Vidabrasil circula em Salvador, Espírito Santo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo Edição Nº: 299
Data:
31/1/2002
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Internacional

Wim Duisenberg Sr. Euro  
 
“O homem mais perigoso da Europa”, “Wim, o imbecil” ou “o homem das gafes”. Estes são alguns dos epítetos com que a imprensa britânica e francesa já presentearam o presidente do Banco Central Europeu. Mas Duisenberg não se deixa abater. Ele é o todo-poderoso “senhor euro”.  
 
George W. Bush ou Vladimir Putin talvez tenham o poder de desencadear a terceira guerra mundial. Fidel Castro pode, no limite, pôr fim à ditadura socialista de Cuba. Jorge Sampaio tem poderes para, se assim o entender, dissolver a Assembléia da República e convocar eleições antecipadas. Mas só Wim Duisenberg tem a capacidade de influenciar o valor da prestação mensal do financiamento da habitação de várias dezenas de milhões de cidadãos da zona euro. Afinal, ele é, desde junho de 1998, o presidente do Banco Central Europeu.  
Pode não ter o carisma do seu alter ego Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve norte-americano, mas, no universo dos 12 países fundadores da moeda única, o poder deste holandês, de 66 anos, é semelhante ao do seu colega americano. Nos estados de influência do euro, é Duisenberg quem define o preço do dinheiro, tendo como missão última a manutenção da estabilidade dos preços, ou seja, o controle da inflação. O estilo que adotou para a persecução deste objetivo é um dos principais alvos dos seus críticos. Acusam-no de ser mais papista do que o Papa, de ser excessivamente ortodoxo. Tudo porque defende de forma férrea a independência do BCE face às pressões políticas dos governos da zona euro, aos quais pretende impor reformas econômicas estruturais, através da renovação dos respectivos sistemas fiscais e mercados de trabalho.  
A defesa do antigo governador do Banco da Holanda, à frente do qual esteve 15 anos, entre 1982 e 1997, pode resumir-se numa das suas frases mais célebres: “O dinheiro é a minha profissão”. A divisa não podia ser mais verdadeira. A formação e percurso profissional de Duisenberg têm um dominador comum: o dinheiro.  
O “milagre holandês” - No entanto, nem sempre a sua abordagem às questões monetárias e financeiras primou pela defesa do rigor e da independência face às intervenções políticas, acima de tudo. Em meados dos anos 70, época em que foi ministro das Finanças do governo trabalhista de Joop den Uyl, tinha fama de keynesiano e defendia a intervenção do Estado na economia. Agora pode parecer caricato, mas, na época, Duisenberg chegou a propor que o governo enviasse um cheque de dez florins a cada holandês, como forma de estimular a economia dos países baixos. Curiosamente, foi já na sua nova e atual postura de guardião da estabilidade monetária que conseguiu fazer da Holanda um dos mais prósperos dos pequenos países da União Européia, enquanto esteve à frente da autoridade monetária do país. Os choques petrolíferos da década de 70 ensinaram-lhe a lição e afastaram-no, definitivamente, do seu perfil inicial de despesista.  
Tornou-se um diretor feroz do Banco da Holanda. Controlou os salários, obrigou o governo a fazer cortes na despesa pública, impôs rigor ao sistema fiscal e combateu a inflação, indexando o florim ao marco alemão. Fez da “doença holandesa” econômica, do início dos anos 80, o “milagre holandês”, do final do século XX. Um feito que lhe valeu o apelido de John F. Kennedy da Holanda. Tal como o presidente dos Estados Unidos, era jovem (ainda não completara 50 anos), tinham (e tem) uma cabeleira farta e um sorriso forçado.  
Escolha certa? - Se este epíteto pode ser considerado um elogio, o mesmo não se pode dizer do apelido que lhe atribuíram os seus críticos, notadamente os franceses: Wim Duisenberg, o “Monsieur Cinq Seconds”. Nos corredores do poder de Paris, o governador do Banco da Holanda era acusado de demorar cinco segundos a seguir as movimentações de taxas de juro decididas pelo Bundesbank. E foi, precisamente, por considerar que Duisenberg era um clone do banco central da Alemanha, que era incapaz de tomar decisões independentes e se limitava a aceitar a liderança germânica, que Jacques Chirac, presidente francês, propôs uma alternativa à sua iminente nomeação para presidente do Banco Central europeu. O governo de Helmut Khol fez valer o seu peso político no seio da União Européia e agarrou-se ao currículo invejável do holandês para defender a sua dama.  
