Louis Ferrel andava com o coração apertado. “Às vezes,
nem consigo respirar. Não sei como vou dar a má notícia ao meu filho”,
lamentava-se. Kevin, de 17 anos, estava no último ano do liceu e, por entre
exames e preparativos para o baile de formatura, ficava horas ligado à Net,
informando-se sobre candidaturas à universidade. Mas a vida continuava difícil.
A culpa era da crise. Kevin bem se esforçava, passando os finais das tardes
atrás do balcão do Kentucky Fried Chicken lá do bairro. Amealhava para ajudar a
pagar as despesas dos estudos no futuro.
No fundo, tanto esforço para nada. A loja de automóveis
onde Louis trabalhava fechara há quase um ano e, desde então, ele ainda não
tinha conseguido arranjar emprego. “Começa a faltar dinheiro até para as coisas
mais básicas, como comer e vestir”, dizia o pai, de 42 anos. A agonia iria
obrigá-lo a convencer o filho a fazer uma pausa nos estudos. A universidade
teria de ficar adiada.
Respirava-se um ar de profunda tristeza na casa dos
Ferrel, em Livonia, arredores de
Detroit. Hoje, dois meses depois, o nome de Kevin aparece nas fichas de
matrícula da Universidade de Michigan. Na verdade, a má notícia nunca chegou a
ser dada, e Louis já respira melhor. Arranjou emprego.
A venda de casas subiu nos últimos quatro meses — em
Maio, cresceu 2,4% — e as empresas do ramo voltaram a contratar. O
ex-desempregado aproveitou a carona, trocando a venda de carros pela de casas,
numa imobiliária local. “O Kevin está radiante. Ele chegou a pensar que o seu
futuro imediato seria a vender frangos.”
O setor imobiliário ressuscitou porque os preços
convidativos dos imóveis, as baixas taxas de juro e os incentivos dados pela
Administração Obama à compra da primeira habitação (até oito mil dólares)
funcionaram como chamariz. Mas não foi caso único.
Os bancos começaram 2009 “bastante bem”, revela Alberto
Ramos, um dos vice-presidentes da Goldman Sachs (GS). “O empréstimo de dez mil
milhões do Governo à GS foi pago há duas semanas.”
Mas, então, a GS não andava moribunda? Para este
português residente em Nova Iorque, familiarizado com o reboliço de Wall Street, tudo não passou de “um
ciclo econômico intenso, igual a tantos outros na história”. “A partir do
momento em que se injeta confiança nos mercados e em que o sistema se começa a se
auto-regenerar, entra-se numa fase de recuperação.”
“As coisas nunca chegaram ao ponto trágico que alguns
previam”, afirma James Parrot, vice-diretor
do Fiscal Policy Institute, um think thank norte-americano que concentra os
seus estudos no comportamento da economia do Estado de Nova Iorque. “No final
do ano passado, li que Wall Street iria perder 50 mil postos de trabalho. Hoje se
verifica que perdeu 25 mil. Ou seja, metade!” Nova vida em Wall Street. Em Wall
Street começa-se a sentir o ar da retomada. O entusiasmo regressou aos mercados
financeiros, com as bolsas a dispararem cerca de 25% desde meados de Março.
Ainda não é certo que esta recuperação seja a inversão final da tendência de
queda que dura há dois anos, mas muitos analistas acreditam que os mercados bateram
no fundo. Noutras crises, as bolsas tendem a antecipar os movimentos econômicos
em cerca de seis meses, por isso há quem diga que estes podem ser os primeiros
sinais da retoma.
Na baixa financeira de Nova Iorque, a oferta de emprego
regressou. Alberto Ramos revela que a GS voltou a recrutar, e uma breve
verificação junto de várias instituições financeiras confirma que a tendência
começa a generalizar-se. Mais: desde Agosto passado que os bancos de
investimento mantiveram todos os postos de trabalho intactos.
