A Morte Anunciada

domingo, 22 de março de 2009

O texto é de José Dílson Pinheiro e foi colhido no site www.eclidesdacunha.com. É uma matéria que deveria estar postada no nosso marcador de “MEIO AMBIENTE”. Está esporadicamente na “CONEXÃO EUCLIDENSE” para chamar a atenção da comunidade e das autoridades públicas responsáveis pelo Município de Euclides da Cunha. Leia, revolte-se, aja e sinta saudades do tempo em que administrar e respeitar eram palavras costantes do dicionário dos homens escolhidos para tocar os destinos desse povo.

A Morte Anunciada


Ele tem história... muita história para ser contada para os euclidenses. É um patrimônio do povo que está à beira de desaparecer, caso as autoridades governamentais não adotem providências urgentes para sua revitalização.

Estou falando do mais importante açude público de Euclides da Cunha que, abandonado, corre o risco de desaparecer. Condições para isso não faltam, pois é de cortar coração, o nível de degradação a que chegou um manancial de água potável que nos períodos mais difíceis de prolongadas estiagens ajudou matar a sede de pessoas de Euclides da Cunha e outros municípios circunvizinhos.

Do alto da Serra da Santa Cruz, o outrora espelho d’água que compunha a linda paisagem da cadeia de serras da Muribeca, está praticamente opaco. Na imensidão do verde, o açude se destacava dos demais espelhos d’água existentes e vistos a olho nu.

Na sexta-feira Santa, quando muita gente penitente sobe a Serra da Santa Cruz, admirar a paisagem é, também, um ritual que leva à meditação e contemplação que ajuda repor a energia perdida na subida do morro sagrado e, no meio de tanta beleza, reluzia o espelho d’água do Tanque da Nação.

E quando a gente fala de coisas belas, com o verbo no tempo passado, não é um bom sinal, pois, com certeza, algo de errado está acontecendo ou já aconteceu e o Tanque da Nação cabe muito bem naquele verso da música popular brasileira que diz, entre outras coisas, “quem te viu quem te vê”, de autoria de Chico Buarque de Holanda.

O site euclidesdacunha.com já produziu outra reportagem que denunciava o abandono e o elevado grau de poluição existente no espelho d’água e em todo o seu entorno, na presumível área de proteção, outrora cercada com arame farpado, cancela com cadeado e passagem de pessoas e animais controlados por um vigilante residente a poucos metros do local.

Até a década de 80, o Tanque da Nação estava bem preservado e supria, satisfatoriamente, a cidade e o município de Euclides da Cunha, onde o serviço de abastecimento d’água era precário e uma longa estiagem havia se abatido em toda a região do Sertão de Canudos.

Era comum ver caminhões-pipa dos municípios de Quijingue, Monte Santo, Uauá, Canudos e Cansanção pegando água no Tanque da Nação e levando para seus lugares de origem. O movimento de caminhões-pipa não tinha hora para parar, pois, em muitos casos, a comunidade a ser abastecida era tão longe que duas viagens feitas ao dia, para determinada localidade, poderia ser considerado um “ato de heroísmo” do motorista transportador.


O tanque da Nação era um manancial de peixes de diversas espécies que variavam entre trairas, pescadas, carpas, piaba (lambari), corrós, que alimentavam pessoas mais carentes, principalmente, no período da quaresma, quando terminava o defeso que era respeitado pelos pescadores, em geral pessoas pobres que não podiam comprar bacalhau para comer nos dias santificados.

Nesses dias, quem subia a Serra da Santa Cruz, à noite, logo identificava o velho e bom açude, pela quantidade incontável de lanternas e fogueiras acesas à beira do espelho d’água, não somente para espantar muriçoca, mas, também, para preparar aquele pirão de peixe pescado na hora, um delicioso caldo, sem faltar aquela cachacinha para rebater o frio da madrugada, - uma bela desculpa dos pescadores para justificar uma noitada de cachaçada, principalmente, na quaresma.

O volume de água era tão grande que ninguém ousava nadar no local, mesmo porque havia uma proibição que era respeitada e fiscalizada que impedia pessoas de tomar banho, lavar animais, carros, entre outros. O descumprimento da ordem poderia levar o faltoso à cadeia.

O tempo passou e alguns governantes sob alegação de contenção de despesas – coisas que eles inventam sempre que assumem o comando do município, associado à falta de cultura, preservação ambiental e do patrimônio público histórico e cultural do município, retiraram o vigilante e o açude, que fica a mais ou menos 2 km da sede, ficou entregue a própria sorte.

Abandonado, não podia ser diferente do que acontece com um bem público desprezado: arrombamento seguido de furto do arame farpado e do madeiramento da cerca (madeira de lei) , degradação da banca desprotegida e de toda área em seu entorno, assoreamento pelo acúmulo de detrito transportado pelas correntezas que nele deságuam, ao longo dos anos, etc.

