Reproduzo aqui o prefácio de “O Tucucuru do Padre Januário” que tive a agradável incumbência de escrever. Nele, além da minha observação pessoal do sobre o autor, um panorama da obra de Dionísio.
Antes de falar da obra “O Tucucuru do Padre Januário”, é preciso conhecer um pouco do seu autor, o Euclidense José Dionísio Nóbrega Bonfim.
Nosso primeiro encontro, certamente, ocorreu sobre o chão batido de terra vermelha das ruas de Euclides da Cunha, onde “jogávamos castanha”, brincávamos de “guerrô” ou de “cobói”. Mais tarde, fomos contemporâneos na Escola do Padre, apelido dado à Escola Paroquial São José, então comandada pelo severo Padre Jackson que viria a ser o bispo D. Jackson Berenguer Prado. Nizinho da Loló era alcunha de José Dionísio Nóbrega, filho de Sebastião Nóbrega do Bonfim, o Sebastião Magarefe, e Filomena Macedo, a D.Loló.
Na época, ainda não havia em Euclides da Cunha o curso ginasial. Quem terminava o curso primário tinha que procurar outras paragens para dar continuidade aos estudos. Os mais abastados procuravam a capital, Salvador. Os menos, Bonfim, Feira de Santana ou Tucano.
Nizinho, mais adiantado que eu foi, para Tucano um ano antes. Passou com louvor na Admissão ao Ginásio. Convivemos um ano no Ginásio do Padre José, em Tucano, e nos reencontramos estudantes do curso colegial em Salvador. Agora, ele já era Dionísio. Nada de Nizinho! Moramos juntos em alguns quartos de pensão, em vários pontos da cidade. A minha vida era divida entre o estudo e a boemia. A de Dionísio, entre o estudo, a boemia e o trabalho. Ele já fora admitido como funcionário do Estado através de concurso público.
Conviver com o Dionísio não era fácil. Era e é uma das pessoas mais exigentes que conheço. Exigente e extremamente coerente com suas crenças e princípios, é dono de uma enorme capacidade de contestar. Não por contestar. Por conhecer e acreditar. Rato de biblioteca, foi nas mãos dele que vi, pela primeira vez “O Capital”, ”Os Sertões”, “Menino de Engenho” e outras obras do mesmo calibre que compuseram o manancial intelectual do filho de Sebastião.
Mais de 30 anos nos separam da convivência de meninos euclidenses. As transformações pelas quais os caminhos da vida nos fizeram passar, de fato nos distanciaram, não só fisicamente. As ideias e os propósitos que nunca foram os mesmos tomaram corpo em forma de filosofias de vida bem distintas. Isso, entretanto, nunca sequer arrefeceu a admiração e o respeito mútuo.
De posse de um diploma de curso técnico em Administração, trabalhou diretamente com o catedrático Jorge Hage, hoje figura importante da República. Estágios em outras capitais o transformaram em um disputado Técnico em Administração Pública. Estimulado pela experiência no setor, fez vestibular para o Curso Superior de Administração Pública da Universidade Federal da Bahia. Aprovado, como de hábito, concluiu a formação com distinção e louvor.
Por concurso público, Auditor Fiscal do Estado da Bahia, o que Dionísio gosta mesmo de fazer é ouvir e contar histórias. O competente Auditor Fiscal é muito mais um historiador do que um Auditor. Apesar disso, os processos fiscais que levam a sua assinatura são considerados pelos seus pares como de primeira grandeza.
Pois bem, há mais de trinta anos esse abnegado administrador público vem fazendo, por conta própria, um respeitável trabalho de pesquisa sobre a origem de dezenas de famílias baseadas em Euclides da Cunha, buscando suas ramificações em vários estados, notadamente do Norte e Nordeste.
De valor inestimável, os documentos e informações em seu poder estão se transformando em palestras e, para maior e melhor exposição da sua pesquisa, em bem editados livros que trazem, além de primoroso texto, um rico arquivo fotográfico.
“O Tucucuru do Padre Januário” que tenho a honra de prefaciar, começa mostrando como foi longe o menino da antiga Rua da Usina:
”Quando Napoleão Bonaparte tomou o poder e fez a reforma administrativa, um dos Departamentos criados no leste francês foi o “Département de la Meurthe”, localizado na antiga “Alsace-Lorraine”.
Na pequena comunidade chamada Lixheim, pertencente ao cantão “Phalsbourg” desse Departamento, morava Antoine Rehm que em bom sertanês é o mesmo que Antônio Rehem. Em 5 de dezembro de 1815, então com 29 anos de idade, Antônio Rehem...”
Estes são os dois primeiros parágrafos do livro que desvenda a história de inúmeros sobrenomes euclidenses. Antoine Rehm, por exemplo, vem a ser antepassado dos Rehem que se ramificaram em diversas outras famílias que tiveram e têm grande participação no desenvolvimento de Euclides da Cunha e de outras plagas por esse Brasil afora.
Já os três Ioiôs do Cumbe, Ioiô da Professora, fonte de pesquisas cultuado nos ciclos mais importantes de historiadores do país, era filho de Erotildes Siqueira, primeira professora do município. Ioiô de Hermógenes, comerciante atuante, pai de Agamenon, Marta, Eumar, do saudoso Lázaro e Márcia, casada com o vice governador Otto Alencar. Ioiô Dantas, um dos mais arrojados prefeito que a região já teve, os três eram, você vai conhecer por quais vias, primos entre si.
Outra revelação importante do trabalho de Dionísio diz respeito à origem dos mais importantes personagens da região nos dois últimos séculos: quase todos foram e são descendentes de membros do clero.
É delicioso, para diferentes gerações, constatar os mais improváveis parentescos como, por exemplo, do meu saudoso pai, Jaime Amorim, com os Dantas, Teófilo, Nelson e demais irmãos. As composições resultantes da união entre membros das famílias Dantas (do Cap. Dantas) e Ribeiro, de “Abreus” com “Campos” e muitas outras que formam esse imenso caldeirão que é Euclides da Cunha.
E para quem observa o desordenamento urbano que tomou conta da cidade, vai ser uma surpresa saber que, há quase um século, o então prefeito, capitão Francisco da Silva Dantas, pai de Zeca e Ioiô Dantas, sancionou o primeiro código de posturas municipais da vila do Cumbe.
Dionísio, que para quem não sabe, é um legítimo Abreu, sobrinho-neto de Quinquin Paranhos de Abreu, faz neste livro, um importante resgate da História do Cumbe e circunvizinhanças, ferramenta indispensável a qualquer estudioso de história e um documento que deve ser lido e carinhosamente guardado por todos os membros dessa imensa família chamada Euclides da Cunha.