VAMOS SEPARAR O JOIO DO TRIGO
Certamente quem ler esse texto vai me chamar de saudosista; sou saudosista! Como não ter saudades de um tempo em que, principalmente nas pequenas cidades de interior, caráter valia mais do que dinheiro. Ser era mais importante do que ter! E posso discorrer com a maior tranquilidade sobre esse tema porque conheço bem esses caminhos, conheço muito bem todos os lados dessa moeda, até mesmo quando ela cai de pé.
Na segunda metade do século passado Euclides da Cunha começou a ter traçadas as linhas que formam a progressista cidade de hoje. Naquela época, algumas fortunas começaram a se formar e todos sabiam como começaram, por onde passaram e aonde chegaram.
As fortunas estavam originalmente em mãos de fazendeiros do porte de Fulgêncio Abreu, Joaquim Matias, João Emídio, Quinquin Paranhos entre outros. Posteriormente uma leva de comerciante começou a fazer fortuna: Ioiô de Hermógenes com seu armazém de secos e molhados, Otacílio Soares comprando peles, castanha, feijão e milho, Jaime Amorim com o pioneirismo na venda de móveis e eletrodomésticos a prestação- O Crediário, Raimundo Tomás com sua padaria e agropecuária. Todo mundo conhece a origem dessas fortunas, todo mundo respeita esses homens. Só Raimundo Tomás ainda está entre nós; vez por outra tropeçando em produtos expostos em via pública por comerciantes inescrupulosos.
Uma categoria que vale ressaltar é a de mecânico de automóveis. Eles não eram apenas mecânicos. Eram artesãos, eram visionários, eram os homens que conheciam o funcionamento, as entranhas de um bem que poucos possuíam e muito menos conheciam. O mecânico tinha de descobrir com o funcionava a máquina, tinha de adaptar, de forjar peças, de reconstruir formas, de fazer verdadeiros milagres. Tudo isso sem computador, sem meio rápido para o transporte de peças a ser substituídas, sem literatura, sem nada! Contavam apenas com a sua inteligência, a força física e a capacidade de adaptar.
Entre aqueles heróis do passado, Mestre Quito e seu irmão Niel, ambos excelentes profissionais, porém com temperamentos opostos.
Um pouco mais novo, o Maninho que continua na ativa, hoje auxiliado pelo seu filho Marconi toca uma oficina à margem do “Açude Velho”.
Motorista de caminhão, por recomendação médica, Nelson Bastos deixou a vida de caminhoneiro e se estabeleceu como mecânico no local onde foi construído o Hotel Bastos de propriedade de seu filho Ruben.
Nelson após se aposentar como mecânico resolveu trabalhar como vendedor em uma loja de peças de um dos seus filhos. Conta-se que foi gentilmente convidado pelos filhos a deixar o emprego porque em vez de vender, costumava consertar gratuitamente peças que em tese não tinham mais conserto.
Todos esses cidadãos tinham em comum, além da profissão, a retidão de caráter, a vontade de ajudar a resolver o problema de quem os procurava e principalmente a honestidade. Todos são longevos e desprovidos de bens materiais. O único a ganhar algum dinheiro foi o Mestre Quito por ter durante muitos anos exercido com sucesso outras atividades. Hoje aos 77 anos retomou a profissão em uma pequena oficina onde continua a fazer de tudo com muito boa vontade e jovialidade.
Atualmente a cidade tem uma frota de carros importados de propriedade de comerciantes que não têm mais a mesma postura daqueles pioneiros. É compreensível; os tempos são outros. Existem fortunas e posturas (muitas) que certamente não resistiriam a uma investigação do Fisco e quiçá das Polícias. Isso é um mal do país, do mundo? É! Mas aqui existem exageros, até porque a antiga “Lei de Gerson” ainda é aplaudida com veemência. Há quem se vanglorie de ser desonesto, de adulterar combustível, de comprar mercadoria roubada e até de traficar crianças.
Os donos de oficinas mecânicas estão longe daqueles românticos que refaziam com um martelinho a “chaparia” com dois milímetros de espessura, que deixavam contas penduradas, algumas até hoje. O dono da Copel e da Amavel, por exemplo, não são mais “donos de oficina”; são poderosos empresários. Como tal, merecem também uma visita do Fisco, do PROCON, e por que não; da Polícia!
Para que não deturpem, esse texto não pretende nivelar por baixo as categorias citadas; ao contrário, pretende chamar a atenção dos bons, dos sérios, dos honestos para que eles contribuam para separar o joio do trigo.