...Na sala ou no quarto, de frente para a televisão ou
para o computador, vendo o espetáculo numa tela menor. Ou seja, a coisa tem de
ser avaliada sobretudo como uma produção para a tela caseira e cada vez mais prevalente. Talvez
tenha sido aí que a produção mais falhou. Fora duas ou três diatribes — o gozo
feito ao filme “Paranormal Activity”, Ben Stiller a falar navi porque a outra
opção teria sido aparecer com farda nazi —, o show caiu na sala como o morto
cai no chão. O som produzido soou surdo e definitivo. Graças a Deus, ou pelo menos
a Nossa Senhora de Los Angeles, tivemos direito a alguns discursos mesmo
sentidos e que merecem respeito, como foram as declarações de amor conjugal
feitas por Mo’Nique e Jeff Bridges, e, como estamos na pátria das cinderelas, Sandra Bullock lembrando que foi à
custa de muito trabalho (e de bater nos pontos certos mesmo quando faz
discursos de aceitação) que lhe deram um dos momentos mais altos da noite. A
mãe alemã, Helga, também veio à baila, o que trouxe aquela noite de gala para
um nível terno e generoso que conseguiu contrariar os arrebiques dourados de
muita coisa falsa que paira por ali. Por todo o lado houve faíscas, mas a
caverna do Kodak manteve-se como que assombrada no meio de um dos espetáculos
mais modestos e sem ritmo da história do Oscar.
Na sala da imprensa, o ambiente foi dominado pelo
barulho que rodeia as viragens históricas. No palco, os discursos são cortados
a meio, mas, ali, os vencedores têm tempo para dizer o que lhes apetece. Com
uma estátua na mão, Sandra Bullock diz que não tem medo de colocar numa mesma
prateleira os dois prêmios que ganhou esta semana: o Oscar e o Razzie. “Dão
perspectiva um ao outro. Equanimidade. Vão impedir que me leve demasiado a
sério”, referiu ela sem dar tempo ao ataque inimigo. Para o jantar, agora que
pode finalmente respirar fundo, a melhor atriz do ano vai pedir hambúrguer.
Não, não tem medo que os botões, o zíper e os pespontos no seu vestido Marchesa
saltem com a pressão.
Sandra não é a única que vem metalizada, dourada,
prateada, coroada. Kate Winslet aparece
num vestido estreito Yves Saint Laurent que lembra uma guerreira coberta de uma
armadura inviolável. Cameron Diaz é outra que vem num vestido de luz
encadeante. Mo’Nique trata todos os repórteres por sugar, o que levanta revoada
de gargalhadas entre o contingente estrangeiro, porque o termo é mesmo em
estilo Hattie McDaniel, a atriz de “E Tudo o Vento Levou” que ganhou o primeiro
Oscar negro e é homenageada pela Mo’Nique não só no discurso de aceitação mas
também pela camélia no penteado e por tanto palavreado doce.
A noite não acaba sem aparecer num dos corredores uma
visão: Jeff Bridges com o Oscar numa mão e, na outra, um flute de Moët et
Chandon. Lauren Bacall passa por ali, Javier Bardem espera no corredor enquanto
a Penélope retoca o batom e, claro, Jennifer Lopez, ainda a única vedete que se
atreve a ser espetacular, vigia num espelho os seus contornos traseiros no meio
de uma flor em forma de vestido com rótulo Armani Privé. Tchim-tchim. No ar há
várias conversas em idioma estrangeiro. A um canto, o austríaco Christoph Waltz
fala alemão, outra vez. Depois da vitória assegurou que a época dos prêmios tem
sido estonteante, mas capaz de deixar saudades. Jeff Bridges, que recebeu
finalmente dois créditos há muito devidos (eleição e ovação de pé) concordou
que a sua carreira tem sido feita de altos e baixos.
Kathryn
Bigelow, essa, apareceu e reinou sem pestanejar, provando que,
embora a Casa Branca ainda só esteja ao alcance das minorias, Hollywood já vai
muito mais avançada na prática de dar os comandos a uma mulher. É ela a grande
vencedora da noite, não só por ser a primeira mulher a receber um prêmio com
tanta história mas, sobretudo, por ter feito o filme mais honrado do ano. Que
emoção. Quando o show chega ao rubro, os nomes dos cinco realizadores nomeados
são lidos antes de ser aberto o envelope. Há uma câmara colada à cara de James
Cameron e outra à cara de Bigelow. Eram eles os únicos dois vencedores
possíveis na categoria, e não tinha ficado claro se a academia ia dar razão ao
virtuosismo técnico e aos lucros do filme “Avatar”, ou se, pelo contrário, ia
ouvir o murmúrio angustiado retratado na intimidade de homens fardados
dependentes do perigo e da guerra. O grande drama da noite terminou com o
sorriso brilhante de Kathryn Bigelow. Dela e de todos os outros: cada nomeado recebeu, à saída, uma mala com presentes lá dentro. Um deles era um safári de
luxo em África que custa 45 mil dólares.