Madonna, a mulher,o show

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Pode alguém ser quem não é? Ou seja, teria Madonna alcançado o estatuto de ícone planetário se não se tivesse mantido autêntica sob a multiplicidade das máscaras? Residirá aí o segredo? Haverá um segredo? Naturalmente tudo, seria mais simples se, tal como no Citizen Kane, dispuséssemos da palavra mágica para explicar um sucesso que já soma mais de um quarto de século. A «bad girl» escandalosa que FARÁ SHOW NO BRASIL NESTE FIM DE SEMANA estará prestes a tornar-se numa respeitável senhora?

Madonna, a mulher,o show



Adolescente rebelde, «material girl», militante do sexo, mãe de família, escritora de livros infantis, colecionadora de obras de arte, amiga de Jean-Paul Gaultier e estilista para a H&M, estudante da Cabala que consegue ser recebida em Israel por Shimon Peres, defensora da paz e de outras causas nobres... Afinal, «who’s that women»?

Começando pelo princípio. Quando alguém vem ao mundo nos Estados Unidos da América na segunda metade do século XX e lhe dão o nome improvável de Madonna-Louise Ciccone, das duas uma: ou a coisa vai correr muito bem, ou a coisa vai correr muito mal. No caso dela, correu o melhor possível.

Aquela que, segundo a revista «Forbes», se tornou na cantora mais bem paga do mundo - arrecadando o ano passado, só pela excursão «Confessions Tour», 195 milhões de dólares fora o resto - nasceu a 16 de Agosto de 1958 em Bay City, no Estado americano do Michigan. A família, militante católica, tinha raízes italianas, pelo lado do pai, e ascendência francesa e quebequense, pelo lado materno. Com cinco irmãos, um dos quais acaba de publicar um livro pouco abonatório sobre ela (Life with My Sister Madonna, Christopher Ciccone e Wendy Leigh, editora Simon & Schuster, 2008), a futura «Diva da Pop» fica órfã ainda criança, quando a mãe, a ex-técnica de raios X Madonna-Louise Fortin, morre aos 30 anos vítima de câncer na mama. O pai, Silvio Ciccone, esforçado engenheiro da Chrysler, viria a renunciar à condição de viúvo casando-se com Joan Gustafson - a quem contratara para tomar conta dos filhos - e o novo casal gera mais dois rebentos. Contas feitas: ao todo, oito descendentes Ciccone.

Sobre famílias numerosas estaríamos conversados, se não fosse o caso de a relação de Madonna com a dela ter contribuído muito para construir o seu mito: da convivência difícil com a madrasta e a quebra de braço com o pai.

Oh Father!, um «videoclip» a preto e branco de 1989 assinado por David Leo Fincher, mais tarde produtor de filmes como Os Sete Pecados Mortais, O Jogo ou Clube de Combate, dava conta disso mesmo: após a morte da mãe, uma menina é violentamente admoestada pelo pai por ousar brincar com um colar de pérolas, propriedade da falecida. O clip termina tendo por cenário um cemitério, com o reencontro do progenitor, já envelhecido, com a filha, já adulta, enquanto a voz de Madonna se continua a fazer ouvir: «You can’t hurt me now/ I got away from you,/ I never thought I would/ You can’t make me cry, you once had the power/ I never felt so good about myself».


Oh Father! não tem, que fique claro, a profundidade do romance Pais e Filhos, do russo Ivan Turguéniev (só para dar um exemplo); o fato é que foi incluído pela revista «Rolling Stone» na lista dos «100 Top Music Videos». Entretanto, um longo caminho havia sido percorrido por Madonna (o seu primeiro single, Everybody, data de 1982), a garota que, se fosse menos esperta, teria eventualmente cingido ao papel de dona de casa do Michigan, como ela mesma resumiu na entrevista a Norman Mailer publicada na «Esquire» de Setembro de 1994. Ainda em conversa com o autor de Os Nus e os Mortos, afirmaria: «As pessoas não param de me perguntar: ‘Já imaginou se sua mãe não tivesse morrido?’ E eu não posso responder a isso, porque eu sou o que sou».