Mas a situação ficou mesmo caótica, a partir do momento que as autoridades do governo municipal permitiram a construção de casas residenciais e de comércio, praticamente dentro da área reservada para o açude, onde o avanço de uma cerca, provavelmente, ilegal, na área que se transformou em várzea, é real e precisa ser fiscalizada pela prefeitura, para evitar um problema bem maior, caso fique comprovada a irregularidade.

A cancela foi retirada, bem assim as estacas que sustentavam os fios de arame da cerca. O lixo passou a ser jogado na pequena mata que ainda existe, principalmente, copos plásticos descartáveis, garrafas pet de refrigerante, sacolas plásticas, latas de óleo de cozinha, embalagens de produtos derivados de petróleo: óleo lubrificante, fluído para freios, além de potes de margarina, tênis, sandálias e sapatos velhos, embalagens de shampoo, entre tantos objetos poluentes.

Sem um trabalho de conscientização e preservação ambiental feito junto aos moradores e comerciantes do lugar, as enxurradas e o vento, além do homem mal educado, se encarregam de levar tudo para dentro do açude, além das fezes humanas encontradas em vários pontos da mata, onde nem mesmo a banca, bem próximo da água, ficou livre da ação nefasta de pessoas carentes de educação.

Não faz muito tempo, o açude secou e o prefeito da época, - que havia alardeado aos quatro cantos, um “programa de recuperação dos açudes e fontes importantes de abastecimento d’água do município”, nada fez, até que as chuvas de trovoada chegaram e o açude voltou a receber grande quantidade de água, o que tornou impossível a limpeza da bacia deste e de outros reservatórios.

A ausência da presença do município provocou a decadência do tradicional açude público, que culminou com o baixíssimo nível de piscosidade, fato comprovado pela equipe de reportagem do site euclidesdacunha.com, que esteve no local e conversou com o jovem que pescava com tarrafa e há cerca de 8 horas estava ali, sem conseguir pegar um só peixe.

Outra ausência sentida, entre tantas, é dos bandos de mergulhões, outrora em grande quantidade. O quero-quero é a ave mais presente e, como um grupamento de soldados entrincheirados na frente de resistência, ao sentir a presença do homem devastador voa em bando fazendo grande estardalhaço, numa visível atitude de protesto e tentativa de espantar o intruso que está matando o mais importante açude público do município.

Nesse período de longa estiagem em várias localidades do município, o velho açude continua benevolente e ainda abastece algumas comunidades com sua água, agora, de baixa potabilidade, mas que serve para aliviar um pouco a sede dos animais que estão sofrendo, também, com a falta de pasto.

No livro “No Sertão do Conselheiro” de autoria do saudoso José Aras -um poeta euclidense e autodidata de profundo conhecimento da história do lugar onde nasceu, cita que o açude Tanque da Nação fora um presente do imperador Pedro II, pelo fato de a então Cumbe, atual Euclides da Cunha, ter alistado pessoas para combater na guerra contra o Paraguai.

Se toda pessoa que visita ou circula pelo velho açude tivesse a mesma consciência ecológica do sargento Djalma “Kangasseiro”, que não resistiu a tamanho abandono e recolheu da água uma pilha de detritos cuja fotografia ilustra esta matéria, que sem sombra de dúvida compromete a saúde pública, talvez, o açude não nos entristecesse tanto, com tamanho abandono.

Enquanto a sociedade moderna luta pelo aproveitamento racional e a preservação dos recursos de água doce, em Euclides da Cunha, um grande e respeitável reservatório do precioso líquido, está completamente abandonado, sujo e colocando em risco a saúde pública de quem ainda consegue beber de sua água ou pescar uma rara traira ou tilápia para comer, nesse sertão de meu Deus, do Conselheiro, da sociedade e das autoridades insensíveis.

Por favor, autoridades ajudem a salvar o Tanque da Nação, pois como está não pode continuar. Bem que algum vereador mais sensível poderia legislar em defesa dos bens públicos que estão prestes a desaparecer, transformando-os em Patrimônio Histórico, Cultural e Arquitetônico do povo euclidense.

O Tanque da Nação é água potável de boa qualidade. É fonte de vida, de boa pescaria de entretenimento e alimento saudável para todos que gostam de peixe de água doce, principalmente, para as camadas menos favorecidas da sociedade que, nem sempre dispõem de dinheiro para comprar carne e faz do pescado, preparado de várias formas, o prato principal de sua mesa.

É, também, uma fonte alternativa de renda, onde as famílias podem ganhar um pouco de dinheiro para ajudar nas despesas domésticas e, assim, contribuir para melhorar a qualidade de vida e o quadro social do município, com a implantação de um programa de pesca bem conduzido, coordenado e supervisionado por dirigentes e técnicos competentes.


Autor: José Dilson Pinheiro
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Existe 1 comentário para esta publicação
sexta-feira, 27/3/2009 por Amilton Carmezim
Divulgação Necessária
Celso muito bem. Matérias com essa tem que ser reproduzida por quem tiver condições e o Maximo possível para que um maior numero de pessoas tomem conhecimento das reais condições que se encontram os reservatórios de água doce do nosso município.
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