Cortando a respiração...

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Aos seis anos, já fazia truques no metropolitano de Nova Iorque. Aos 23, produziu, realizou e apresentou o seu primeiro programa na televisão. Desde então, não tem cessado de surpreender o mundo com proezas de suster a respiração. Eis David Blaine, o Harry; “Quero ficar meia hora sem respirar”

Cortando a respiração...

 


Já se enterrou vivo durante sete dias. Já se fechou por mais de 60 horas num bloco de gelo. Já permaneceu de pé em cima de um espaço mínimo de 56 centímetros, 30 metros acima do chão, durante mais de 34 horas, sem comer ou beber, correndo o risco de sofrer tonturas ou qualquer desequilíbrio. Foi fechado numa caixa transparente de dois metros de altura por dois de largura, suspensa nove metros acima do Tamisa, em Londres, que ganhou fama mundial. Permaneceu lá durante 44 dias, alimentando-se apenas de água. No ano passado, garantiu um lugar no “Livro de Recordes do Guiness” ao permanecer 17 minutos e quatro segundos sem respirar debaixo de água. Revela que a sua ambição é um dia atingir a barreira dos 30 minutos. E ainda não desistiu de desafiar os limites do sono e de saltar de um helicóptero para um rio de uma altura considerada letal.

Que idade tinha quando se deixou fascinar pela magia? Tinha quatro ou cinco anos. Punha-me de pé em cima de uma cadeira, num restaurante qualquer, e começava a fazer mágica para as pessoas. Uma vez, tinha seis ou sete anos, perdi a minha parada de metrô porque estava fazendo mágica para as pessoas que estavam ao meu lado e deixei cair as cartas. Não admitia perdê-las. O que é que o fascinou na mágica? Em primeiro lugar, adoro cartas. Adoro senti-las, e trago-as sempre comigo. Depois, adoro Matemática e Ciência. Essas duas realidades ajudam a explicar porque é que me apaixonei pela mágica. Quando é que percebeu que esta seria a sua vida? Logo aos cinco anos disse à minha mãe que era aquilo que eu queria fazer. E ela o apoiou? Totalmente. Se não o tivesse feito, provavelmente não teria sido capaz de chegar até aqui. Em criança, eu fazia coisas que hoje me parecem bem parvas, que nada tinham a ver com mágica, mas ela dizia sempre coisas como: “Isso é incrível!” Foi o meu maior apoio.

A certa altura, o seu trabalho passou a ser menos sobre ilusionismo e mais sobre grandes façanhas de resistência, em que testa o corpo e a mente. O que o levou a seguir esse caminho? Sempre fui um admirador e um estudioso do trabalho de Houdini. Sempre gostei do fato de ele, sendo um mágico, fazer também grandes proezas, grandes fugas. Provavelmente, foi isso que plantou a semente. Mas também nunca quis copiar o que ele fazia, por isso desenvolvi o tipo de coisas que gosto de fazer, como suster a respiração, fazer jejum, coisas em relação às quais sempre estive fascinado desde criança. Tudo começou quando, em 1999, se enterrou vivo num caixão translúcido, debaixo de um tanque de água de três toneladas, e lá passou sete dias, sem comer nada e bebendo apenas duas ou três colheres de água por dia. Não havia truque nenhum? Absolutamente nenhum. Não comi nada durante uma semana, mas qualquer pessoa pode passar uma semana sem comer nada. Todo mundo pôde ver que nunca saí do caixão. Como é que respirava lá dentro? Havia um sistema de ventilação. Qual foi a sua proeza mais complicada? Quando esteve fechado numa pequena caixa de dois metros e suspenso nove metros acima do Tamisa, durante 44 dias, sobrevivendo apenas com água? Essa foi a minha favorita, mas não foi a mais difícil. A mais difícil foi quando estive três dias e três noites totalmente fechado num bloco de gelo, com um frio enorme, sem poder dobrar-me, sem conseguir dormir durante todo o tempo. Há quem pense que se tratou de uma ilusão. Haverá sempre quem duvide. Sendo mágico, é natural que as pessoas questionem. Se tivesse começado como atleta, ninguém questionaria. Felizmente, muitas das pessoas envolvidas no processo sabem como é possível fazê-lo e poderão contá-lo um dia. Mas também acho que o interesse está nesse ceticismo de saber se estou realmente ali, se é um holograma. Não tenho qualquer problema com isso. Em Londres, foi difícil estar 44 dias sem comer? Não, de modo algum. Essa foi a parte fácil. Sobrevivi apenas com água, sem quaisquer nutrientes. O difícil são as dores pela falta de comida. É como se o organismo me estivesse a comer os músculos. No hospital, tiraram-me sangue, analisaram-no e publicaram até um estudo num jornal médico sobre essa experiência. Como é que se preparou? Fiz um longo jejum antes, de cerca de 20 dias, apenas para ter a certeza que me sentia confortável e que conseguia estar sem comer muito tempo. E engordei cerca de seis a nove quilos antes, o que desregulou o meu sistema até hoje. O meu peso flutua sempre muito. Lembra-se qual foi a primeira coisa que comeu? Um pequeno pacote de batatas fritas que um amigo tinha deixado, quatro dias depois de ser internado. Tive dores horríveis. Foi aconselhado a não ter sexo com a sua namorada durante algum tempo, mas o fez ainda no hospital... Acho que não foi nada de especial. Eles não tinham bem a certeza do que é que eu podia ou não fazer. Entrou para o “Livro de Recordes do Guiness” por ter conseguido, no ano passado, suster a respiração debaixo de água durante 17 minutos e quatro segundos, um recorde mundial [antes encheu os pulmões de oxigênio puro, o que é permitido pelos regulamentos]. Era uma obsessão, depois de ter falhado o recorde um ano antes? Uma obsessão?... [hesita] Sim, provavelmente. Continuo obcecado com isso. Quero conseguir chegar aos 30 minutos. Que proezas ainda ambiciona fazer? Tantas... Sinto-me, por exemplo, fascinado pela privação do sono. Tenho trabalhado nisso. Também quero um dia saltar de helicóptero para um rio de uma altura considerada letal. Tenho treinado muito. Presumo que não tema a morte. Não, não temo. Mas tem consciência que a desafia muitas vezes? Trabalho muito para me preparar, mas sei que há sempre a possibilidade de as coisas correrem mal.

