É muito difícil escrever sobre uma perda. Principalmente quando essa perda é tão recente, tão perto. Embora previsível, não parecia tão próxima. Teófilo Dantas foi nosso vizinho desde priscas eras. Primeiro, na Rua de Cima, quando a família se mudou de um povoado para a sede do município. Dona Mandinha, grande amiga da minha mãe, queria estar perto dela. Ali viveram até o início dos anos 60, quando Teófilo, um visionário, construiu, na Rua do Rico, uma casa, cujo banheiro, para espanto de todos, ficava na sala!
É que àquela época, o “quarto sanitário” ficava no fundo quintal e era composto por uma caixa de cimento com uma torneira para o banho e, ao lado, um tabuado cobrindo a fossa, onde de cócoras, as pessoas faziam suas necessidades fisiológicas. Mas isso é história!
Teófilo, com o irmão Antenor, por um determinado tempo, dividiram a liderança da família e da cidade, tal qual era a importância da família, chegaram a disputar a Prefeitura de Euclides da Cunha, compondo diferentes correntes políticas. Mas isso é passado!
Os dois se amavam muito. Tanto, que, pouco depois de um mês que Antenor fez a última viagem, Teófilo o seguiu. Esse ano foi muito difícil para os Dantas. Em junho, Laurentino, o caçula da família, foi embora aos 67 anos. Em julho, Antenor e, em agosto, aos 92 anos; Teófilo!
Todos eram muito queridos. Antenor, um capítulo à parte. Foi delegado de polícia, vereador e prefeito de Euclides da Cunha. Sempre manteve uma postura de elegância e honradez. Ao deixar a política, levou uma vida discreta que o confirmou como homem de educação e comportamento exemplar. Era no mínimo; um gentleman!
Mas, depois de uma semana, de uma semana sem, por um minuto tirar o seu nome do pensamento, resolvi falar sobre Teófilo.
Lembro de muitas conversas com ele, em especial, depois da morte do meu pai, seu adversário político a quem ele tecia loas. Tecia sobre meu pai, os mesmos elogios que eu teço a ele. “O Jaime é um homem de inteligência extraordinária”. Começava sempre assim, as suas referências ao meu saudoso pai.
Contaram-me, que em agosto de 2000, quando meu pai passou para o outro plano, Teófilo, ao deparar com as portas de “O Crediário” - loja onde meu pai por quase cinquenta anos exerceu sua atividade comercial e onde os dois frequentemente conversavam - fechadas, sentou-se na calçada e chorou.
Chorou também lagrimas contidas, enquanto, de paletó e gravata, sob sol de 40ºC, discursou no sepultamento do filho, meu querido amigo, Herófilo Dantas, que nos deixou aos 57 anos.
Era um homem presente em todos os movimentos da sociedade onde convivia. Foi vereador, por 06 legislaturas, candidato a prefeito, delegado de polícia, fazendeiro, funcionário público e, em todas as atividades que exerceu, destacou-se como pessoa especial. Colecionava inúmeros amigos e meia dúzia de desafetos. Era, ao mesmo tempo, severo e dócil. A mim, aos meus irmãos e a muitos da minha geração, tratava com carinho paternal.
Teófilo parecia eterno. Aos 92 anos que ele dizia ser 94, esbanjava força e jovialidade. Na aparência e nas ideias. No último sábado da sua vida, parou à minha porta e disse-me que ia morrer. Pediu para que eu fizesse um discurso para ele. Várias outras vezes me informara que estava prestes a morrer. Entretanto, nunca pedira o discurso de despedida.
Dirigiu sua caminhonete, desenvolveu atividades agropecuárias na sua fazenda durante todo o dia 22. Despediu-se da vida com a mesma elegância que viveu. Mas Teófilo não queria morrer. Embora sabendo que se aproximava a hora, insistia em ficar. E se foi discretamente para se tornar eteno no coração daqueles que com ele conviveram. Descanse em paz, grande homem, grande amigo.