A saga da Rua dos Ricos

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Sou do tempo em que o Zezinho da Barraca era o homem mais valente da cidade e desfilava bravatas ao lombo de um cavalo, até que um dia os irmãos Nelson e Hermógenes Dantas lhe aplicaram um corretivo. Do tempo em que Joviniano Gomes era apenas o simpático dono da próspera Farmácia Estrela e Raimundo Tomás o fabricante do melhor pão das redondezas. Na Rua dos Ricos, moravam Teófilo Dantas, irmão de Nelson e Hermógenes, Menininha de Antônio Batista, tia de Joviniano e o próprio Raimundo Tomás.

A saga da Rua dos Ricos

Reprodução de matéria escrita em 18 de abril de 2012. Ela continua atual e, depois de 1558 acessos e 18 comentários, alguns, bastantes pertinentes, resolvi reapresentá-la na tentativa de resgatar pessoas, lugares, coisas e costumes que as novas gerações sequer têm noção.                                                                                                    Celso Mathias  
Este último, Raimundo Tomás, aos 90 anos, continua emprestando sua nobreza
essa rua que é uma marca no desenvolvimento de Euclides da Cunha.

Vivi na Rua dos Ricos (Rua Otávio Mangabeira), nessa casa verde, boa parte da minha adolescência. Mudei para lá quando a prosperidade chegou ao meu saudoso pai Jaime Amorim, reconhecido pela comunidade como empreendedor e líder político ao exercer por seis mandatos consecutivos o cargo de vereador sem ter gabinete, assessores e muito menos remuneração. Como muito dos seus pares, carregava no peito a vontade de servir.

Ao contrário do que o nome anuncia a Rua dos Ricos não era exatamente uma rua (só) de ricos. O que determinou esse nome foi a arquitetura diferenciada trazida pelos homens de visão que a construíram, e principalmente pelo seu “arquiteto”. Foi o Prof.Theophilo Paiva Guimarães, o Teófilo Careca que inspirado nos bangalôs franceses, desenhou a grande maioria das casas que dão um charme todo especial a esse recanto.

Para que os registros não se percam no tempo, vale lembrar que a rua foi plantada em parte da Fazenda Bolandeira cedida ao progressista prefeito José Camerino de Abreu, por Dona Sinhara dos Correios, mãe da Profª. Lutí e de Yaiá dos Correios.

José Camerino foi homem que traçou o principal perfil urbano de Euclides da Cunha e construiu as avenidas Ruy Barbosa, Almerindo Rehem, suas transversais, serventias (os becos) e, posteriormente, a Rua Otávio Mangabeira (Rua dos Ricos).



Vou fazer uma pequena viagem ao passado e lembrar o céu avassaladoramente
límpido, iluminado pelo brilho da lua e das estrelas, que nas minhas noites insones provocadas pela inquietude da juventude, quase me deixava enxergar um mundo que me esperava do outro lado do infinito, ao qual não me furtei conhecer...


Nessa época, tomando como ponto de partida a Prefeitura Municipal, hoje Câmara de Vereadores, vinha a casa de Raimundo Tomás seguida da casa de Edmundo, Teonas Abreu e, na esquina, Macário Bezerra. Na esquina subsequente, um terreno baldio, em seguida a casa de Yaiá do Correios. Depois a casa de Antônio Batista, o vaqueiro do Canché, três vezes prefeito de Euclides da Cunha e um dos mais hábeis políticos da época. Vale aqui registrar que a casa de Batista fora construída por Miguel Ferreira, um paraibano à frente do seu tempo. Miguel instalou o primeiro aparelho de televisão na cidade, construiu vários imóveis de alto padrão e foi dono da primeira fábrica ladrilhos da região. Morreu pobre e esquecido no interior de São Paulo. Após a casa de Batista, Nezinho Vitor. Em seguida, o saudoso amigo Zé Marinho, radioamador e meu primeiro professor de Educação Física. Finalizavam esse lado da rua, Dão Felix, D.Darcy, grande amiga de minha mãe e finalmente essa casa revestida de pedras pertencente ao visionário Raimundinho Lima, hoje Auditor Fiscal aposentado e estudioso da doutrina espírita.