A verdade é que o “pequeno Willie”, como lhe chamavam os seus colegas de escola numa referência irônica à sua estatura tipicamente nórdica, tem um percurso profissional invejável. Com apenas 30 anos, integrou a equipe do Fundo Monetário Internacional (FMI), abandonando a Universidade de Groningen, onde foi professor assistente. De regresso à Holanda, em 1969, torna-se conselheiro do Banco da Holanda de que viria a ser diretor, depois de um curto regresso à vida acadêmica e de uma incursão pela política, primeiro como ministro e depois como deputado do socialista Partij van de Arbeid.  
Apoio alemão -Mesmo assim, Paris insistiu em apresentar a candidatura de Jean-Claude Trichet, diretor do Banco da França, à presidência do BCE. Duisemberg levou a melhor, uma vez que contava com o apoio alemão, que lhe permitiu, logo em 1997 assumir a presidência do Instituto Monetário Europeu (IME), a gênese do Banco Central Europeu. Ainda assim, no momento da sua nomeação, surgiram indicações de que o diferendo franco-alemão teria resolvido com um acordo de cavalheiros que previa que o holandês abandonasse o cargo no meio do seu mandato de oito anos, para ser substituído nos quatro anos seguintes pelo seu velho amigo Trichet. Duisenberg sempre negou a existência deste atendimento. Defendendo-se com o tratado de Maastricht, a cartilha da união monetária européia. No entanto, quando tomou posse, informou o parlamento europeu de que desempenharia as suas funções, pelo menos, durante quatro anos e, se possível, oito. Paris continuou, por isso, a alimentar a esperança de colocar um dos seus pares à frente dos destinos do BCE.  
Giscard d’Estaing, antigo presidente francês, não se coíbe, ainda hoje, de considerar que a nomeação de Wim Duisenberg prejudicou a instituição monetária, desde o início. “Sempre pensei que o primeiro presidente do banco central deveria ser alguém cuja autoridade internacional fosse imediatamente reconhecida. Na realidade, contrariamente ao espírito do tratado [de Maastricht], o clube de governadores dos Estados membros nomeou um dos seus, oriundo de um país de média dimensão, a Holanda, para liderar o BCE. Independentemente dos méritos pessoais de Duisemberg, foi um erro de ‘casting’”, chegou a afirmar publicamente. Mesmo neste contexto hostil, o holandês parece não ter guardado ressentimentos em relação à França. É na costa sul francesa que passa grande parte dos seus fins-de-semana , onde gosta de ler, velejar e jogar golfe, fazendo jus à sua fama de “bon vivant”. Em alternativa, opta pela tranquilidade da sua casa de campo, na Holanda. É nestes dois refúgios que desfruta da companhia dos seus três filhos e da sua segunda mulher, com quem casou já depois de ter assumido a liderança do IME.  
O casamento foi, aliás, um dos “fait-divers” que, provavelmente, emissários franceses utilizaram para dar a conhecer o acordo de cavalheiros franco-alemão, sobre a sua sucessão à frente da autoridade monetária da união. “Wim ficará apenas até 2002 à frente do BCE, para, depois, poder dedicar-se melhor à sua nova esposa”, disseram fontes de Paris aos jornalistas franceses na mesma madrugada em que Duisenberg foi nomeado.  
Mas, passados apenas dois anos sobre a nomeação do presidente, Trichet já não é o sucessor mais recomendável, uma vez que está sendo investigado pela justiça francesa em resultado da sua atuação enquanto presidente do Crédit Lyonnais. O diretor do Banco da França parece, mesmo, já ter desistido desta ambição, reafirmando a sua lealdade a Duisenberg. “Temos um excelente presidente, que tem a confiança de todos”, declarou na última reunião de ministros das Finanças dos Quinze (Ecofin), durante a presidência sueca da União Européia.  
Resistências - Paris, por seu turno, não desmobilizou. Outros dois franceses ocupam a lista do senhor que se segue: Jean Lemière, presidente do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, e Laurent Fabius, ministro das Finanças de Lionel Jospin. Mais uma vez, as pretensões francesas poderão encontrar resistência. O primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, já admitiu publicamente ter sido sondado para substituir Duisenberg, o que vem dar força aos rumores de que os responsáveis europeus parece jogar contra o holandês, já que, até o final do ano, até ao final do ano, a presidência da União Européia cabe à Bélgica, cujo governo é um dos mais críticos da atuação do presidente do BCE.  
O próprio Wim Duisenberg começa a acusar algum cansaço, resultante, em parte, da sua má relação com a comunicação social, mas, sobretudo, das pressões destinadas a afastá-lo do cargo. “Não acredito que seja provável, dada a minha idade, chegar ao final do meu mandato de oito anos, no entanto, a decisão de me demitir cabe-me, exclusivamente, a mim”, disse numa entrevista recente ao diário italiano “La República”. O argumento soa a pretexto, sobretudo para um diretor cujo poder é comparável ao de Alan Greenspan, atualmente com 75 anos de idade e com mais quatro anos de mandato para cumprir.  