“O pânico ajudou a criar cenários catastróficos. Não
nos podemos esquecer que a exuberância faz parte da natureza humana. Quando
estamos em alta, somos os maiores. Quando estamos na mó de baixo, é uma
desgraça. Por aqui, diz-se: ‘Success breeds excess’”, ironiza o vice da Goldman
Sachs.
Uma prova de que os bons velhos tempos podem estar de volta é a informação de que o Citigroup se prepara para aumentar os ordenados-base dos seus colaboradores em 50%. Não falamos de prêmios ou bônus, à imagem daqueles que no início de Fevereiro levaram o Presidente americano, Barack Obama, a acusar de “falta de vergonha” alguns financistas de Wall Street.
“Depois desses escândalos, o Estado regulou. Tal não se
podia repetir. E concentrou-se nos prêmios dados aos cem mais bem pagos de cada
instituição que recebera apoios do Governo. O que se esqueceu é que há uma
grossa fatia de quadros que facilmente ganham 500 mil dólares, ou mesmo um,
dois, três milhões de dólares por ano. Esses estão fora do alcance da medida governamental.
Mesmo assim, eles ganham muito acima da média”, diz Parrot. Moral da história:
“O setor financeiro não aprendeu a lição”, conclui o especialista do Fiscal
Policy Institute.
A administração do Citigroup recusou-se a confirmar
esta informação, publicada na edição de 23 de Junho do “New York Times”. Mas,
até hoje, a notícia não foi desmentida. Os dólares de Obama. A intervenção do
Estado — centenas de milhões de dólares injetados pela Administração Obama na
economia — foi importante para o regresso da confiança e estabilização,
garantem vários especialistas. Mas não foi apenas a iniciativa privada que se beneficiou
da generosidade do novo inquilino da Casa Branca. Por exemplo, o Estado de Nova
Iorque recebeu um reforço de 25 bilhões de dólares. Resultado: o orçamento, em
vez de se contrair, expandiu-se, fazendo com que os contribuintes não sentissem
na pele os efeitos da conjuntura.
O Presidente americano prometeu também investir nas
áreas da Educação e Saúde, uma decisão que alguns jovens profissionais
americanos, em tempo de vacas magras, interpretaram como oportunidade de
emprego.
Eva Boster pertence ao organismo Teach for America, que
recruta jovens professores para escolas públicas. Ela revela que o número de
candidaturas subiu este ano 42%. De um total de 35 mil, apenas 4100 serão
aceites, mesmo assim mais 500 que no ano passado.
Nos hospitais, embora não se sinta na prática a chegada
dos milhões do Stimulus Package, “está tudo preparado para começar a receber
recursos humanos e financeiros”, disse o porta-voz do hospital de Cook County, em Chicago. Numa unidade do mesmo hospital
visitada às vésperas das eleições de 4 de Novembro, há oito meses,
questionava-se a própria viabilidade da instituição.
O livro bege do Federal Reserve (relatório publicado
oito vezes por ano e que faz o diagnóstico à economia nos 12 distritos
financeiros dos Estados Unidos) também reconhece “sinais de estabilização da
economia”. Lê-se no documento, publicado há duas semanas, que cinco distritos
“demonstram um ligeiro crescimento da produção industrial”. Este dado é
relevante na medida em que quatro dos seis milhões de postos de trabalho
perdidos desde Dezembro de 2007 são oriundos do setor industrial.
Os mais pessimistas alertam que a retomada ainda vai demorar. Charles Geisst, professor do Manhattan College, diz que “falar de estabilização não é falar de recuperação”. Desconfiado, explica também a tese de que os ganhos de Wall Street “não espelham” um crescimento econômico, mas sim “as expectativas dos investidores de que as coisas vão melhorar”.
Em Setembro, Kevin vai entrar na faculdade, e milhares
de novos professores contratados irão iniciar uma nova carreira. Wall Street
estará consolidando os ganhos do início do ano, e centenas de empregados do setor
financeiro terão as contas bancárias mais recheadas graças à generosidade dos
seus patrões. A expectativa dos analistas é de que, a essa altura — final do
terceiro trimestre —, a economia americana voltará a crescer. O pesadelo pode estar começando a acabar