O falsário perfeito

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Sobretudo não me chame de falsário!» diz Edgar Mrugalla, o mais famoso pintor alemão de verdadeiros quadros falsos, que em 15 anos pintou cerca de 3500 quadros. Ele provocou uma acesa polêmica ao expor os seus quadros no Ministério da Economia do Governo Regional do Estado Federado Alemão de Schleswig-Holstein, no Norte do país.

O falsário perfeito







Quem passasse pelos corredores e salas onde as obras estavam expostas podia admirar 60 telas de pintores como Rembrandt, Van Gogh, Gauguin, Klimt, Macke,Renoir e outros mestres, quadros tão «verdadeiros» que só os grandes especialistas os conseguem distinguir dos originais. Além disso, havia também cinco verdadeiros «Mrugalla».

A Associação de artistas alemães indignou-se e o seu presidente, Frank Michael Zeidler, escreveu uma carta aberta protestando contra o fato de o governo regional de Kiel «aprovar e divulgar a obra de um falsário, utilizando, além disso, fundos públicos para uma exposição que a curiosidade mórbida do público não chega para justificar». Harald Haase, porta-voz do ministro da Economia Dietrich Austermann, um democrata cristão, reagiu, porém com bonomia, afirmando que não via mal nenhum na iniciativa e que o eco tinha sido «Extremamente positivo». A exposição foi, de fato, visitada por centenas de pessoas, algumas das quais se deslocaram de propósito a Kiel.

A vida de Edgar Mrugalla, de 70 anos, foi muito acidentada. Um verdadeiro romance! Em 1987 chegou a ser condenado a dois anos de prisão com pena suspensa, por violação dos direitos de autor e fraude. Uma especialista do Louvre chamada a pronunciar-se no seu julgamento, declarou que ele tinha «mãos de ouro». O mesmo achava de resto a Stasi, a polícia política da antiga RDA, que lhe encomendava obras de mestres que depois passava discretamente para o Ocidente por preços bastante significativos.

Mrugalla cedo ficou órfão, teve uma infância miserável, passou fome e frio, a família que o adotou andou errante dum lado para o outro, como aconteceu a tantas famílias alemãs nos primeiros anos a seguir à II Guerra Mundial. Não tirou qualquer curso nem aprendeu uma profissão. Sobrevivia de biscates, feitos ao acaso: trabalhou como foguista num barco a vapor, lutou boxe em feiras de aldeia, foi motorista de caminhão, vendeu bugigangas em feiras de objetos roubados...

Certa vez ajudou a despejar uma casa cujo dono tinha morrido; encontrou um quadro no sótão e vendeu-o por 50 marcos (25 euros). «Semanas depois quase enfartei quando encontrei o mesmíssimo quadro à venda numa firma leiloeira de obras de arte, mas desta vez por 70 mil marcos (35 mil euros) — era um ‘Caspar David Friedrich’ autêntico». O destino batera-lhe à porta. Começou a copiar obras de grandes mestres.

Mrugalla é um autodidata brilhante, dominando diversas técnicas e estilos diferentes — tanto imita Cézanne como Rubens, tanto pinta aquarelas como desenha a carvão ou lápis de cera, Aperfeiçoou técnicas para envelhecer as telas. Por exemplo, chegou a guardá-las uns dias no congelador para depois as meter no forno, conseguindo assim ludibriar peritos, diretores de galerias e comerciantes de arte.

A sua produção foi impressionante: em 15 anos pintou cerca de 3500 quadros. O «rei dos falsários» como lhe chama a imprensa, reproduz com a mesma facilidade os velhos flamengos ou Picasso, este último um dos seus pintores preferidos e mais frequentemente imitados. Costuma dizer, aliás, que tem umas mãos tão grandes como as do mestre do cubismo. Só na década de 80 ganhou cerca de 250 mil marcos com falsos «Picassos». Atualmente só copia pintores que tenham morrido há mais de 70 anos, para não ser acusado de violar os direitos de autor.

«Mas também pinto quadros em que não imito ninguém! Tenho o meu próprio estilo», sublinha Edgar Mrugalla, que dá aulas de pintura num museu de Busum, no Norte da Alemanha. Desde que se tornou famoso, as suas falsificações vendem-se bem, sempre com a etiqueta «Autêntica falsificação do atelier Mrugalla». E até conta que, por vezes, encontra obras suas expostas em museus, tendo então o cuidado de avisar discretamente a direção. Ultimamente assina as suas obras com o pseudónimo Aron Silbereise, o apelido da mãe, uma judia provavelmente assassinada pelos nazistas, que ele nunca conheceu.

Edgar Mrugalla não é o primeiro falsário alemão famoso. O mais espetacular foi sem dúvida Konrad Kujau, que falsificou os «Diários de Hitler» pelos quais a revista «Stern» pagou mais de nove milhões de marcos. Também ele era muito versátil — além de imitar na perfeição a caligrafia de cinco ou dez personagens históricas ,reproduzia quadros de quem fosse preciso. Aos dez anos, Kujau já ganhava uns trocos a vender «autógrafos» de personalidades conhecidas.


Autor: Celso Mathias
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