Pela hora da morte

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Haverá forma de garantirmos ser tratados como desejamos mesmo às portas da morte? Em Portugal, a resposta é não. Face à inexistência de um sistema nacional que reúna as diretivas antecipadas de vontade de cada cidadão, aquele que é um direito individual indiscutível acaba por passar para as mãos dos médicos sempre que alguém está incapacitado. No Brasil também ainda não há qualquer manifestação da lei a esse respeito.

Pela hora da morte


A criação de um testamento vital permitirá a qualquer pessoa salvaguardar que tratamentos aceita ou recusa no fim da vida.


Não tem de ser assim. A ser aprovada, a criação do testamento vital — proposta avançada há já dois anos pela Associação Portuguesa de Bioética (APB) — permitirá que cada pessoa ‘oficialize’ a sua vontade, estipulando que procedimentos clínicos aceita ou recusa receber no fim da vida. Segundo a proposta da APB — disponível para consulta em www.apbioetica.org, na área dos pareceres —, o documento pode ser redigido por qualquer pessoa a partir dos 18 anos, não inibida por anomalia psíquica. Será naturalmente revogável a qualquer momento, aplicável apenas quando a pessoa esteja incapacitada para se manifestar e terá de ser reafirmado a cada três anos. O indivíduo poderá ainda nomear um representante em matéria de cuidados de saúde para o caso de ficar incapaz.

Novidade em Portugal, o testamento vital é já uma realidade em países como Espanha, onde, ao abrigo da Lei do Paciente (aprovada em 2002), existe um registro de 60 mil “Instruções Prévias”, tão completas que citam tipos específicos de tratamento e deliberações em relação à doação de órgãos.

Para Rui Nunes, presidente da APB, “ao contrário do que acontece com a eutanásia”, esta não é sequer uma discussão controversa: “A própria Igreja Católica está de acordo.” A questão a definir é até onde pode ir este documento, já que duas vias são possíveis — um modelo de texto genérico que garanta não se ser submetido a meios despropositados de tratamento ou outro que, mais pormenorizadamente, enumere se aceita, por exemplo, quimioterapia, ventilação assistida, terapias em fase experimental, etc.

Trata-se, no fundo, defende Rui Nunes, de zelar pelo que é conhecido como “boa prática médica”, não insistindo em meios desnecessários e que causem sofrimento inútil. O que não impede de ficar consagrada a possibilidade de um médico alegar problemas de foro intimo, referenciando o doente para outro clínico.

Em termos práticos, este é um processo que Rui Nunes considera “sem dificuldades, nem custos”. De acordo com a proposta, o testamento vital terá um suporte em papel, podendo ser assinado na presença de um notário ou de três testemunhas. Além disso, “é sugerida a criação de um registro nacional de diretivas antecipadas de vontade (Rendav), algo à semelhança do que existe para a doação de órgãos, que disponibiliza aos hospitais as fichas individuais registradas”.

Esta é uma prática própria de “países desenvolvidos”, sustenta em resumo Rui Nunes, que espera ver o tema debatido no início do próximo ciclo eleitoral.


Autor: Aziz Fontoura
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