Mas o melhor de tudo não estava no gramado. Estava exatamente na casa da fachada com uma mistura de estilos que lembra o Art Déco. Ali morava o casal Viriato e Rosália pai das duas mais lindas mulheres que a cidade já viu; Virisália (obviamente cruzamento dos nomes do pai e da mãe) e Celeste. Sempre rondando o pedaço, Torrado, personagem rocambolesca que alimentava um amor platônico pela bela Zalinha (Virisália). Ela casou-se com um engenheiro alemão e foi feliz até morrer precocemente no Rio de Janeiro. Torrado morreu de amor e álcool!
Aquela casa fora construída para abrigar o glamour. Foi ali que nasceram os irmãos José, Antonio e Deusdete. As irmãs Lutigard (Luti), Maria Assunção (Yayá), Alzira (Zizinha), e Ana (Nazinha), filhas de Joaquim Alves Campos e Maria Moreira Campos. De todos, continua viva e saudável, apenas a professora Lutigard, a Luti, casada com o bem sucedido comerciante e fazendeiro Raimundo Tomaz de Aquino. São filhos do casal Nonato, Regina, Marlos e Albertinho, bom advogado e bon vivant!
A figura que quero centrar nessas memórias é a de D.Yayá do Correio que ganhou o apelido por ser a agente da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em Euclides da Cunha durante algumas dezenas de anos, especialmente na minha pré adolescência.
Eu morava em frente à casa de Yayá onde também funcionava a Agência dos Correios na Rua dos Ricos.
A Rua dos Ricos ocupa a localidade que na primeira metade do século passado era conhecida como Bolandeira. D. Luti, a interlocutora desse passado, comenta com olhar de quem O visita:“Essa terra era toda de minha mãe que a vendeu por um valor simbólico ao então prefeito José Camerino que a comprou para construir a sede da Prefeitura. Ele pagou o equivalente à despesa de três semanas na nossa casa. No início dos anos cinquenta, Raimundo comprou de volta para construirmos essa casa onde estamos até hoje e que foi a terceira da rua. Primeiro foi a Prefeitura, depois a casa do professor Teophilo onde agora mora o médico Aristides Queiroz e a casa de D. Pombinha, hoje existe apenas o terreno que pertence ao Samuel”.
E prossegue emocionada,“Minha mãe, em consequência da fragilidade da saúde de sua avó Amélia, foi mãe de leite do seu tio Zequinha. Nessa pequena cidade, todos temos laços de família. Minha irmã Nazinha, por exemplo, casou com Zé de Apromiano, nosso primo. Já meu pai, era irmão de Apromiano. Somos primos de Renato campos (ex-prefeito) por parte de pai e de mãe. A mãe deles, D. Lili, também era prima do meu marido”.
A casa de D. Yayá tinha muro baixo e um bem cuidado jardim. Uma porta lateral dava acesso à sede dos Correios onde um balcão a separava da clientela. Baixinha, delicada, de pele muito branca e cabelos negros à altura dos ombros, ela atendia a todos com um doce sorriso e sabia exatamente o que e a quem entregar no balcão.
E era uma delícia saborear na língua o gosto da cola do selo que abria a nossa relação com o universo. Sem internet, com um telégrafo precário, sem televisão, a carta era tudo isso junto e muito mais; trazia traços reveladores na caligrafia e às vezes até o perfume de quem a escreveu. Um contrastes absoluto com o que transformaram os Correios, que perdeu, além da confiança da populaçã, a identidade de outrora. Hoje nem o usuário nem os próprios funcionários sabem se aquilo é um banco ou uma agência de cartas e encomendas.
Jovem, bonita e bem sucedida, Yayá teve dois namoricos; com Zuca, pai da prefeita Fátima Nunes e outro com Potámio Batista. Ambos não prosperaram; ela não alimentou a relação.
Com Yayá morava a prima Ceci Campos irmã de Belarmino Campos, e de Tidinha, mãe de João e Ismael Abreu. Ceci fora criada junto com as primas, Yayá, Nazinha, Zizinha e Luti. Na medida em que elas foram casando, Ceci que aos quinze anos tivera uma decepção amorosa optou por ir morar com Yayá que adquirira a casa construída por Santos do DNER na Rua dos Ricos.
Ao contrário da Ceci de José de Alencar, Ceci Campos teve uma vida tranquila. Morava confortavelmente, trabalhava na Cooperativa Agrícola e, ainda por cima, por puro diletantismo, ajudava a prima Yayá no atendimento dos Correios. Quarenta e dois anos depois de ser abandonada, reaparece já viúvo o seu grande amor João Edésio com quem contrai núpcias aos sessenta anos e muda-se para Queimadas com o marido com quem vive até falecer aos oitenta anos.
Yayá morreu em 1997 aos 87 anos de idade, solteira e sem filhos deixando a marca da doçura e do equilíbrio que pautaram a sua existência.
Somos todos órfãos da Rua dos Ricos, onde mesmo os pobres nasciam ricos de esperança, da ausência de preconceitos e com a certeza da igualdade que permeava os nossos corações infantis.