornou-se ainda maior. Então perguntei a mim mesmo o que eu estava fazendo,
onde devia usar esse dinheiro. Foi quando criei a fundação Open Society.
–
Bem, de certa forma, havia pelo menos um interesse pessoal: proteger o seu
coração...
– Sim, sim. É óbvio que me proporcionou alguma
satisfação.
–
O que entender por Open Society (Sociedade Aberta), o nome da sua
fundação?
– É uma idéia filosófica. Trata-se de uma sociedade que
garante o grau máximo da liberdade individual compatível com os interesses dos
outros. É outra forma de definir a democracia. Criei a fundação Open Society e
trabalhei para que se abrissem algumas sociedades fechadas: o regime de
apartheid da África do Sul, os regimes comunistas da Polônia, Hungria... e
China. E estive muito implicado na queda do sistema soviético.
–
Transformaram-se em sociedades abertas?
– Nem sempre. Descobri que a queda de uma sociedade
fechada não leva automaticamente a uma sociedade aberta; pode levar ao colapso.
Aprendi que a liberdade individual pode ser ameaçada por um estado fraco, e não
apenas por um estado forte. A falta de organização também é uma ameaça. Vi o
perigo que constitui o fundamentalismo do mercado (mercados sem controle).
Estar excessivamente dependente deles pode ser prejudicial a uma sociedade
aberta. Esta estranha conclusão trouxe-me alguns conflitos.
–
Claro, é exatamente o contrário do que defendem os seus colegas
financeiros...
– Sim. Mas quando comecei a analisar a
globalização, cheguei à conclusão de que os mercados financeiros não tendem
para o equilíbrio. O seu comportamento é imprevisível, e isso deve ser
corrigido pelos governos.
–
Há algum país que se encontre próximo da sua teoria de uma sociedade
aberta?
– Os Estados Unidos da América. Embora eu seja
particularmente crítico em relação à política de Bush. Mas os EUA são uma
democracia e, como tal, os governos podem mudar. Espero que o povo americano o
faça num futuro não muito longínquo.
–
O que não lhe agrada, em particular, na política do presidente George W.
Bush?
– Bush adotou uma estratégia muito perigosa,
baseada na idéia de que os EUA devem promover ações preventivas e manter a sua
supremacia militar. Isso, na prática, estabelece duas classes de soberania: a
dos Estados Unidos da América – que é sacrossanta e que deve ser protegida de
interferências, tratados e leis internacionais – e a soberania do resto do
mundo, submetido à possibilidade de uma intervenção preventiva por parte dos
Estados Unidos da América.
–
Ou seja, está contra a guerra preventiva, essa política adotada recentemente
pelo presidente dos EUA, que defende que é legítimo atacar para evitar males
maiores?
– A minha opinião é que as ações deveriam ter um
autêntico caráter preventivo, e não de castigo. Se dermos incentivos a países
que vão na direção certa, não interferimos na sua soberania. Só quando essas
tentativas construtivas fracassam, é apropriada uma ação de castigo.
–
Mas essa não é a política habitual dos EUA, exceto, talvez, com o Plano
Marshall, logo após a Segunda Guerra Mundial...
– Mas o Plano Marshall foi um êxito, e poderíamos ter
tido um Plano Marshall quando se deu a queda da URSS... No entanto, nos
mercados imperava a idéia do fundamentalismo; dar uma mão não fazia parte dos
ideais de então.
–
A situação atual não é igual. O que o leva a pensar que os norte-americanos vão
eleger outra política, diferente desta que escolheram?
– Os norte-americanos gastam de fazer o bem: têm uma preocupação
legítima com o próximo. Mesmo o governo americano se sente obrigado a fazer
algo concreto em relação à Aids, ou à miséria que impera na África.
–
O sr. é contrário a uma guerra dos EUA contra o Iraque?
– Não.
–
Não a considera um ataque preventivo?
– Não há nenhuma ação construtiva possível com Saddam.
É um tirano perigoso que utilizou gases contra o seu próprio povo. É um perigo
para o mundo. Mas deveríamos cumprir as leis internacionais. Se fracassar a
ação da ONU, deveria formar-se uma aliança. Os EUA não devem atuar
sozinhos.
–
Fala em atuar de acordo com as decisões da ONU. No entanto, no seu livro, não
demonstra nenhuma confiança nesta instituição.