A imprensa - No entanto, se nos Estados Unidos parece ser o presidente do Federal Reserve a influenciar as políticas do diretor, na Europa é exatamente o contrário, com os executivos da zona euro tentando, constantemente, influenciar as decisões do BCE. Na primavera, no Ecofin de Malmoe, na Suécia, os ministros dos quinze reivindicaram um corte das taxas de juro européias. Duisenberg mostrou-se irredutível, defendendo-se, mais uma vez, com a independência do banco central. Os governantes, por seu turno, pretendiam que a autoridade monetária tivesse em atenção a opinião pública, que, face ao abrandamento econômico, era sensível a uma redução do preço do dinheiro.  
“Claro que sou sensível [à vontade da opinião pública]. É importante. Posso dizer que ouço [ as reivindicações], o que não quer dizer que não as leve em consideração”, contrapôs, na altura, o diretor. A verdade é que, depois de o BCE ter procedido a um único corte dos juros durante o primeiro semestre do ano, os dados sobre a inflação vieram dar razão às cautelas de Wim Duisenberg.  
Mesmo assim, o poder político europeu não se dá por satisfeito. Além de ter inaugurado, oficiosamente, a época da seleção de um novo presidente para o banco central, continua a exercer pressões sobre a autoridade monetária, seja através de declarações de ministros das finanças dos estados-membros, seja através de medidas propostas pelo parlamento europeu. Há cerca de um mês, os deputados europeus solicitaram ao BCE que alterasse os seus critérios de fixação das taxas de juro, por forma a tornar o processo mais confiável. Mais uma vez, Duisenberg fez ouvidos moucos.  
Abaixo da paridade - A comunicação social também não facilita a vida do responsável pela política monetária européia, sobretudo quando a moeda única se encontra, há vários meses, abaixo da paridade com o dólar. O “senhor euro” contrapõe. “Ainda estamos levando cabo o processo de fazer do euro a moeda que as pessoas têm na cabeça.” Mas a imprensa não se preocupa apenas com a evolução da mais jovem moeda do mundo. De uma forma geral, os jornalistas acusam Duisenberg de se contradizer durante as conferências de imprensa mensais que se realizam na sede do BCE, em Frankfurt.  
Com esses encontros, a autoridade monetária pretende, apenas, comunicar de forma imediata e regular com os mercados e o público em geral, a seguir às suas reuniões sobre a execução da política monetária. “Tanto quanto sei, nenhum outro banco central comunica de forma tão pronta e aberta com o público, logo após seus encontros. Alguns criticam a nossa estratégia por não ser suficientemente simples, argumentando que deveríamos focar-nos apenas num indicador, fosse o dinheiro ou a previsão da inflação.  
Estratégia honesta - A estes críticos posso dizer que a nossa estratégia é honesta. Reflete o ambiente complexo em que vivemos atualmente - um ambiente em que as decisões políticas não podem basear-se num único indicador”, sustenta o diretor.  
Para alguns analistas, esta estratégia de comunicação revelou-se hostil para o próprio Win Duisenberg e já lhe valeu críticas ferozes na imprensa, que pontualmente, lhe chama “Win, o imbecil” e “Wim, o homem das gafes”. Outros concluem que, em vez de gostar de comunicar com os investidores, o governador gosta de deixar os mercados na expectativa, o que na sua opinião, ajuda a explicar a volatilidade da moeda única. Há, por isso, quem defenda que as atas das reuniões do conselho de governadores do Banco Central Europeu deveriam ser divulgadas publicamente por forma a tornar mais transparente a atuação da autoridade monetária. Quando foi confrontado com esta sugestão, Duisenberg reagiu de forma irônica, mas com o ar mais sério do mundo, propondo que se publicassem as atas após 16 anos sobre a realização das reuniões... Mais uma vez, o holandês revela a sua devoção à independência do BCE.  
Homem perigoso - Apesar de levar a sério a sua autonomia, o diretor gosta de interferir em questões que assumem uma componente claramente política, mas que poderiam ter um efeito positivo na evolução da moeda única. Pontualmente, Duisenberg apela ao Reino Unido para aderir ao euro, o que é interpretado como uma interferência vã na política monetária britânica. O governador até já chegou a sugerir que o Banco da Inglaterra mantenha um nível de taxas de juro idêntico ao da zona do euro. Desnecessário será dizer que os tablóides de Londres não lhe perdoaram e tornaram-se ainda mais críticos do que a imprensa francesa, acusando-o de ser “o homem mais perigoso da Europa”



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