O
estudo dos gêmeos foi desenvolvido por Francis Galton, em 1876. Ainda é um
método importante para destrinchar a determinação genética do ambiente
Existem dois tipos de gêmeos: os dizigóticos (DZ, bi
vitelinos ou fraternos) e osmonozigóticos (MZ, univitelinos ou idênticos). Os
primeiros têm origem na fecundação simultânea de dois óvulos, que amadurecem ao
mesmo tempo e foram fertilizados na mesma ocasião por dois espermatozóides
separadamente. Os segundos provêm do mesmo ovo (ou seja, da fecundação do mesmo
óvulo pelo mesmo espermatozóide), que se divide durante o seu desenvolvimento
para dar origem a dois embriões. Por isso, têm sempre o mesmo sexo, são
fisicamente idênticos, têm o mesmo grupo sanguíneo, entre outras
características, o que não significa que sejam rigorosamente iguais (por
exemplo, as suas impressões digitais são diferentes).
Uns e outros partilham a mesma gravidez e um ambiente
intra-uterino muito semelhante, estando expostos às mesmas influências. Mas os
gêmeos MZ são geneticamente idênticos, enquanto os DZ partilham em média apenas
metade dos seus genes. Este fato, nas suas diversas combinações, constitui um
instrumento de estudo privilegiado para investigar se determinadas
características devem a sua existência à herança biológica ou ao meio
ambiente.
A importância desses estudos na compreensão de algumas
doenças tem sido decisiva. “Há dois tipos de estudos importantes. O primeiro
consiste na comparação de gêmeos MZ com pares de gêmeos DZ, para a ocorrência
ou não de uma dada característica. Se esta está presente em ambos os gêmeos, o
par diz-se concordante, e se está apenas em um, o par diz-se discordante.
Assim, qualquer discordância entre gêmeos MZ será devido à sua exposição a
ambientes diferentes.
Se a determinação de uma doença fosse exclusivamente
genética, os pares de gêmeos MZ teriam de ser sempre concordantes entre si. Se
essa contribuição fosse exclusivamente ambiental, a taxa de concordância entre
gêmeos MZ seria igual a dos gêmeos DZ. Mas, como a maior parte das nossas
características se deve a uma mistura de fatores genéticos e ambientais, a
comparação das taxas de concordância entre gêmeos MZ e DZ nos dará uma medida
de determinação genética e da contribuição do ambiente e de outros fatores”,
afirma Jorge Sequeiros, médico
geneticista.
Sabemos hoje que grande parte das doenças tem uma
contribuição genética. Nestes casos, qual a importância do meio ambiente na sua
determinação? “De fato, a contribuição genética só é muito forte nas doenças
monogênicas, que dependem de um único gene, as chamadas doenças hereditárias,
geralmente raras, em que podemos definir com precisão os riscos de transmissão
aos filhos. Mas a maioria das doenças é mais complexa. Têm um componente
genético, mas não são hereditárias, isto é, são devidas também (ou sobretudo) a
fatores ambientais. Mas mesmo nas doenças monogênicas, a influência do meio
pode ser grande. Veja-se o caso da fenilcetonúria (a principal doença porque é
feito o “teste do pezinho”). Esta doença leva a um atraso mental grave se nada
for feito, mas uma vez diagnosticada após o nascimento, a criança pode levar
uma vida praticamente normal desde que tenha uma dieta livre de fenilalanina
(um aminoácido presente na maioria dos alimentos). Nas outras doenças que
dependem de vários genes ao mesmo tempo e têm uma componente forte do ambiente,
como é o caso de hipertensão, a modificação de estilos de vida pode fazer a
diferença”, declara Jorge Sequeiros.
Mas a determinação das influências genéticas e/ou
ambientais aplicada ao estudo do comportamento individual e social parece ser
mais difícil. “Esta é precisamente uma das aplicações do segundo tipo clássico
de estudos com gêmeos. Este consiste na comparação de pares de gêmeos MZ que
cresceram e foram educados juntos, com gêmeos também MZ, mas que foram educados
separadamente. Se a componente genética é forte, os gêmeos MZ vão ser mais
parecidos entre si.
Sabe-se, por exemplo, que certas doenças mentais, como
a esquizofrenia, embora dependam de fatores ambientais, têm uma componente
genética importante e vão depender mais da família biológica do que da adotiva.
Na doença bipolar (psicose maníaco depressiva) a influência genética é ainda
grande, mas já um pouco menor, enquanto na depressão vulgar acaba por ser
menor”, afirma o médico.
Sendo assim, como equacionar hoje as teorias que
enfatizam a importância do meio na determinação do comportamento, com aquelas
que põem a tônica nos fatores genéticos? Para Jorge Sequeiros “estas coisas
estão sujeitas a modismos”. Com Francis
Galton, em plena época vitoriana, os genes tornaram-se a explicação para
quase tudo.
Galton defendia que o sucesso social e a inteligência
eram hereditários. Ele achava que para se melhorar a sociedade, os ricos e
poderosos deviam ter mais filhos do que o restante da população, era seu dever
moral. A esse esforço deu-se o nome de eugenia. Mais tarde, surgiram nos EUA
movimentos que defendiam a eugenia pelo lado negativo: os deficientes mentais,
os delinqüentes e criminosos eram os culpados da sua própria pobreza bem como a
degradação da sociedade.
Perto de 30 estados americanos introduziram leis
eugênicas entre 1906 e 1930. Cerca de 30 mil americanos acusados de loucura,
atraso mental ou criminalidade foram esterilizados. O mesmo viria ocorrer no
norte da Europa. “Depois de Mead, Marx e Freud,
e sobretudo ao longo dos anos 60, o papel do ambiente e das experiências
vividas foi transformado no fator primordial, ficando reservada à
hereditariedade o papel de elo mais fraco. Com a descoberta do genoma humano, a
atenção voltou a focar-se no determinismo genético. Tudo passou a ser de novo
hereditário. Foram escritas páginas sobre o gene da curiosidade, o da
homossexualidade, e até o gene da infidelidade e o do divórcio. A balança
voltou a pender para o lado contrário”, acrescenta Jorge Sequeiros