Não é de hoje que os cientistas se viram para a biologia para detectar a mentira. O recurso ao teste do polígrafo, vulgo detector de mentiras, tem já uma longa história na investigação criminal, embora os seus resultados sejam cada vez mais contestados. A explicação é simples: o método mede as alterações em processos fisiológicos como a pressão sanguínea, o ritmo cardíaco e a respiração, sinais de ansiedade que hoje se reconhece estarem longe de ser totalmente fiáveis para avaliar a honestidade de uma pessoa.
Por isso, os cientistas estão voltando a atenção para outras partes do organismo que forneçam pistas mais credíveis sobre os mecanismos da mentira, em particular o cérebro. Recorrendo a uma máquina de ressonância magnética semelhante às que se encontram em qualquer hospital, Daniel Langleben, psiquiatra e neurocientista israelita da Universidade da Pensilvânia, conseguiu observar a forma como a mentira se processa no cérebro.
O princípio de Langleben é simples: para mentir ou ocultar a verdade, as pessoas precisam realizar mais atividades cerebrais que aquelas que efetuam quando são honestas. Segundo o cientista, há três áreas do cérebro que se tornam mais ativas quando mentimos: o córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex parietal e o córtex cingular. A olho nu não é possível detectar esse processo, mas se a pessoa for submetida a uma FMRI é possível verificar que há um aumento do fluxo sanguíneo para essas regiões do cérebro, indicação clara que elas estão a trabalhar mais para distorcer a verdade. “As melhores estimativas apontam para uma precisão de 90 por cento, mas poderá ser maior com alguns desenvolvimentos técnicos”, revelou Langleben. Para Susan Hamilton, esta novidade científica pode ser a última oportunidade de ver reconhecida a sua inocência e limpar o nome. Em 2003, a cidadã escocesa de 42 anos foi condenada a três anos de prisão, depois de o tribunal ter dado como provado que, ao longo de quatro anos e meio, envenenou uma criança que sofria de uma doença terminal. Hamilton, que tinha que alimentar a menina através de um tubo ligado diretamente ao estômago desta, foi presa depois da jovem ter dado entrado UTI com doses massivas de sódio no sangue, que teriam sido injetadas pela mulher. Hamilton cumpriu a pena, mas continua hoje a clamar inocência.
O caso renasceu no Verão passado, quando a britânica se submeteu a um teste realizado com a nova técnica. A experiência foi financiada pelo canal de televisão britânico Channel 4, que a exibiu num episódio do “reality show” “Lie Lab” (Laboratório da Mentira), que apresentou, entre outros casos, a história de um homem acusado de ser terrorista e uma mulher que alega ter sofrido abusos quando criança.
Sean Spence, catedrático de psiquiatria na Universidade de Sheffield, no Norte de Inglaterra, interrogou Hamilton sobre os fatos constantes no processo enquanto o aparelho de ressonância magnética recolhia as imagens do seu córtex cerebral. Os resultados, explicou o cientista, indicam que ela disse a verdade “quando afirmou estar inocente”. O estudo foi publicado na revista “European Psychiatry”.
Segundo o cientista, a FMRI poderá ajudar a resolver questões de inocência ou culpabilidade em processos judiciais, mas “serão necessários mais estudos para comprovar a sua fiabilidade”.