É comum vermos em camisetas, carros e janelas das cidades, a palavra “paz”, demonstrando um nobre e justificado anseio da sociedade. Mas a sociedade também precisa se mobilizar para a conquista dessa paz, fazendo impor suas decisões em setores de grande significado nacional, evitando a degradação do meio-ambiente e a injustiça social, e reagindo, com indignação, contra os usurpadores dos bens nacionais que repousam no subsolo brasileiro. No presente momento, em especial, alguns predadores sociais, movidos pela ganância e usando recursos reprováveis para ludibriar toda a nação, concebem novas artimanhas para se apropriar, ainda mais, do precioso petróleo das nossas jazidas, riqueza que só o Estado nacional tem como transformar em benefícios para a coletividade.
Desde a década de 1990, a propalada globalização, privilegiando interesses dos países desenvolvidos e associada aos dogmas doutrinários do neoliberalismo, serviu de instrumento de apoio à expansão comercial dos países centrais e à usurpação das riquezas dos povos periféricos. Como decorrência, injustiças ao Sul do equador foram incrementadas e riquezas no norte foram acumuladas, acentuando-se a disparidade entre pobres e ricos. No entanto, a globalização não incluiu, alem do livre comércio e livre fluxo de capitais, a livre migração dos cidadãos dos dois hemisférios. Os marginalizados do mundo subdesenvolvido não podem participar do opulento banquete do Norte, apesar de aqueles cidadãos serem compradores cativos de produtos e serviços dos grandes grupos das potências industriais e, também, as riquezas econômicas dos desenvolvidos serem impulsionadas pelo fornecimento, a custos degradados, de produtos primários oriundos do Sul. Essa segregação dos povos foi agravada com as recentes medidas anti-imigratórias impostas pela União Européia, no mesmo estilo das truculentas ações policiais dos Estados Unidos da América.
Essa moderna forma de colonização, com a espoliação dos bens nacionais alheios e a decorrente exclusão social, concebida no seio de estruturas internacionais aparentemente neutras — mas baseada em falsos e perniciosos arcabouços teóricos — é ajudada pela mídia local, no mínimo complacente. O resultado é a cooptação de setores decisórios estratégicos, sem que a sociedade compreenda o que realmente está ocorrendo em detrimento de toda a nação. Todos estes fatos são bem identificados no setor do petróleo brasileiro.
Até a década dos 90, sob a égide de um monopólio administrado pelo Estado e tendo como objetivo principal o interesse nacional, o setor nacional de petróleo evoluiu em tecnologia e capacidade industrial. Assegurouao país a demarcação de razoáveis reservas, passíveis de exploração controlada, pelo Estado, por várias décadas. Em 1995, o Brasil já produzia a metade do petróleo que precisava e tinha seu abastecimento de médio prazo equacionado, uma vez que os planejamentos e investimentos asseguravam acréscimos na produção, alguns anos à frente.
Interesses alienígenas, apoiados por seus agentes locais, vislumbrando nossa potencialidade e assustados com o perturbador cenário internacional (especialmente no Oriente Médio) estimularam o teatral e bem ensaiado “discurso da modernidade”. Propagaram os falsos conceitos de que o Estado estava falido e que teria de ser mínimo, restando-lhe, somente, as funções básicas, como segurança e saúde. Como decorrência, impunha-se a necessidade de recursos privados serem investidos no setor de petróleo brasileiro, entre outros.
Desde sua criação, a ANP favorerceu as petrolíferas estrangeiras. Limitou, na prática, a participação da Petrobrás nos leilões de reservas. Ou obrigou-a a parcerias indesejáveis
Políticos foram assediados para mudar o monopólio estatal, sendo muito reveladoras as duas manchetes da primeira página do Jornal do Brasil de 8 de junho de 1995, o dia seguinte ao da votação, em primeiro turno, na Câmara, do Projeto de Emenda Constitucional, que terminou com o monopólio estatal do petróleo: “Governo esmaga oposição no petróleo” e “Cargos em troca de votos”. Abaixo desta última manchete, podia-se ler: “Para garantir a vitória de ontem, o governo recorreu à distribuição de cargos. O Presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a falar ao telefone com deputados que condicionavam o voto a nomeações. O apoio da bancada ruralista custará pelo menos R$ 1 bilhão (diferença entre as taxas de mercado e os juros de 16% para agricultores).”
Realizada, com sucesso, a mudança constitucional, a Lei 2004/53, que estabelecia o monopólio estatal no país precisava ser modificada. Assim, aprovou-se a Lei 9.478/97, a “lei do petróleo”, como ficou conhecida. No novo texto, ficou definido que qualquer empresa que descubra petróleo aqui e o produza será a proprietária do bem, pagando ao país uma taxa sobre o valor da produção que, nos dias atuais, é uma das mais baixas do mundo. Se quiser exportar o petróleo, poderá fazê-lo livremente. Mas se uma empresa privada colocar o produto no mercado brasileiro, irá querer receber, sempre, o mesmo valor que seria pago pelo mercado internacional. É muito diferente do que faz até hoje a Petrobrás que, alheia às oscilações cíclicas das cotações internacionais, e sempre que possível cooperando com a política macro-econômica do governo, busca postergar ao máximo o aumento dos derivados, aliviando o fator inflacionário para a população e criando uma vantagem comparativa para os produtos nacionais.