– O problema da ONU é tratar-se de uma associação de
estados soberanos guiados pelos seus próprios interesses, e não pelo interesse
comum. Há ocasiões em que faz falta atuar, mesmo que a ONU não esteja de
acordo. Gostaria e apoiaria uma ação contra o Iraque, mesmo sem o apoio das
Nações Unidas. Por exemplo, com o apoio da Nato.
–
Pensa que vai haver guerra?
– Acredito na possibilidade de Saddam entregar as suas
armas de destruição em massa. Depende do quanto seja forte realmente, e da
quantidade de armas que possui. Se, por exemplo, tem capacidade para atacar
Israel, pode ser que resista; mas se não tem essa força, para que iria se
queimar? Se seguirmos o caminho da ONU, pode ser que tenhamos êxito sem guerra.
Mas acho que é importante querermos ir à guerra se for necessário. Estou contra
a doutrina Bush, mas não contra a guerra ao Iraque.
–
Acredita que por trás de tudo está o interesse no petróleo?
– Não creio ser essa a única razão, embora seja
importante. Perdemos a confiança na Arábia Saudita e necessitamos de uma fonte
alternativa. Tenho certeza de que essa é uma questão muito importante na
política dos EUA, embora não se fale nisso. Parece-me razoável reduzirmos a
nossa dependência do petróleo saudita. Mas o governo Bush está pondo em prática
esta política de uma forma rápida demais, com prioridade exagerada. Aborrece-me
que se deixem de lado outros temas muito mais importantes, como a crise no
Brasil ou a prosperidade da economia global, que está em perigo e à qual não se
tem prestado atenção.
–
Por que se preocupa com o Brasil e não com outros países, como a
Argentina?
– Podemos culpar os argentinos pela forma como
conduziram a sua economia. Mas o Brasil sempre foi muito fiel aos conselhos de
Washington. Fez tudo de acordo com as diretivas do Fundo Monetário
Internacional. No entanto, está numa situação difícil. A taxa de juros que está
pagando pela sua dívida externa é insustentável.
–
Luiz Inácio Lula da Silva, o novo presidente do Brasil, poderá mudar as
coisas?
– Não tenho certeza, mas suspeito que
sim.
–
Em que sentido?
– Acredito que vai se preocupar mais com os
temas sociais, que não vai querer sacrificar tudo para pagar a dívida externa.
Se as autoridades internacionais ajudarem, como penso que deveriam fazer, Lula
poderá desenvolver uma política mais social. Se não conseguir ajuda,
provavelmente insistirá na renegociação da dívida.
–
Se o Brasil se negar a pagar a dívida nas condições impostas pelo FMI, outros
países em vias de desenvolvimento tentarão fazer o mesmo?
– Penso que sim. Se realmente o conseguir, vai quebrar
a atual organização internacional. Vai obrigar à introdução do sistema de
controle do capital, e isso será o fim da globalização.
–
O Brasil não é o único país em crise; a economia mundial está passando por maus
momentos... O sr. pensa que isso é conjuntural ou estamos chegando ao fim do
capitalismo?
– Na realidade, não vejo nenhuma alternativa ao
capitalismo.
– Estaríamos perto de um crash, como o de 1929?
– Não, esse foi muito sui generis.
Aproxima-se algo diferente. Mas não seria apropriado eu dizer que caminhamos
para um crash. Disse-o em 1997 e não volto a fazê-lo. Foi um erro de minha
parte. Quando o sistema está em perigo, quando se está mesmo à beira do
precipício, as autoridades começam a trabalhar e solucionam o problema. Poucas
vezes se chega a cair.
–
Estamos à beira do precipício?
– Muito perto.
–
É certo que não vamos cair?
– Certo, não sei. Há probabilidades. O que me
preocupa profundamente é não existir urgência. Os focos apontam para o Iraque e
ninguém presta atenção às questões financeiras. Estamos num mercado global onde
as debilidades do sistema se tornam muito mais patentes. E é preciso
corrigi-las.
–
Ninguém presta atenção? Ninguém mesmo?
– Talvez os franceses estejam interessados, mas sem os
EUA não se pode fazer nada.
–
Vai tentar convencê-los?
– Repito, desde 1997, que estamos perante um problema
novo: não há capital suficiente no centro para chegar à periferia. Creio que
isso se deve a defeitos na estrutura, mas a opinião geral é de que se trata
apenas de uma questão temporária. Ainda que cada vez mais gente reconheça que,
realmente, é um problema estrutural, estamos longe de conseguir que os
políticos alterem a situação. Vamos ver o que vai acontecer no Brasil...