D. Gloria nasceu em Monte Santo e por volta de 1925 contraiu núpcias com Antônio André de Souza, euclidense da gema nascido na Praça Duque de Caxias, então Praça do Barracão, onde era realizada a feira livre dos sábados. Essa feira migrava entre a praça e a Rua da Igreja dependendo da corrente política que ocupava o poder. O Capitão Dantas quando intendente, matinha a feira na praça. Já seu adversário político o Major Antonino a transferia para frente da Igreja.
Antônio André, além de lidar com agropecuária, era um comerciante habilidoso. Seu primeiro comércio foi estabelecido na Praça do Barracão. E foi o seu estabelecimento que deu o primeiro nome à praça. Chamava-se Barracão do Antônio André. Quando a feira foi transferida para a Rua da Igreja, ele também transferiu para lá o seu Barracão onde comercializava secos e molhados, além de carne de boi e carneiro.
Na Praça da Igreja Antônio André construiu a casa aonde vieram a nascer a maioria dos seus 18 filhos da relação com D. Glória, dos quais 15 se criaram. Pela ordem de nascimento: Joãozito+, Bebé+, Mundinha+, Vavá, Nivaldo+, Carminha+, Cosme e Damião+ (gêmeos), Helinho, Dodó, Francisquinho+ (1986), Hélcio, Graça e Dinho (gêmeos) e Socorro. Os que estão assinalados com +, já não estão mais entre nós.
Mas a heroína dessa nossa história é D. Glória, amiga irmã de minha mãe Mariá que era madrinha de Dodó. Mundinha, uma das minhas madrinhas, era afilhada de meu avô Joaquim Matias. Essas relações transcendiam as amizades; era mesmo uma grande e unida família como não se vê mais nos dias de hoje.
D. Glória era alta para os padrões da mulher nordestina. Chegava a ser levemente curvada. Doce e determinada, era o esteio para criar e manter unida uma família daquele porte. Aos 70 anos, que não aparenta, o filho Helinho conta que todos tinham que contribuir para a manutenção da casa. “Pela manhã tínhamos de tirar leite das vacas e entregar para os fregueses. E não tinha essa de dizer que não ia. Todos nós tínhamos que trabalhar”, relembra o comerciante aposentado.
A casa de frente larga tinha uma porta central e cinco janelas que comunicavam as duas salas frontais com a animada Rua da Igreja. Os vizinhos da época eram, à esquerda, meu avô Joaquim Matias e à direita, Fulgêncio Abreu, seguido de Antônio de Terto, Otacílio Macedo, e a Prefeitura, na casa onde está hoje a Biblioteca Jaime Amorim da Silva. Curiosamente, Hélcio, um dos filhos de D.Glória , constituiu família nos Estados unidos onde vive até hoje. Veneranda, filha do vizinho Otacílio, constituiu família e carreira profissional na Holanda onde também reside. No local da antiga casa, funciona hoje o Emporium Teen.
Essa casa visitei várias vezes com minha mãe e depois como amigo de Hélcio, meu contemporâneo, namorador e farrista. Lá, vi e provei pela primeira vez uma bebida que era especialidade dele; ponche feito com pedaços de maçã e vinho Capelinha quente. Um luxo (sic)! Outra especialidade dele era o Leite de Camelo, uma mistura de cachaça com leite condensado. Frequentavam a casa, além de todas as meninas da cidade, entre outros amigos, o Odilon Costa, o saudoso Raimundinho de Diógenes que fez carreira musical como Raimundo Montessanto, o Gereba e o Vicente Barreto, serrinhense que viveu uma temporada por aqui e também se transformou em conceituado músico autor de sucessos como Morena Tropicana em parceria com Alceu Valença, entre outros.
Hélcio no início dos anos 70 casou-se coma americana Patrícia Caracci e mudou-se para Rochester, terra da família dela. Lá, fez carreira na Kodak onde se aposentou como analista de sistemas. Tem dois filhos e três netos.
Fui o primeiro euclidense a visita-lo na nova pátria e voltei lá várias vezes onde tive oportunidade de acompanhar o desenvolvimento dos dois americanos legítimos, legítimos netos de nordestinos; Charles e Andrew são bem sucedidos profissionais. O primeiro, pai de três filhas Grace, Hannah e Abigail, na foto coma avó Patrícia.
Minha mãe, a grande amiga de D. Glória, era uma mulher sensitiva. Não sei exatamente porque, mas acho que ela pressentiu a morte da amiga. Numa sexta feira em novembro de 1966, o dia amanheceu sombrio. A Rua da Igreja não tinha calçamento. Segurava a poeira do chão vermelho, um pouco de grama que se estendia entre a esquina da casa do Capitão Dantas (onde hoje mora o Zé Batista) e espalhava-se por toda lateral da praça passando em frente à Prefeitura e formava uma espécie de campo de futebol onde Osvaldo Dantas, Delço Matias, Joãozito de Belo e Hidelbrando Maia jogavam suas peladas com bola de meia), até chegar à casa de Tidinha ( hoje em reforma ). E foi na casa de Tidinha, na época alugada a Nivaldo seu filho, que aos 66 anos, Maria da Glória Carvalho de Souza faleceu vítima de um infarto fulminante. Comoção! Lembro-me que naquele dia ventara muito. Na praça de terra vermelha redemoinhos daqueles que em língua inglesa chamam de “dust devil” varriam de lado a lado causando arrepios. Esse clima estendeu-se até o sábado quando D. glória finalmente descansou no Cemitério São José, cujo único caminho passava à sua porta.