Como o criador de puro-sangue que adquire um semental para seu haras; como o caçador que consegue uma peça digna de reis longamente procurada; como o colecionador de arte que logra ter em suas mãos um Leonardo, a ambição suprema de um automobilista de raça é possuir um carro clássico.
Ao mencionar um Triumph, o nervoso TR3A, de 1962, ou um curvílineo Ford GT40, de 1967, o homem põe em marcha todas as suas fibras; seu pulso se acelera, seu coração se agita e o tato se aguça em busca do primeiro contato com essas máquinas sonhadas.
Quem não tremeu frente à primeira promessa de amor? A visão do fabuloso BMW 328, da terceira década do século XX, despertou uma sensação similar naqueles amadores que desfilavam frente ao mesmo, logo depois de surcar triunfalmente os caminhos do sul argentino nas últimas Mil Milhas. Para aquele que está apaixonado por ele, constitui-se a jóia mais preciosa de sua vida; é harmonioso e forte, garboso e veloz quando é dominado e, além de sua deslumbrante presença, tem no seu pedigree o célebre 2 litros que debutou nas pistas com um triunfo em Nürburgring em 1936. Impossível de esquecer! Posto em marcha por um motor de 80 cavalos de força, tinha as rodas traseiras discretamente cobertas até os tornozelos por seu pára-lamas e dois cintos de couro rodeavam seu longilíneo capô.
Tesouros - Como o fã do futebol que diante do triunfo do seu time puxa conversa com seus vizinhos de arquibancada para evocar nomes históricos do clube e reviver épocas de ânsias juvenis, o homem que, rodeado de amigos, apóia sua mão na porta pessoal de um Jaguar
E-Type, de 1961, de 3,8 litros, se eleva nos tempos e se orgulha de que esse modelo ainda seja alimentado pelo XK150, um motor desenvolvido em 1948. E falando, falando, se pode chegar até as quadrigas dos romanos, ou comparar a beleza de Apolo com um Lamborghini Miura, de 1967, um carro de uma só peça de aço com motor de 3.929 centímetros cúbicos e 12 válvulas, de 4 carburadores, e um rugido que se aguça até as 7000 giros por minuto. Que máquinas!
Satisfação da descoberta - O carro desperta essa integração de sentimentos, essa sensualidade especial que converte aquele que realiza seu desejo no homem mais feliz do mundo. A vantagem relativa que sustenta em relação às outras paixões é que com a devida atenção pode permanecer inalterável em seu aspecto e em seu rendimento ao longo das décadas, e aumentar seu valor afetivo e material. Enquanto bater nosso coração estará sempre disposto para trasladar-nos. Estabelece um ponto de conversação permanente e o vínculo ideal, como centro de reuniões com amigos. Nesse momento, no diálogo entre colecionadores, quando se comparam virtudes e se relatam as aventuras enfrentadas para conseguir, por exemplo, um braço de suspensão de um Bentley Le Mans dos anos 20, é quando o homem alcança a razão de ser da sua existência. Essa peça, ou qualquer outra do carro amado, justifica o investimento de tempo e dinheiro, porque a satisfação que oferece no momento de ser descoberta, depois de ter sido rastreada entre experts da Europa, Estados Unidos, ou Ásia, atua como um elixir que prolonga a vida.
Entre centenas destes tesouros em mão de colecionadores, há um exemplar, preservado, do primeiro carro fabricado no Rio da Prata: o Anasagasti, que deve seu nome ao engenheiro Horácio Anasagasti, seu criador, que apresentou o modelo Doble Phaeton – aberto e com banco duplo de couro – em 1911. O Clube de Automóveis Clássicos na Argentina conserva esta jóia capaz de funcionar.
Este relato não tem fim, cada um poderá acrescentar-lhe a máquina da sua preferência, e em meio a esse conclave aparecerão os nomes do tataravô do atual Posche 911 ou da 308GTB
de 1973, e também de todos os MG – uma das linhas mais requisitadas do mercado internacional – que comoveram os dias de várias gerações de adoradores do carro