O mágico resistente

Não é tarefa fácil traçar o perfil deste nova-iorquino, nascido no Brooklyn, há 36 anos, de pai católico de ascendência porto-riquenha e mãe judaica de ascendência russa. Não só porque o mistério é a alma do seu negócio mas também porque tentar catalogá-lo esbarra numa certa ambiguidade. Não há um só David Blaine. Há o ilusionista que foi para a rua aproximar a mágica das pessoas e aos 23 anos recebeu um cheque de um milhão de dólares para produzir o seu primeiro programa de televisão em prime time. Mas há também o endurance artist (artista de resistência, numa tradução literal) — expressão que o próprio registrou como marca — capaz de ficar 44 dias sem comer dentro de uma caixa suspensa sobre o rio Tamisa ou de suster a respiração debaixo de água durante mais de 17 minutos. De um lado a magia, do outro a superação. Ilusão versus realidade. No meio, o espetáculo. Mais do que um mágico, mais do que um homem capaz de desafiar os limites da mente e do corpo, Blaine é um entertainer. Essa sua essência é também a sua Némesis. Porque os dois mundos se confundem, haverá sempre quem questione as suas proezas, algo a que nem Houdini, o maior de todos os mágicos e mestre na arte da fuga, escapou. De que outra forma, senão recorrendo a uma enganação qualquer, poderia alguém resistir durante quase três dias dentro de um bloco de gelo bem selado? Como poderia alguém sobreviver fechado numa caixa transparente durante 44 dias sem ingerir nada mais do que água? É óbvio que Blaine não teme a morte. O fermento do seu sucesso inclui alguma coragem e uma boa dose de loucura, mas rejeita qualquer truque. As proezas, explica, não têm a ver com mágica, mas com testar os limites do corpo. O ingrediente nada secreto é feito de muito treino e de uma preparação exaustiva, como em qualquer modalidade esportiva. “Se tivesse começado como atleta, ninguém me questionaria. Sendo mágico, é natural que o façam.” Pode soar a lamento, mas não é. Blaine sabe bem que é esse ceticismo e esse mistério que alimentam o seu trabalho, um negócio que tem movimentado muitos milhões de dólares mas também desafiado o seu organismo. Depois de ter sido retirado do gelo, onde permaneceu durante quase 64 horas, precisou de um mês para voltar a andar. Por culpa dos 44 dias que, em 2003, passou sem se alimentar, os seus órgãos entraram quase em falência múltipla, o que lhe poderia ter custado a vida. No final, perdeu 24,5 quilos (um quarto do peso original) e teve de passar por um complexo processo de realimentação. A experiência foi relatada pelos médicos que o assistiram no prestigiado jornal médico “The New England Journal of Medicine”. Sem ilusões nem truques


Autor: Adolfo de Castro
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