Tenho duas lembranças marcantes do Zorildo Pinheiro. Não sei precisar exatamente as datas, mas sei precisar os inesquecíveis momentos. O primeiro deles, em meados dos anos 60, Zorildo já com uma passagem por São Paulo, viera visitar a terra natal e trouxera um disco do príncipe da Jovem Guarda, Ronnie Von, interpretando uma versão de My Girl, dos Beatles. Estávamos no bar do Agnaldo Abreu, à época, na Av. Rui Barbosa ao lado do imóvel onde funcionou por muitos anos, O Crediário, loja de eletrodomésticos do meu pai, Jaime Amorim, onde hoje funciona ao show room da Miro Móveis. Pois então, Zorildo era um homem à frente do seu tempo. Alegre, brincalhão, extrovertido, foi para São Paulo, ao contrário da maioria dos seus conterrâneos, para estudar. É que normalmente, quem migrava para são Paulo, ia em busca de trabalho ou de se instalar comercialmente com pequenos negócios. Zorildo também foi trabalhar, entretanto, com o objetivo de estudar.
Todos nós já tínhamos sidos alunos da escola Paroquial São José, conduzida pela inexorável batuta do Pe. Jackson, depois, bispo D. Jackson Berenguer Prado, um ferrenho defensor das tradições católicas, terror das beatas que ousavam usar uma blusa de mangas curtas, ou vestidos que cobrissem apenas os joelhos. Mas era um grande educador e o seu time de professoras era de primeira. Profª. Alice, Profª. Hildete, Prof. Teophilo entre outros muito bons. Tão bons que o curso primário da época, habilitou muitos cidadãos para o vestibular de universidades públicas, à época dificílimas de serem alcançadas.
O segundo momento que me faz lembrar o Zorildo, é na minha primeira estada em são Paulo. Fui morar na Rua Cel. Emídio Piedade 500 – Pari, na casa de meu saudoso tio Ademar Amorim, um advogado e oficial aposentado da Força Pública do Estado de São Paulo, um homem extremamente generoso, cuja casa, esse primeiro andar da foto, era tão elástica quanto seu coração. Nesse endereço, Zorildo, residente no Centro de São Paulo, muitas vezes veio me buscar para conhecer a cidade, para bebermos uma cerveja ou, para simplesmente conversar.
Era assim o Zorildo, além da hospitalidade natural e do prazer de encontrar um conterrâneo em lugar tão frio e distante, corria em nossas veias o mesmo sangue. Minha bisavó materna, Chica Pinheiro, era tia de Zé Lourenço, músico, carpinteiro e homem de bom gosto, seu pai. O mesmo bom gosto que conduziu Zorildo ao vestibular de direito na USP, Universidade de São Paulo, tradicional escola que formou os mais brilhantes advogados do país. Diplomado em Direito, ele voltou para Euclides da Cunha onde teve grande participação na administração pública, nos meios esportivos e no convívio interpessoal que sempre soube, como ninguém, exercer. Tinha amigos em todas as camadas sociais.
Quase quarenta anos decorreram daquele encontro em São Paulo. Aqui reencontrei Zorildo já com a saúde abalada pelo diabetes, mas com o mesmo bom humor, com a mesma verve daquele menino rechonchudo que aparece na foto com a turma da Escola Paroquial São José. Me disse que levava uma vida discreta, estava escrevendo um livro e uma peça de teatro e queria que eu avaliasse esse trabalho.
Os caminhos que cada um percorreu, não nos permitiu caminhar juntos nesse novo encontro, Nosso contato agora, não se efetivou da forma que ocorreu quando éramos jovens. Zorildo partiu aos 74 anos no último dia 03 de julho. Aí senti como perdi tempo sem usufruir da convivência de uma pessoa tão especial. Euclides da Cunha perdeu um dos seus mais brilhantes cérebros. Um cérebro muito maior do que a cidade poderia entender. Descanse em paz, Zorildo!