Como é difícil escrever sobre alguém tão especial; única. Para seus inúmeros amigas e amigos ainda vivos, um passeio sobre a breve trajetória desta mulher que foi um símbolo da sua época na então pequena Euclides da Cunha comandada por meia dúzia de famílias importantes, entre as quais, a dela. Para as novas gerações, um exemplo de sabedoria, doçura e bondade.
Vivemos inicialmente na casa da Rua de Cima sob a proteção do meu poderoso e severo avô, o então Delegado de Polícia Joaquim Matias, ali naquela enorme casa com um quintal repleto de fruteiras, um banheiro já com torneira no teto e muita fartura, vivi as traquinagens da primeira infância subindo em arvores, tomando banho de chuva, brincando de esconde-esconde e descobrindo o abecedário sempre sob o olhar vigilante de “mãinha” e a corujice da minha Tia Railda, uma das primeiras “Professoras Formadas” da cidade.
Minha mãe era uma mulher de pequena estatura, porém falsa magra.Tinha um corpo bonito e admirado. Vivia cercada de pessoas modestas que foram suas primeiras serviçais e ela transformou em grandes amigas. Gina do Joel, Alice do Catarino, Salu, Madrinha Simpliça e muitas outras cujo nome não me vem à memória. A todas era garantida a alimentação do dia e aos sábados uma feira suplementar.
Além dessas, Dona Glória de Antonio André, que também nos deixou muito cedo provocando um enorme vazio em minha mãe. Era também muito forte a amizade com Dona Mandinha mulher de Teófilo Dantas, adversário político de meu pai, mais tarde amigo e admirador. Do mesmo grupo fazia parte Dona Darcy, hoje viúva de Benevides, viva e saudável como Dona Mandinha. Do mesmo quilate era a amizade como casal Nelson Soldado e Edelzuita, com Maria José e Miguel Ferreira, com Dona Lindu mulher do barbeiro Anacleto e muitas outras pessoas cujo nome o tempo me embaçou.
Mariá era unanimidade!
Saímos do casarão da Rua de Cima quando meu pai começou a construir sua independência. Fomos morar na Rua Oliveira Brito ao lado da casa de José Lourenço onde ainda hoje mora sua filha Perpetua, em uma casa geminada de propriedade de um cidadão de nome Abdon. Nessa casa me lembro de um episódio marcante. Minha mãe excelente cozinheira preparava para levar ao forno, tabuleiros com deliciosas bolachinhas de goma. Eu sempre traquino, insistia em comer a massa ainda crua. Depois de várias ameaças de um castigo mais severo caso eu insistisse em comer a massa crua, recebi o tabuleiro inteirinho na cabeça, igualzinho aqueles filmes de pastelão. Em seguida ela me limpou docemente e caímos na gargalhada.
Da casa de Abdon mudamos para a casa da esquina da Praça Duque de Caxias que pertenceu a Dedes Canário e hoje está sendo reconstruída para atender a fins comerciais. Ali nasceu meu irmão Carlinhos. Da calçada da casa, ao lado dela e de Dona Patu, outra amiga dileta, assisti apavorado uma tragédia grande demais para uma criança. A praça não era calçada. O chão vermelho batido em tempo chuvoso gerava uma lama que tingia carros e roupas dos transeuntes. No calor, a poeira levantava e causava efeito similar. E foi num dia de calor que numa contenda pessoal, o cabo Bandeira sob latidos e grunhidos da Sereia, cadela de Fenelon assassinou no centro da praça o Dãozito genro do Guinho.
Aquela imagem até hoje não saiu da minha mente e foi responsável por vários dias dormindo agarradinho com a Mariá.
Da casa da Duque de Caxias voltamos para o casarão da Rua de Cima, agora dividido em duas casas em função da partilha dos bens da minha falecia avó Amélia Pinheiro Matias. Nessa casa foi curta a nossa estada. Se não me falha a memória ali nasceu o sétimo filho de Mariá, a menina Selma, minha irmã caçula.
Agora meu pai se firmara como um dos homens mais bem sucedidos da cidade. Como tal, adquiriu uma das casas de Teófilo Paiva Guimarães na Rua Otavio Mangabeira, prosaicamente apelidada de Rua dos Ricos. Mãinha agora era só felicidade. Voltara a morar ao lado de suas duas grandes amigas, Mandinha e Darcy e finalmente tinha a casa que sonhara com um jardim florido que se transformou em inspiração póstuma para um poema de meu pai “Estão tristes as flores do nosso jardim”
Nesse período entrei na adolescência e testei aí a imensa paciência de minha mãe que se desdobrava para manter um mínimo de harmonia entre mim e meu pai. E quanta paciência!
Mais o que havia de mais especial nessa mulher era algo que à época já estava em extinção; amor. Pelos filhos, pelo pai, pelos irmãos, e principalmente pelas pessoas mais humildes... ela transbordava esse sentimento, talvez a compensação por uma vida tão breve.
No dia 15 de agosto de 1971, aos 45 anos de idade ela nos deixou. Sua última lição veio com todas as portas da cidade se fechando na passagem do seu cortejo fúnebre. Entre elas a de um ferrenho desafeto do meu pai.
Doce e pequena Mariá, quanto tempo perdi ficando longe de você. Como foi importante e eternamente marcante o tempo que convivemos. É o que restou de bom em mim.