Mas o barão acabava sempre por recusar o resultado: não lhe agradava ver expostas as intrigas de uma das famílias mais poderosas do mundo. Agora, o escritor britânico David R. L. Litchfield acaba de publicar La Historia Secreta de los Thyssen (já na tradução para castelhano), 637 páginas de guerras internas, casamentos de conveniência, divórcios, cumplicidades com o regime nazi, mortes estranhas, compras de obras de arte de origem duvidosa. Algo que certamente envergonharia “Heini”, se não tivesse ele morrido em 2002. É que tanto ele como a sua quinta mulher, Carmen “Tita” Cervera, haviam decidido confiar a magna biografia a um «amigo», precisamente Litchfield, na data ainda “noivo” de Francesca Thyssen, filha de “Heini”.
A origem da fortuna - Estas “histórias secretas” são fruto de um trabalho de investigação de 14 anos, em que Litchfield contou com a ajuda de uma investigadora alemã, Caroline Schmitz. Depois de passar em revista as modestas origens do “primeiro” dos Thyssen conhecidos, Isaac Lambert — filho de camponeses e órfão desde os 18 anos de idade, que fez fortuna na cobrança de impostos em Aachen (Alemanha) e com os generosos dotes dos seus três casamentos —, Litchfield dedica a primeira parte do livro ao grande homem da família: o “velho” August Thyssen (1842-1926), apresentado como um autêntico predador nos negócios, que não suportava a concorrência, e que na Alemanha de Bismark, e sobretudo depois da I Guerra Mundial, quando já dominava a indústria pesada (minas de carvão, metalurgia) e as finanças, era considerado o “homem mais rico do Mundo”.
É a August Thyssen que remonta a tradição familiar dos “conflitos fratricidas”: depois da I Guerra Mundial, abriu um longo processo judicial contra o filho preferido, August Júnior, o qual se mostrava mais interessado no cinema e nas estrelas de Hollywood do que na indústria pesada, além de estar afogado em dívidas. O neto “Heini” seguiria a mesma tradição fratricida: sob a forte influência de “Tita” Cervera — Miss Espanha 1961 e 21 anos mais jovem do que o marido —, o barão manteve durante anos um litígio judicial com os filhos Georg, Francesca, Lorne e Alexander, fruto dos quatro primeiros casamentos, sobre a herança de aproximadamente 2.4 bilhões de euros e a venda da “coleção Thyssen” ao Estado espanhol.
Litchfield desmonta igualmente o falso mito criado pelos Thyssen sobre as origens aristocráticas da família, afinal relativamente recentes: a fim de esconder as raízes alemãs e a origem industrial da fortuna da família, das quais se envergonhava o pai de “Heini”, Heinrich Thyssen (1875-1947), casou-se com uma aristocrata húngara, a baronesa Margit Bornemisza. E para obter ao mesmo tempo a nacionalidade húngara e o título de barão, Heinrich convenceu o sogro a adotá-lo como “filho”... em troca de uma boa soma de dinheiro! “Heini” seguiu as pisadas do pai: a sua primeira mulher foi a princesa Theresa zu Lippe, que colecionou amantes, do mesmo modo, aliás, que a americana Fiona Campell-Walter, a exótica Nina Dyer e a inteligente brasileira Denise Shorto, de modo que “Heini” sempre alimentou dúvidas sobre a paternidade dos filhos...
Mas os segredos mais sombrios revelados por Litchfield relacionam-se com o passado nazista dos Thyssen: Heinrich e o irmão Fritz (1873-1951) eram amigos de Goering, ajudaram Hitler a conquistar o poder e financiaram a máquina de guerra nazista. Litchfield denuncia igualmente que Heinrich não teve escrúpulos em utilizar pessoas que trabalhavam contra a sua vontade, nem em comprar propriedades e obras de arte expropriadas aos judeus. Pior: a baronesa Margit (1911-1989), irmã de “Heini” e casada com o conde Ivan Batthyány (1934-1970), teria participado na morte de duas centenas de judeus, assassinados no castelo familiar de Rechnitz (Áustria), durante uma “orgia de álcool e sangue”, na noite de 24 para 25 de Março de 1945, na véspera da chegada do Exército Vermelho.
“Margit Thyssen Batthyány encontrava-se entre as quinze pessoas (oficiais alemães e convidados da condessa), que receberam armas e munições para disparar contra os trabalhadores judeus, mas não posso assegurar que ela utilizou o gatilho”, admite Litchfield. Os autores da “matança” tiveram o cuidado de não deixar rasto: ignora-se o lugar da vala comum onde os corpos das vítimas foram enterrados, o castelo de Rechnitz foi incendiado antes da chegada das tropas russas e os poucos habitantes do lugar, que podiam eventualmente testemunhar, foram também assassinados ou morreram em acidentes e em circunstâncias estranhas. “A condessa faleceu em 1989, na Suíça, e levou para a tumba o segredo da sua orgia de álcool e de sangue.”
Quanto à fabulosa seleção de 775 obras de arte antigas e modernas, que sob a influência de “Tita” Cervera foram vendidas em 1993 ao Estado espanhol por (cerca de 240 milhões de euros, um terço do valor real, dizem os especialistas), o autor do livro faz uma análise muito crítica e minuciosa da constituição da coleção: sem grande inclinação para as artes, o “velho” August comprou apenas umas esculturas ao seu amigo Rodin, de modo que os grandes artífices da coleção foram “Heini” e o pai, que tiraram o máximo proveito de misérias alheias: no final dos anos 1930, após a grande crise financeira nos Estados Unidos, a coleção contava já com mais de 500 obras, número que se multiplicaria depois por três, graças à II Guerra Mundial e ao drama do povo judeu.