No outro lado da rua, tomando como referência a Escola Duque de Caxias, a casa do Prof. Teófilo, seu idealizador, que além de professor era o secretário da prefeitura. Ocupava sozinho todas as secretarias; um gênio! Foi meu professor de desenho e de francês. Na área ocupada pelas casas de Romildo Macedo, Paulo Marques e a dos herdeiros de Durvalina e Jonas Andrade havia apenas um terreno baldio. Na área hoje pertencente ao Samuel de Felipe ficava o bangalô do excêntrico casal Silva Lima e Dona Pombinha. A casa tinha um jardim com folhagem espessa e meio assustadora. Dona Pombinha ao ficar viúva tornou-se uma figura folclórica. No quintal da casa alimentava urubús e, sempre paramentada com meias e vestidos em tons escuros, portando uma sombrinha, visitava frequentemente o cemitério onde disparava impropérios ao falecido.

Em seguida vinha a casa do enfermeiro Cecílio Demétrio dos Santos, pai do saudoso Ari, de Audi e Arivaldo. Depois, um terreno baldio aonde veio a ser construída a casa de Eurides e Ioiô de Hermógenes. Na sequ
ência, José de Sinhaninha, pai de Teófilo Dantas, depois, o próprio Teófilo e, na casa verde logo a seguir; meu pai Jaime Amorim. Ali vivi meus últimos anos de Euclides da Cunha, ali me despedi da adolescência e da minha mãe Mariá que nos deixou aos 45 anos. Ali acabou o nosso primeiro núcleo familiar!
Finalizavam esse lado da rua, as casas de Florêncio Abreu, de Felisberto fazendeiro e político em Quijingue onde por duas vezes exerceu o cargo de prefeito, do fazendeiro e produtor de sisal, José Correia e finalmente a casa onde morava o promotor de justiça Aristides Queiroz. Esse era o universo da Rua dos ricos.



Rua dos Ricos perdeu parte dos seus personagens, parte do seu glamour e vem sendo descaracterizada por construções que fogem ao seu gabarito e padrão. Hermógenes Dantas homem de força física descomunal morreu frágil consumido pelo mal de Parkinson. Nelson mudou para Salvador onde cuida melhor da saúde.





















Teófilo Dantas aos 86 anos
continua morando na mesma casa, lúcido e forte apesar de vir enfrentando corajosamente vários problemas de saúde. Zezinho da Barraca está chegando aos 90 e leva uma vida mais tranquila embora continue a não levar desaforo para casa. Joviniano, o da Farmácia Estrela, chegou a ser prefeito como o tio Antônio Batista, marido de Dona Menininha. A casa que já foi palco das mais importantes decisões políticas da cidade está sob os cuidados dos herdeiros.










E a vida continua...


