E justamente nesta área, que engloba os municípios de
Canudos, Jeremoabo, Euclides da Cunha e arredores, habita uma das espécies de
aves mais ameaçadas do país – a Arara-Azul-de-Lear (Anodorynchus leari).
Tais perspectivas de mudança não atingem apenas este psitacídeo
que azula ainda mais os céus azuis do sertão, mas também às comunidades e seu
povo, pois no final das contas todos habitam, convivem e se alimentam nos
mesmos lugares.
O alimento natural da Arara-Azul-de-Lear é o coquinho
da palmeira Licuri (Syagrus coronata), planta endêmica da Caatinga. Por sinal
endemismo é uma palavra que domina este bioma genuinamente brasileiro, que
infelizmente já teve 45,3% de sua área total alterada, colocando-o como o
terceiro bioma mais modificado pelo homem (perdendo apenas para Mata Atlântica
e Cerrado). Cerca de 1/3 das espécies de plantas são endêmicas e pelo menos 23
espécies de aves, mas que metade delas está relacionada como ameaçadas de
extinção - diga-se pela própria Leari e também pela Ararinha Azul (Cyanopisitta
spixii), atualmente extinta em vida livre. Já não tão extinto está o homem,
cujo crescimento populacional exige uma área de ocupação cada vez maior, maior
produção de alimentos, avanço sobre a caatinga, desmatamento e assim vai.
A monocultura de milho e o consequente corte das
palmeiras gerou um conflito homem x aves; sem opção pelo seu alimento natural,
não houve alternativa para a arara senão atacar o milharal; pronto, estava
armada a confusão. No intuito de minimizar este conflito surgiu dentro do
Programa de Conservação e Manejo da Arara-Azul-de-Lear, do CEMAVE - ICMBio, o
Programa de Envolvimento das Comunidades e Geração de Renda. Neste último, a
responsabilidade ficou por conta da ornitóloga Simone Tenório, que em 2006
conseguiu o financiamento da Fundação Espanhola Loro Parque para educação
ambiental e busca de alternativas de renda para a população. Ou seja, a proposta
do Programa é cuidar da gente para cuidar do bicho! E não é de hoje que o
caminho da conservação vem se bifurcando em vários atalhos, agregando as
populações residentes próximas de áreas de conflito, buscando soluções que
minimizem a disputa de espaço.
No caso da Arara-Azul-de-Lear a mais provável solução
está no resgate de uma tradição que durante gerações foi tecida pelas mãos
calejadas do sertanejo: o artesanato com a palha do Licuri. Ao fomentar a
produção deste artesanato o corte da palmeira pela agricultura se torna contra
producente; e é isto que Simone faz desde 2008 na região de Euclides da Cunha,
que representa cerca de 51% da área de alimentação da espécie. Com apoio da
prefeitura, na figura de Maria Djalma Andrade de Abreu, Secretária de Agricultura
e Meio Ambiente, Simone foi parar no povoado de Serra Branca, e lá ficou.
Bom, pelo menos seu coração foi conquistado pelo povo,
disposto a aprender, mudar o que for preciso, transformar o que for possível.
Simone trouxe gente para ensinar, resgatou o ofício de criar. E mãos que
outrora se desgastavam na lida da roça, hoje tecem palhas, lapidam pedaços de
madeira, compõem a arte da possibilidade e da recriação.
O Povoado de Serra Branca vive basicamente da
agricultura de milho, feijão e sisal. O Programa de Envolvimento das
Comunidades e Geração de Renda tem o apoio do SEBRAE e o Movimento João de
Barro, que periodicamente ministram oficinas para criação e empreendedorismo de
associações locais, melhoria de produção e estratégias de venda de artesanato.
Simone Tenório, com o apoio da Fundação Loro Parque e do Instituto Arara Azul,
segue seus passos na coordenação e educação ambiental nas escolas rurais.
Pelas mãos de D. Branca, uma pequena senhora de traços
e palavras fortes, Simone conheceu o artesanato com a palha de uma espécie de
bromélia da caatinga, o Caroá (Neoglazovia variegata). Tradição restrita a
pouquíssimas pessoas, a rede de caroá hoje é tecida pela família de D. Branca,
que manteve esta tradição passada por seus pais e avós. Neste novo caminho de
geração de renda, o Programa propôs formas naturais de tingimento das fibras,
com raízes, folhas e frutos da caatinga, obviamente sem danos ambientais, além
de iniciar o plantio do caroá para que não haja uma sobrecarga nas plantas
nativas. E da mesma forma, pretende organizar oficinas para despertar o
interesse nas gerações jovens.
Com 07 anos de vida e 26 associados, a Associação de
Artesãos de Santa Brígida trabalha com a produção dos artesanatos com palha de
Licuri e entalhe de madeira de umburana (Amburana cearensis) morta. De forma
empírica, sempre tiveram preocupação na retirada consciente da palha. Através
do SEBRAE, foram orientados pela SEMEAR Ambiental, que definiu uma metodologia
mais eficaz no manejo sustentável da palmeira. São duas folhas por palmeira,
com um prazo de 90 dias para a próxima colheita. Este conhecimento foi
compartilhado com o povo de Serra Branca.
O Programa de Envolvimento das Comunidades e Geração de Renda trabalha ainda com outros tipos de artesanato, produzidos pelas Associações União das Mulheres de Monte Alegre (AUMA) e Mulheres Empreendedoras da Agrovila Caritá, que juntas contribuem com a renda de 33 mulheres associadas. Com enormes teares manuais, tecem os mais variados produtos feitos com algodão natural. As Araras se beneficiam com a divulgação de estampas impressas em sacolas, em prol de sua conservação.
Para saber mais: Na Revista Terra da Gente, de Julho, produzi uma matéria sobre a Arara-Azul-de-Lear e sua conservação pela arte do
Licuri. O Artesanato tem sido comercializado pelo Ponto Solidário, em SP, e
Ecoloja (www.ecoloja.art.br) Contato de Simone Tenório: simonetenorio@gmail.com
Apoios: O Programa de Envolvimento das Comunidades e Geração de Renda conta com o apoio dos seguintes parceiros: Instituto Arara Azul, Fundação Loro Parque, SAVE Brasil, SEBRAE, Semear Ambiental, Tam Viagens, Hotéis Formule 1 e Associação Movimento João de Barro.
Adriano
Gambarini é fotógrafo há 15 anos. Formado em Geologia, espeleólogo e
mergulhador, é membro do Conselho do Pró-Carnívoros, fotografa para WWF, TNC,
CI e Terra Brasilis. É autor de sete livros fotográficos e dois de poesia,
possui 50 mil imagens de biodiversidade e cultura do Brasil, Antártida e 17
países.