Seria difícil de outro modo. Aos 50 anos, manter-se a «Rainha da Pop» (por muito que ela abomine o título e prefira a designação de «performer» multifacetada que dança, compõe, canta e representa) implicará decerto centragem obsessiva, provavelmente aparentada com aquela que Faulkner tinha em mente quando disse que os bons escritores não hesitariam em roubar a mãe se tal fosse necessário à obra.

Com uma fortuna calculada em cerca de 600 milhões de dólares, inscrita no Guinness World Records como da «World’s Most Successful Female Musician», e com direito a verbete próprio, desde 2001, na muitíssimo respeitável Encyclopædia Britannica que, assim, lhe autentica a importância enquanto ícone da cultura popular contemporânea, Madonna, dispensada de roubar quem quer que seja, não nasceu loura nem cantava quando criança

A jovem, cuja carreira musical começa em Nova Iorque por volta de 1980, como baterista, guitarrista e vocalista de uma banda de vida curta, a Breakfast Club, tinha um sonho mais antigo: dançar. O encontro, por volta dos quinze anos, com Christopher Flyinn, um professor de ballet homossexual que se tornaria seu mentor e amigo, e que viria a falecer, vítima de AIDS, em 1990, mostrou-se decisivo para o futuro da «material girl». É Flynn, segundo ela o homem mais importante da sua vida depois do pai, quem a convence a abandonar a universidade e a tentar a sorte na Big Apple como bailarina profissional; e é também ele quem a introduz prematuramente na cena gay, pista que Madonna nunca mais abandonaria, sede do seu próprio crescimento: «Na escola (...) os rapazes achavam-me uma menina esquesita esquisita. (...) Eu sentia que não encaixava. Mas quando fui a um clube gay, essa sensação desapareceu. De repente, adquiria uma visão totalmente diferente de mim própria», recordou, em 1991, numa entrevista à «The Advocate», revista gay de referência dos EUA, que a elegeria, aliás, como um dos ícones maiores da comunidade, ao lado de nomes tão sonantes como Judy Garland ou Betty Midler, a qual, por sua vez, não lhe poupou elogios, definindo-a como a mulher que «pulled herself up by her bra straps». E se o tema «sexualidade» não esgota o tema «Madonna», os dois são inseparáveis.

Desde o início da sua carreira musical que isso se percebe. Em crescendo de erotismo, assente numa imagética católica de pendor sadomasoquista, Madonna foi-se radicalizando, num percurso marcado por clips iniciais onde é ainda uma adolescente revoltada contra o conservadorismo moral, como em Like a Virgin, de 1984, ou em Like a Prayer, 1989 (o vídeo que levou a Pepsy Cola a retirar do mercado o comercial gravado com a artista), até chegar a Justify my Love, de 1990, banido da MTV pelo seu conteúdo explícito e posteriormente lançado pela Warner em versão VHS (até hoje, um recorde de vendas), ou Erotica, 1992, nos quais se assume como mulher adulta «in charge», à-vontade no seu corpo e disponível para todos os tipos de prazer. E com o lançamento, no mesmo ano, de Sex - o livro de imagens «porno soft» assinadas pelo fotógrafo de moda Steven Meisel, que reuniu gente como Isabella Rosselini, os «rappers» Big Baddy Kane e Vanilla Ice (que depois não gostou nada de se ver impresso naquelas poses), a modelo Naomi Campbell ou a estrela «porno gay» Joey Stefano (que acabaria por morrer de «overdose» passados dois anos) - a fogueira do escândalo em torno de Madonna apenas ateou mais alto.

Nos dias atuais, algumas das suas provocações dificilmente chocariam. Afinal, ainda há poucos meses, coincidindo com a visita oficial ao reino de Sua Majestade de Nicolas Sarkozy e Carla Bruni, a reputada leiloeira Christie’s anunciou que ia pôr à venda fotografias da mulher do Presidente francês, posando nua para o fotógrafo suíço Michel Comte. Mas nem uma dupla miopia nos impedirá de apreciar a determinação, profissionalismo e discernimento necessários a Madonna para não ter sido mais uma a ficar pelo caminho.

