A propaganda, seja comercial ou política, seleciona elementos positivos de um candidato ou produto e os superdimensiona ou os contextualiza de modo a atrair as atenções para algo que não é efetivamente encontrado na realidade. Dito de outro modo, ela exagera, superdimensiona, distorce.
Os governos e governantes só falam a verdade? A resposta é não. Os Estados convivem até mesmo com legislações que protegem ações obscuras alegando defender a sociedade. São as razões de Estado. Para citar um único exemplo, relembro as denúncias de Edward Snowden. O governo Temer só fala a verdade? Parece que não. Apesar dessas óbvias constatações, a Justiça Eleitoral quer barrar a disseminação de mentira na disputa eleitoral de 2018.
Seguindo a espetacularização que se tornou norma em nossa
sociedade, algumas autoridades resolveram seguir o ritmo da política
norte-americana e declararam guerra às chamadas “fake news” ou notícias falsas.
Não conseguiram eliminar as inverdades, os exageros e as distorções do plenário
da Câmara, mas querem eliminá-los na Internet. Dizem que os chineses possuem
exércitos prontos a teclar e a postar inúmeras mentiras e notícias falsas para
alterar o resultado das eleições. Uau! Quem será beneficiado pelas fake news?
Qualquer um que contrate os chineses, a máfia russa, as empresas de negócios
escusos na rede. Logo, a propaganda paga, impulsionada ou não, deveria ter sido
proibida na Internet, porque ela nunca será transparente diante das
“Notícia” difundida vastamente pelos jornais mais vendidos do país, em 2015. Depois, verificou-se que era falsa por completo
Alguns até pensam em modelar um algoritmo que consiga detectar automaticamente as postagens “fakes” nas plataformas sociais. Imagine os parâmetros desse algoritmo de aprendizado de máquina que irá bloquear e excluir as postagens. Seus desenvolvedores deveriam ganhar a premiação máxima da Filosofia, Sociologia, Antropologia e demais ciências humanas, pois conseguiram definir de modo objetivo, algorítmico, o que é a verdade. Desse modo, conseguirão detectar e excluir as inverdades, as adulterações e deformações dos fatos, suas causas e consequências.
Como bem alertou Manuel Castells, no livro O Poder da Comunicação [Paz e Terra, 2015], a crise da democracia representativa abriu espaço para a política do escândalo como o principal modo de luta pelo poder. O escândalo é uma das faces da espetacularização que tudo simplifica para melhor atrair as atenções. Nada é mais “fake” do que o combate às fake news nas eleições. Na verdade, os riscos de censura e de perseguição política dos discursos não alinhados com o poder vigilante é demasiadamente grande. Empiricamente, constato que a democracia convive com grandes mentiras, mas não sobrevive à censura. Basta ver os Estados Unidos: eles sobreviveram à Era Bush e sua desastrosa invasão do Iraque em busca de armas químicas baseada em fake news.
Foucault nos convidou a observar que não há poder institucionalizado sem regimes de verdade, sem os elementos constitutivos daquilo que é aceito como verdadeiro. O poder sempre se apresenta como portador da verdade. Essa constatação não exige nossa adesão ao relativismo ou não implica na inexistência da mentira. É possível definir acontecimentos que ocorreram e os que não ocorreram. As disputas mais importantes, em geral, são sobre por que algo ocorreu e quais as suas consequências. Elas são muitas vezes repletas de torções e excessos. É possível denunciar se um fato ocorreu ou não, mas em geral não é isso que alimenta a disseminação de notícias falsas. A observação das redes mostra que é o ódio e a intolerância. Por isso, para reduzir o compartilhamento de fake news, o policiamento das redes só gerará distorções e a censura seletiva de exageros. As notícias falsas serão reduzidas se não aceitarmos a lógica dos fins que justificam os meios, se desaprovarmos veementemente nossas conhecidas e conhecidos que destilam o ódio, o racismo, a homofobia, a misoginia, o sexismo e o fundamentalismo religioso.