Lembra-se do primeiro? Olhos nos olhos, mãos suadas,
coração acelerado, lábios hesitantes. Tensão e emoção. Num sopro, paraíso ou
inferno. Afinal, porque beijamos? Simples: porque queremos. Porque nos rendemos
aos afetos e nos deixamos levar pelos impulsos românticos. E, contudo, explicam
os cientistas, o fenômeno é muito mais complexo que a simples comunhão de duas
bocas, seja no entrelaçar das línguas ou, com menos saliva, na união de dois
lábios (ou, para ser mais rigoroso, dois pares de lábios). Por isso criaram a
filematologia, a ciência que estuda o beijo e as suas funções.
Como na canção “As Time Goes By”, imortalizada em
“Casablanca”, “a kiss is still a kiss” mas será sempre algo mais que a estrofe
em que duas bocas rimam, para usar outra citação famosa. Por detrás de cada
gesto escondem-se não só um emaranhado de reações orgânicas, mas também uma
miríade de motivações que nem sempre são óbvias. Beijamos por paixão, mas
também por costume, educação, respeito e até por mera formalidade. A própria
forma como beijamos varia de acordo com o que queremos expressar.
Segundo o antropólogo inglês Desmond Morris, as origens
do beijo estão num instinto bem mais primário: o das mães primatas mastigarem a
comida e a passarem às crias através da boca, um costume que sobrevive ainda em
algumas tribos do Planeta. O gesto, especula Morris, terá evoluído para uma
forma de confortar crianças esfomeadas quando a comida escasseava e, mais
tarde, para demonstrar amor e carinho.
Para outros cientistas,beijar está ligado ao complexo
processo de escolha de um parceiro. Quando duas pessoas se beijam, trocam uma
série de informações (gustativas, mas também olfativas, táteis, visuais e até
de postura) que, inconscientemente, as ajudam a perceber o grau de
comprometimento do outro na relação. O gesto pode revelar até que ponto se está
perante a pessoa ideal para formar família, sendo por isso uma ação fundamental
para a sobrevivência das espécies.
A chave deste fenômeno está no olfato. Beijar ativa a
libertação de feromônios que, ao serem detectadas, de forma inconsciente, pelas
mulheres, as ajudam a escolher os parceiros que terão uma melhor descendência.
A explicação está num conjunto de genes ligados a uma parte do sistema
imunitário conhecida como complexo maior de histocompatibiliade (CMH), que,
através do olfato, desempenha um papel fundamental na atração sexual. Aqui
funciona a lei de que os opostos se atraem: elas preferem homens com um CMH
diferente do seu, uma escolha influenciada pela Natureza: juntar parceiros com
diferentes genes do sistema imunológico fortalece as defesas da geração
seguinte, melhorando, assim, as hipóteses de sobrevivência da espécie.
Talvez por isso, a ciência tem demonstrado que o
primeiro beijo pode ajudar a afastar o que as forças do romantismo uniram. O
sucesso de uma relação depende, muitas vezes, desse momento único em que os
lábios se tocam pela primeira vez. Segundo um estudo publicado na revista
científica “Evolutionary Psychology”, 59% dos homens e 66% das mulheres
admitiram já ter perdido o interesse por alguém após o primeiro beijo. A
investigação revela outros dados interessantes, que vêm confirmar alguns
estereótipos sobre os comportamentos sexuais dos dois gêneros: os homens
utilizam mais o beijo como um meio para atingir um envolvimento sexual e estão
mais predispostos a ter sexo sem beijar, com alguém que considerem beijar mal
ou mesmo com alguém por quem não se sintam atraídos. Já as mulheres,
intuitivamente, tendem a usar o beijo para avaliar o estado da sua relação e o
grau de comprometimento do seu parceiro.
O estudo revelou outro dado curioso: os homens preferem
beijos mais molhados e com mais contato de língua. A opção, percebe-se agora,
não é ingênua. A saliva masculina contém grandes quantidades de testosterona
que podem afetar a libido das mulheres. Os cientistas baralham outra hipótese:
a dos homens terem uma menor capacidade de detecção química e sensorial,
precisando por isso de mais saliva para fazer a sua avaliação da parceira.
Igualmente complexa é a equação anatômica e fisiológica
de um beijo. O ato põe em ação diversos músculos, cujo número varia em função
da intensidade: um beijo carinhoso mobiliza 17 músculos; um mais apaixonado
pode chegar aos 29, segundo a tese de doutoramento em Medicina da francesa
Martine Mourier, que dedicou as duzentas páginas do seu trabalho aos efeitos do
beijo. Outras revelações: a pressão exercida pode atingir os 12 quilos, os
batimentos cardíacos disparam dos 70 para os 150 por minuto e são trocadas
pelos menos 250 bactérias. Citando um filósofo dos tempos modernos, Duff McKagan, ex-baixista dos Guns
N’Roses, “um beijo pode não ser uma coisa higiênica, mas é a maneira mais
saborosa de apanhar um germe”.
Por isso, ainda que aparentemente inofensivo, beijar
pode ser um veículo privilegiado de transmissão de doenças. A lista inclui
desde uma simples constipação à hepatite, tuberculose, mononucleose, herpes
labial e, em determinadas situações, doenças sexualmente transmissíveis como a
sífilis e a AIDS (caso existam feridas ou cortes na boca).
Por paradoxal que possa parecer,pode também ter efeitos
terapêuticos, por exemplo, no combate à depressão. Segundo um estudo realizado
no Reino Unido, beijar estimula o cérebro a libertar endorfinas, substâncias
químicas que funcionam como uma espécie de ‘opiaceo’ natural do organismo,
proporcionando sensações de prazer, euforia e bem-estar que ajudam a combater a
depressão. Quanto mais excitantes e apaixonados os beijos, maiores os
benefícios para a saúde. Além disso, baixa os níveis de cortisol, conhecida
como o hormônio do stress, e pode até funcionar como uma forma de ‘vacinação’
natural dos bebês: ao beijar o seu filho recém-nascido, a mãe transmite-lhes,
de forma diluída e progressiva, os seus germes, desencadeando as defesas do
organismo do bebê.
Indiferentes às dissertações científicas, beijamos,
sobretudo, pelo prazer de beijar. Porque é, afinal, disso que se trata: de um
prazer magnético em que duas almas se unem. Que importa o resto?