As feministas desprezaram-na (e, também por isso, o seu apoio a Hillary Clinton foi eloquente). Camille Paglia escreveu, preto no branco: «Madonna tem uma visão do sexo de longe muito mais profunda do que a das feministas. Ela tanto consegue ver a animalidade como o artifício. Ao mudar o estilo da roupa e a cor do cabelo, virtualmente todos os meses, Madonna incorpora os valores eternos da beleza e do prazer. O feminismo diz: ‘Abaixo as máscaras’. Madonna diz que nada mais somos do que máscaras». E mais pós-moderno é impossível.Quanto à Igreja Católica, a quem o imaginário de Madonna deve quase tudo, foge dela como o diabo da cruz. Várias vezes censurada pelo Vaticano, um novo episódio veio engrossar a sua lista de heresias em 2006, quando, em Roma, durante a excursão «Confessions», simulou em palco a crucificação de Cristo. As autoridades eclesiásticas acusaram-na de blasfêmia e ela respondeu no seu velho estilo provocatório, convidando Bento XVI a assistir ao concerto.

Cantora sofrível, compositora medíocre, produto MTV, necrófaga de estilos que fizeram história, simulacro pobre de Cindy Lauper, Marilyn, Dietrich, Garbo... Pelo menos num ponto, os seus detratores têm razão: na qualidade de atriz não ficará para a história. Como escreveu uma vez o humorista e crítico Joe Queenan nas páginas de «The Guardian»: «O universo dos filmes monstruosamente horríveis assenta em duas grandes categorias: os filmes protagonizados por Madonna e os filmes protagonizados por outra pessoa qualquer».

De fato, com exceção da divertida comédia de Susan Seidelman, Desesperadamente Procurando Susana (1985), onde fazia ela própria, Madonna parece incapaz de se deixar levar pelas personagens, e isso apesar do convívio amoroso com o ator Sean Penn, seu marido durante quatro anos, ou com o ex-garanhão de Hollywood, Warren Beatty, que a pôs a cantar «Sooner or Later» em Dick Tracy. Da experiência com o realizador Abel Ferrara saiu mais do que chamuscada, mas talvez seja nesse filme de 1994, Olhos de Serpente, ao lado do talentoso Harvey Keitel, que Madonna consegue ir mais longe no esquecimento de si.

E agora pergunta-se de novo (e talvez esta questão irritasse Camille Paglia): teria ela alcançado o estatuto de ícone mundial, se não se tivesse mantido autêntica sob a multiplicidade das máscaras?

A nova Madonna (que sempre soube adequar-se ao «l’air du temps» e fazer-se acompanhar dos colaboradores e produtores certos) começa a despontar em 1998 com o pró-isotérico Ray of Light, produzido por William Orbit (recorde-se, porém, que já em 1993 ela cantava em «Bad Girl»: «Bad girl drunk by six/ Kissing someone else’s lips/ Smoked too many cigarettes today/ I’m not happy when I act this way»). Music, 2000, aposta numa estética country. Três anos depois, a guerra do Iraque no horizonte, a mensagem política torna-se explícita em America Life, obrigando-a a refazer o vídeo de lançamento do álbum que fora, entretanto, acusado de antipatriotismo. Confessions on a Dance Floor chega em 2005, revisita o Disco e bate novos recordes de vendas, antecedendo o seu último trabalho, Hard Candy, de Abril deste ano, que conta com a participação de Justin Timberlake e cujas faixas poderão ser ouvidas em dezembro, ao vivo, no Rio e em São Paulo

Ups, «she does it again»!



Autor: Adolfo de Castro
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Existe 1 comentário para esta publicação
sábado, 13/12/2008 por hcmaia
A essência do Pop star americano.
Taí a essência dos grandes ícones do Show Bussiness Americano.Não é coincidência.Nos EE.UU não se aposta tão somente na voz.Bing Crosby..Harry Bellafont..Frank Sinatra..Samy Davis Jr. todos eles representaram,fizeram cinema,cantaram.Madona é isso aí.
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