Dia destes uma mesa reuniu quatro euclidenses para um almoço regado a reminiscências, piadas e comentários sobre o rumo da cidade onde nos foi cortado o cordão umbilical e da qual nunca nos desligamos. À mesa, o executivo Ismael Abreu, o empresário Zezé Bastos, o economista João campos de Abreu e esse escriba.
Entre os comentários, a polêmica gerada com a nota que escrevi na semana passada sobre a tragédia que ceifou a vida de uma criança de seis anos. Só para esclarecer, a nota teve única e exclusivamente o objetivo de chamar a atenção sobre certas “soluções” inventadas pelo executivo local dispensando outras ferramentas administrativas que poderiam ser utilizadas para suprir a falta de um contrato para efetuar o recolhimento de lixo na cidade.
Impressionante a postura dos leitores que se manifestaram chegando a acusar de irresponsáveis os pais da vítima. Isso sim, é que é tentar violentar os fatos transformando o texto em “sensacionalismo barato”.
Quanto à citação do “Preto Velho”, apenas um recurso redacional para apimentar o texto, me desculpo com os seguidores de qualquer religião que tenham se sentido ofendidos com ele. Tenho por todas elas o mais profundo respeito, independente de praticá-las, ou não.
Mas a conversa não se limitou a esse fato. Outro comentário que se fez presente foi sobre as condições de saúde no município, entre elas os meios para em casos de emergência, transferir um paciente para centros médicos mais avançados. No bojo dessa conversa, terminou por surgir uma história triste.Vou reproduzi-la!
Era véspera de São João de 2005. Os irmãos Luiz Carlos Nascimento Dantas e José Dantas Filho, o “Dantinhas”, ambos médicos radicados em São Paulo e conceituadíssimos em suas especialidades, vinham como faziam habitualmente, reunir a família em Euclides da Cunha onde todos nasceram. Para os que não sabem, são filhos do saudoso Zeca Dantas e D.Lucy, ele fazendeiro e ela administradora do negócio da família, o Hotel Lua, ainda hoje em atividade pelas mãos do caçula, o “Tonheco”.
O Hotel Lua é um dos referenciais da minha infância em Euclides da Cunha. Era lá também uma das pontes com o mundo.Ali se hospedavam os artistas que vinham fazer show na cidade, os viajantes que traziam as “novidades”e também as autoridades quando transferidas de outros centros.Era ou não uma ponte com o mundo?
Dantinhas logo que concluiu o curso de medicina, foi para São Paulo fazer residência, estabeleceu-se na cidade Itapetininga virou referência na profissão e hoje dá nome ao mais importante hospital da cidade.
Luiz seguiu a mesma trajetória e estabeleceu-se na capital. Lembro-me dos nossos dois últimos encontros. Um deles foi numa churrascaria em São Paulo. Jantamos, conversamos muito, discordamos muito e cada um seguiu o seu rumo. Penso que naquela fase estávamos bem distante um do outro nos pontos de vista.
Na última vez que nos vimos, descíamos o elevador do Hospital Sírio Libanês onde ele funcionara como anestesista do super urologista Miguel Srougi, um dos melhores do mundo e que não dispensa a atuação do “Luizão” nas suas cirurgias. O paciente tinha sido meu saudoso tio José Mathias de Almeida Neto, o “Zequinha”. Diante da minha pergunta sobre o estado dele, Luiz disse-me que o paciente perdera muito tempo e que a sobrevida não seria muito extensa.A mulher do meu tio questiona se teria valido a pena a cirurgia.”Minha senhora, se ele tivesse apenas um dia a mais de sobrevida, no meu entender, mesmo assim , teria valido a pena. Arrematou enquanto polidamente se despedia de nós.
Zequinha, um euclidense nascido na primeira casa da Rua de Cima na esquina com a Praça Duque de Caxias onde eu nasci e também nasceram minha mãe e todos os meus tios, morreu dois anos depois e hoje dá nome ao Fórum da cidade de Vitória. “Fórum Desembargador José Mathias de Almeida Neto”.
Na noite do dia 23 de Junho, a família Dantas jantou em Salvador com o primo Zezé Bastos e no dia seguinte todos rumaram para Euclides da Cunha. Lá, um dos médicos locais, Laércio Oliveira oferece um almoço aos ilustres colegas e amigos. Após o almoço, Dantinhas sentiu-se mal. Tomadas as primeiras providências médicas, resolveram dirigir-se a Salvador e como ele estava com todos sintomas vitais em ordem, inclusive caminhando,optaram por utilizar a “ambulância” da prefeitura de Euclides da Cunha, uma Fiorino velha sem qualquer equipamento que pudesse ser utilizado em uma emergência. Apenas o leito serviria para dar mais conforto ao paciente. Menos de 50 km rodados, tendo como companheiro de viagem além do motorista o irmão Luiz, medico como o próprio Dantinhas, acostumados a operar e clinicar nos melhores hospitais do país, Luiz socorre o irmão em conexão celular com o sobrinho filho de Dantinhas e também cardiologista como o pai. Mas o destino estava traçado. Dantinhas vai a óbito nos braços do irmão e acompanhado à distância pelo filho.
Quem ouve esse relato assimila agonia de dois médicos acostumados a salvar vidas, o irmão e o filho de Dantinhas, todos do mesmo ofício ao sentirem perder ali por falta de recursos uma vida tão importante tanto para eles como para a comunidade.
Enquanto isso está estacionada no pátio da Câmara municipal de Euclides da Cunha, uma caminhonete de luxo cujo valor investido daria para comprar uma ambulância razoavelmente bem equipada. Essa aquisição é também uma das primeiras promessas de campanha da prefeita Fátima Nunes.