Apesar de escancararem a porteira para os grandes grupos entrarem no país e mesmo colocando áreas do território brasileiro em liquidação, com os leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP), os estrangeiros aqui chegaram de forma contida. Preferiam investir, à época, no Cazaquistão, na Nigéria e outras regiões consideradas prioritárias em seus planos de negócios. Os arautos dessa modernidade danosa para o povo brasileiro, deixaram de explicar, no momento das mudanças, que o centro das decisões relativas ao nosso petróleo não estaria mais apenas no Brasil. Passaria a incluir, também, o exterior, onde as sedes das empresas estrangeiras formulam a defesa seus interesses estratégicos corporativos.
A Agência Nacional de Petróleo (ANP) buscou de várias formas, desde a sua criação, precipitar a transferência do petróleo nacional para as petrolíferas estrangeiras. Inicialmente reduziu, com seguidas ofertas de áreas para concessão, a possibilidade de a Petrobrás alocar os necessários recursos para tocar tantos projetos simultâneos, obrigando-a, assim, a limitar sua participação nos leilões de jazidas petrolíferas. Também abriu as nossas áreas para os grandes grupos estrangeiros. Isso obrigou a Petrobrás a atrair alguns dos principais competidores para apresentarem em conjunto propostas de exploração, de forma a não perder determinadas áreas julgadas promissoras por seus técnicos. A conseqüência foi a necessidade de repartir, de diferentes maneiras, o petróleo mais tarde descoberto e extraído.
Apesar de a lei do petróleo favorecer as transnacionais, devem-se à Petrobrás quase todas as descobertas de jazidas, desde 1997. A manutenção do monopólio teria permitido resultados muito mais interessantes
Além desses pontos, altamente danosos para os interesses nacionais, os contratos da ANP visaram, sempre, maximizar a produção, criando inclusive excedentes, para os quais só restava a exportação. Para a ANP, quando ainda não se conhecia o petróleo do pré-sal, era algo impensável buscar adequar a curva de produção à da demanda nacional, preservando as reservas para um futuro que se mostrava cheio de incertezas.
Com isenção e buscando analisar os verdadeiros resultados da atual legislação para os diversos segmentos da economia brasileira, vejamos a história recente da exploração e produção petrolífera em nosso país. Sob o aspecto técnico e industrial, constata-se ser bem diversa a realidade do processo, comparada com as falsas e fantasiosas colocações de conhecidos agentes do mercado e determinados expoentes da política brasileira. No período que se seguiu à aprovação da perniciosa lei do petróleo — ou seja, de 1997 até os dias atuais — devem-se basicamente à Petrobrás todas as descobertas de novas jazidas. Na maior parte das situações, as empresas estrangeiras, quando descobriram algo, estavam consorciadas com a Petrobrás e esta era a operadora do consórcio. Sendo a Petrobrás quem basicamente descobriu petróleo no período, se tivesse continuado a existir o monopólio, modelo em que ela tinha maior liberdade de ação, certamente e já há algum tempo, teria descoberto mais petróleo.
Enfocando-se os resultados econômicos, os defensores, nada patrióticos, da entrega das reservas nacionais aos gananciosos agentes internacionais do mercado petrolífero, lançam outro falso argumento, dizendo que o salto da participação do setor do petróleo no PIB brasileiro, no período de 1997 a 2007, de 2% para 10%, foi decorrente da introdução da lei do petróleo. Na análise deste argumento, deve ser considerado que o valor do produto do setor de petróleo, em determinado ano, é função dos preços do petróleo, bem como dos volumes de gás natural e derivados produzidos no país. Assim, os preços citados são fortemente influenciados pelo preço do barril no mercado mundial, no período considerado.
Pode-se verificar que o preço médio do barril era, em 1997, de US$ 19 e a produção brasileira média de petróleo foi de 868 mil barris por dia. Já em 2007, o preço médio do barril foi de US$ 70 e a produção brasileira média atingiu 1,833 milhão de barris por dia. Ou seja: nesses dez anos, o preço do barril cresceu 268% e a produção brasileira subiu 111%.
Como pouquíssimos campos, dentre os que entraram em operação no decênio em análise, foram descobertos depois da sanção da nefasta Lei 9.478, mais de 95% deste fabuloso acréscimo da participação do setor do petróleo no PIB brasileiro não decorreu da influência desta lei. O aumento do percentual deveu-se à alta do preço do barril no mercado internacional e às descobertas de petróleo ocorridas antes da sanção da referida lei.