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embro como se fosse hoje. Era véspera do Natal de 1961. O país entrou em comoção com o incêndio do Gran Circus Norte-Americano armado em uma praça de Niterói. Foram cerca de quinhentos mortos e centenas de feridos. Entre eles, se não me engano, havia uma ou duas pessoas de Euclides da Cunha e amigas da minha mãe Mariá, que ficou desolada. Eram pessoas originárias da região ali para os lados do Tanque da Nação. Naquela época, um lugar bem “distante” do centro da pequena Euclides da Cunha.
Coincidências da vida, o tempo passou e um dia deparei em algum lugar do Rio de Janeiro com o Profeta Gentileza, ou José Agradecido como alguns o chamavam. Singular a história desse cidadão no qual Glória Peres se inspirou para criar o personagem de Paulo José na novela Caminho das Índias. O nome de “Profeta Gentileza” foi ganho porque vivia pregando o amor, a paz e jamais dizia a palavra “obrigado”, pois dizia que obrigado vinha de obrigação. Preferia dizer “agradecido” e falava sempre “por gentileza”.
José Datrino (nome de batismo de Gentileza) era um
empresário de transportes quando o circo pegou fogo em Niterói. Gentileza
naquele dia disse ter ouvido “vozes” mandando largar o capitalismo e todo apego
material. O futuro profeta então pega um dos seus caminhões e parte rumo a
Niterói e transforma as cinzas das marcas do incêndio no chão em um jardim.
Depois segue por várias cidades espalhando sua filosofia e embelezando com suas
frases lugares sombrios como viadutos, galpões e muros abandonados.
Pena que ele não tenha passado em Euclides da Cunha...
Paro no cruzamento da Av. Rui Barbosa com a Rua Oliveira
Brito. Na esquina onde foi a Casa da Música, uma senhora idosa e com ares de
maltratada pela vida dá um passo atrás e volta à calçada dando a preferência ao
meu veículo. Gesticulo para que ela atravesse e sinto-a titubeante. Insisto
para que ela atravesse. Ela o faz com ar desconfiado. Deixa a impressão de não
está acreditando no gesto de gentileza. Parece imaginar que a qualquer momento
vou acelerar e atropelá-la.... Até que se sente segura na outra extremidade da
rua e agradece com um largo sorriso. Incrédula!
Na mesma situação em outro ponto da cidade, vivo a mesma ocorrência. Só que dessa feita, a pedestre é uma jovem bonita e de curvas avantajadas. Ela não titubeia diante da minha oferta para atravessar a rua com prioridade. Entretanto, ao sentir-se segura na outra calçada, olha-me com desdém e faz muxoxo. Não acreditou tratar-se de pura gentileza.
“Bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, “obrigado”, “por favor”, “desculpe” e “com licença”. Palavras que trazem tão boa energia e tão raras de serem ouvidas aqui...
Essa semana vi um homem de meia idade ser gratuitamente agredido com palavrões por um rapaz de cerca de vinte anos. O homem reagiu à altura, porém sem agressividade. Por alguns instantes lembrei-me da tragédia ocorrida com o artista plástico gaúcho, Iberê Camargo, que já septuagenário passou por situação semelhante, mas infelizmente, reagiu diferente...
Não é raro no caótico trânsito da cidade, se ver a
agressividade de alguém que para o veículo em plena avenida para conversar
tranquilamente com outra pessoa enquanto o motorista que está atrás tem que
esperar a boa vontade de ambos para seguir caminho. Ao conseguir passar, é bom
não olhar para aquele que estava interrompendo o transito. Ele pode não gostar,
e aí...Pode ser alguém que não foi educado na escola Paroquial São José...
Outra prática constante é, enquanto você manobra com dificuldade para encaixar o seu carro em uma vaga ou espera a saída de alguém que a ocupava, aprece um esperto que em situação privilegiada em relação a vaga, encaixa o seu veículo em detrimento de quem estava na espera.
Fazer necessidades fisiológicas em vias públicas, especificamente nos becos, atirar qualquer tipo de lixo nas ruas e calçadas, ignorar a Lei do silêncio entre outras regras de convivência civilizada, é uma constante que poderia ser minorada coma interveniência do poder público. Campanhas educativas podem reduzir drasticamente essas ocorrências.
Isso tudo não é um desprivilegio de Euclides da Cunha. Ocorre em muitos outros lugares. Mas, se podemos nos mirar na Dinamarca, por que fazê-lo no Congo?
E quem não viveu aqui; perdeu!