Autor: Celso Mathias
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Existe 19 comentários para esta publicação
segunda-feira, 18/2/2019 por Amélia Mathias de Amorim Silva
Rua dos Ricos
Cada vez que vejo uma destas residências, tão cheias história, virar comércio, me entristeço. Torço pra que algumas que estão abandonadas sejam recuperadas por seus herdeiros.
quarta-feira, 25/4/2012 por Inamar Coelho
recordar é viver!
Não sou do seu tempo, mas conheci quase todos os personagens descritos e sempre achei a "rua do rico" um lugar ímpar em nossa cidade. Teu relato é incrivelmente instigante e de primordial importância para a nossa memória. suas lembranças dão um livro
quarta-feira, 25/4/2012 por Andréa
Semelhança
Texto que fez com que eu recordasse, com saudade, de outra cidade do interior da Bahia - Boa Nova. Tocou na alma!! Lindo texto, bastante claro e com uma descrição que me parece perfeita. Parabéns Celso!!
quarta-feira, 25/4/2012 por Pensador
Aquiles
Dr. Aquiles, filho do saudoso Teófilo Careca! Tu tens um irmão que está aqui, salve o engano, o Clóvis. venha nos ver. linda reportagem! É ou não é?
terça-feira, 24/4/2012 por Aquiles Ferreira Guimarães
Viagem de volta a" minha rua"
Certas emoções são muito bem vindas. Muito obrigado por provocar-me um "retorno". Eu fiz uma bela viagem de volta a "minha rua". Mas, ver a foto do meu velho não foi nada fácil...
segunda-feira, 23/4/2012 por SELMA AMORIM
RUA DOS RICOS.
Quem vai esquecer?? Ninguém. Tantas lembranças, tantas saudades. Super emocionada com seu relato. Parabéns.
quarta-feira, 18/4/2012 por Aparecida Mendes
RUA DOS RICOS...
Que relato Celso! enquanto vc andava pela Europa, lá estava eu convivendo de perto com estes personagens, principalmente Lázaro Félix, a minha eterna paixao, obrigada.
quarta-feira, 18/4/2012 por roberice
Good Memory!!!
Nossa !!!! apesar de passar minhas ferias em Euclides, fiquei saudosa com essa memoria gostosa da rua dos Ricos, onde tinha um tio que morava la...Valeu Celso!!
quarta-feira, 18/4/2012 por Atento
Beleza
O fato narrado é tão rico que em 210 acessos já existem 10 comentarios. Já tou doido para ler o que vai ser escrito em conexão euclidense.
quarta-feira, 18/4/2012 por Vicente
História rica
Texto de impressionante clareza. Senti vontade de percorrer essa rua com as pessoas citadas na matéria e vivenciar as ocorrências citadas. Parece mesmo coisa de romance de época. De parabéns o autor e a população da cidade que tem riqueza de históri
quarta-feira, 18/4/2012 por Leuza dantas
Rua dos Ricos, rua das recordações...
Caro Celso, lendo sua matéria, reportei-me ao tempo em que tive o prazer de morar durante dez maravilhosos anos nesta rua,vizinha de Eurides, uma grande amiga. Quantas saudades!! Quantas lembranças de meus tios Lulita e Zé de Sianinha.
quarta-feira, 18/4/2012 por JOSE MACEDO (ZEZITO)
UMA SOMBRA E UMA LIÇÃO DO PASSADO
Essa rua traduzia o sonho de desejo dos que alí passavam. Dona Pombinha, significava um misto de terror e de curiosidade, expressão do sinistro, em oposição à monotonia e calmaria dessa rua. O Prof. Theófilo, meu mestre, era sua grande referência!
quarta-feira, 18/4/2012 por Carvalho
Sujestão
Texto acima de tudo muito emocionante para quem reside em Euclides e conhece os personagens, suas vidas, a cidade em fim... quero parabenizar ao redator pelo flash back... doces nuances de um tempo, uma época inesquecível.
quarta-feira, 18/4/2012 por pensador
Conheço
Conheço todo o narrado e falando do Zezinho o bicho ainda anda com uma faca, pode? Redator vc é bronca mesmo! No bom sentido!
terça-feira, 17/4/2012 por Marizete Silva do Nascimento
A Saga da Rua dos Ricos
Ah!!! Celso, só você para deixar tão saudosa, eu nunca morei nesta rua, mas estudei no Escola Duque de Caxias, em frente à prefeitura, também fui aluna do Prof. Teófilo Careca no Ginásio Oliveira Brito, juntamente com você e outros prósperos amigos.
terça-feira, 17/4/2012 por Maria de Lourdes Soares Ornellas
Rua dos ricos
A rua dos ricos acolheu nas décadas de 60 e 70 os ensaios afetivos de casais jovens e esse lugar funcionava como um agálma, objeto de desejo . Um tempo de encontros clandestinos em que a lua testemunhou o ato.
terça-feira, 17/4/2012 por hc-maia
The street where you live.
Convoco ao carteiro Celso fazê-lo, com a mesma similitude,com as demais vias.Por ex..O Beco do Cemitério: Rita do Albino,Dona Viscência,Zefa de Tutu,Dona Jacira de Pedrinho Retratista,José Ramos,Zé Ratinho,Chica Preta,(Mãe da Dinha),Seo Elizeu..etc
terça-feira, 17/4/2012 por Sanches
Lorca?
É impressionante a celeridade e a riqueza de detalhes desse texto. O autor viaja por todos os personagens deixando-os tão amarrados entre si com a sequência das casas. Lendo-o, tenho a impressão que conheço a sua cidade ou como disse o David; visito
terça-feira, 17/4/2012 por David
Rua do Rico
Viagem deliciosa fiz agora pelo tempo e pela rua Otávio Mangabeira (me fez lembrar os relatos de Garcia Lorca num livro que agora não me recordo o nome). Lá hoje mora meu pai (Pr. Valdemar), numa das casas aqui citadas. Encatado.
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