Um deles é Bill Gates, recém aposentado presidente da Microsoft e criador de uma
fundação beneficente que até agora destinava recursos ao combate a AIDS e a
malária. O outro é Michael Bloomberg, criador de uma grande empresa de
informação financeira que leva o seu nome - Bloomberg LP - e atual prefeito de
Nova Iorque.
Numa coletiva de imprensa em Manhattan, os dois
bilionários anunciaram que vão gastar quinhentos milhões de dólares em
iniciativas antitabagistas. Bloomberg, que deixou de fumar a trinta anos, é
conhecido há muito pelo seu ativismo na matéria e, nesse sentido, fundou uma
das mais importantes organizações privadas, a Bloomberg Initiative to Reduce Tobacco,
cuja ação se estende a inúmeros países. A lei pioneira de 2002 que proibiu
fumar nos bares e restaurantes de Nova Iorque foi obra dele.
Aos 375 milhões de dólares que Bloomberg investiu e
vai investir, somam-se 125 oferecidos por Gates. Embora o fundador da Microsoft
não tenha dedicado grande atenção ao assunto até agora, o anúncio assinala a
nova de direção na Bill and Melinda Gates Foundation. "O tabaco é uma epidemia
que pode ser combatida", disse Gates. Os bilhões investidos no combate a
doenças muito associadas ao Terceiro Mundo (embora não exclusivamente) tornaram
a sua fundação uma das principais entidades filantrópicas do mundo. Considerando
que o gasto público anual em iniciativas antitabagistas ronda os 20 bilhões,
percebe-se a diferença que pode fazer a intervenção desses dois nomes.
O contexto do compromisso agora anunciado, que se
estende por cinco anos, é o MPower, um projeto global cuja prioridade são os
países pobres e de rendimento médio, para onde as grandes companhias de tabaco voltam
a sua atenção após verem as suas atividades reduzidas no chamado primeiro mundo
com leis que proíbem fumar em lugares públicos e fazer publicidade ao tabaco na
televisão. Com efeito, é em países como a China, a Índia e a Rússia que se
prevê cresça mais o consumo de tabaco ao longo das próximas décadas.
O MP Power prescreve seis tipos de medidas. Medidas
legislativas e atividades educativas deverão contribuir para redução do número
de mortes pelo tabaco, atualmente estimadas em cinco milhões por ano. Atividades
educativas também são fundamentais, com Gates e Bloomberg financiando workshops
mundo afora, bem como viagens de formação de líderes de opinião dos países mais
afetados. O contrabando de tabaco também será objeto de atenção. Por último,
defende-se o aumento de impostos sobre os cigarros.
"Sou um otimista, mas também um
realista", disse Bloomberg. "Todo o dinheiro do mundo jamais
erradicará o tabaco. Mas esta associação prova como a onda se está se voltando
contra esta epidemia mortal". Neste momento, uns cinco milhões de pessoas
morrem anualmente por doenças relacionadas com o tabaco. Prevê-se que em 2030
trinta por cento das mortes ocorram em países pobres e de rendimento médio. A
China e a Índia merecem especial atenção, explicou Gates.
Falando sobre os fabricantes de cigarros, Bloomberg
disse ser preciso mostrar-lhes que "os lucros que obtém são ensombrados
pela despesa que representam para a sociedade". Uma representante da
British American Tobacco disse não ter problema nenhum com a educação pública
em relação aos riscos do tabaco. Mas é previsível que o aspecto financeiro seja
um obstáculo, não só pelo fato de os governos receberem muito dinheiro com os
impostos do tabaco, como também porque em alguns países o tabaco chega a ser
mesmo um monopólio do estado.
"O tabaco é uma epidemia que pode ser detida,
e queremos envolver as pessoas", disse Gates. Mas é importante ter plena
consciência da dimensão do problema. Só na China existem cerca de 350 milhões
de fumantes, o que equivale a um terço da população. Os Jogos Olímpicos são uma
oportunidade para ver o caminho que ainda falta percorrer na matéria. Embora
fumar vá ser proibido em transportes públicos e recintos desportivos durante o
mês que duram os Jogos, a regra não se aplica a bares e restaurantes
Na África, curiosamente, a epidemia não atinge a dimensão de outras regiões do mundo. Apenas uns vinte por cento dos indivíduos de sexo masculino fumam. Gates disse ter esperança de contribuir para impedir que esse número cresça. A avaliar pelo papel que a sua fundação já tem em países habitualmente tidos como casos trágicos em matéria de saúde, pode ser que o seu desejo se cumpra. Em especial se os governos respectivos colaborarem.
Nos últimos anos, fumar em espaços públicos
tornou-se proibido em inúmeros países europeus. Um raro retrocesso deu-se há
duas semanas, quando o tribunal superior alemão julgou inconstitucionais as
leis de dois estados alemães que proibiam fumar em bares e restaurantes com
área pequena. Mas mesmo aí o que estava em questão era apenas a discriminação
em relação a certo tipo de estabelecimento. O tribunal disse que se a lei fosse
geral não haveria problema.