O último homem a pisar a
Lua continua a correr o Mundo aos 75 anos. Mas, em vez das glórias do passado,
Eugene Cernan fala dos sonhos do futuro
“Tenho uma grande responsabilidade, fui à Lua, gosto de
partilhar essa experiência com as pessoas, a minha história é estimulante, mas
não vivo do passado, vivo para o futuro dos meus netos”, esclarece o antigo
piloto de aviação da US Navy, que pertence ao grupo restrito dos três
astronautas que fizeram duas viagens à Lua (os outros foram Jim Lovell ).
E insiste na importância de realizarmos os nossos
sonhos, porque são eles que nos estimulam, que nos entusiasmam, que fazem
avançar a civilização. “Desde criança o meu grande sonho era voar”, conta
Eugene Cernan, hoje embaixador da Omega, a marca de relógios usada pelos
astronautas, que tem baseado uma parte da promoção da sua imagem no prestígio
da exploração do espaço e que lançou uma série de iniciativas em todo o Mundo
para comemorar os 40 anos da chegada dos primeiros seres humanos à Lua, em
Julho de 1969.
Ele ainda conserva o cabelo bem penteado — embora
totalmente branco —, as mãos grandes e o ar robusto das fotos oficiais da NASA,
quando embarcou como comandante da missão Apollo 17, em sete de Dezembro de
1972, acompanhado por Ronald Evans e
Harrison Schmitt. Hoje, a sua missão é outra. “Sou convidado com frequência
para conferências e palestras dirigidas a
estudantes, professores, cientistas,
empresários e gestores em todo o Mundo, do Japão a Itália, de Malta aos EUA”,
afirma Cernan. “Nessas ocasiões partilho a minha experiência de astronauta, a
minha vida e os meus pensamentos, e motivo as pessoas, em especial as mais
jovens, para a importância da exploração espacial e da descoberta.”
O astronauta é muito crítico em relação a alguns
megaprojetos atuais, como a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla
inglesa), que além do mais tem conhecido atrasos sucessivos, e faz questão de
distinguir claramente o significado de duas palavras aparentemente parecidas,
que em português se transformam em uma só: “exploitation” e “exploration”
(exploração, nos dois casos). “Exploitation” é usar qualquer coisa de uma forma
injusta, é aproveitar-se dela. “Exploration” é um objetivo de grande nobreza, é
investigar tendo como objetivo a descoberta. “O que está acontecendo na Estação
Espacial é ‘exploitation’, mas eu quero voltar à ‘exploration’, quero que o
Homem vá onde nunca esteve antes.”
Eugene muda de repente de entrevistado para
entrevistador, bombardeando-me com perguntas. “Você sabe quantas pessoas estão
neste momento na ISS? Sabe o nome de alguma delas? Há um Vaivém Espacial que
parte dentro de dias. Você consegue dizer o nome de algum dos seus tripulantes?
Não consegue, pois não? Pois eu também não... Mas sabe quem foi John Glenn ou Neil Armstrong, não sabe? É essa a diferença!” Ou seja, eles foram os pioneiros.
E o interrogatório continua: “Qual é a diferença entre
o que eu fiz e o que esses navegadores fizeram há 500 anos? O lugar é o mesmo,
a Terra é a mesma, somos todos exploradores, fomos onde ninguém tinha ido
antes.” E se pudéssemos pôr lado a lado Neil Armstrong e Vasco da Gama, por
exemplo, “fazíamos as mesmas perguntas: quando partiu para a sua viagem pensou
que ia regressar?, estava com medo?, imaginava que ia chegar até ao fim do
Mundo?, o que sentiu quando pisou uma nova terra?...”
A exploração e a descoberta são sempre uma procura de
conhecimento, as perguntas são sempre as mesmas, não há diferenças entre
épocas, e o que nós recordamos “não são as tecnologias que permitiram essa
exploração e essa descoberta, porque amanhã estarão obsoletas”, mas as pessoas
que as concretizaram. “Quando fomos à Lua abrimos a porta para os que seguissem
os nossos passos poderem ir a Marte, e o Vaivém Espacial e a Estação Espacial
Internacional não são uma etapa intermédia, são grandes projetos científicos de
cooperação internacional” onde se pode aprender mais sobre os efeitos
fisiológicos e psicológicos de uma permanência prolongada de um astronauta no
espaço ou noutro planeta “mas que não vão a lado nenhum, não entusiasmam as
pessoas, não despertam paixões, não as fazem sonhar”.
O sonho de criança do astronauta era voar, e o sonho do
pai, Ondrej Cernan, era dar-lhe uma educação adequada, que ele nunca pôde ter.
“E os dois sonhos, lado a lado, permitiram que eu um dia fosse à Lua.” Ir à Lua
ou a Marte será sempre um estímulo
educacional “que pode inspirar os jovens a sonhar, a quererem fazer aquilo que
nunca foi feito”. Por isso, “a verdadeira herança que nós deixamos não é a
tecnologia que permite voar até ao espaço, mas antes a inspiração que podemos
dar a muita gente para realizar os seus sonhos”.
Mas a realidade não está nada fácil. A NASA tem planos
para regressar à Lua em 2020, só que
a crise econômica e financeira tem estado a dificultar a aprovação pelo
Congresso norte-americano dos fundos necessários ao programa de vôos tripulados
da organização. “Temos visto dinheiros públicos aplicados nos EUA em projetos
que são questionáveis, quando uma parte dos investimentos do Estado para
estimular a economia e criar empregos poderia ser aplicada na indústria e nos
programas espaciais”, sugere Cernan. E salienta que a opinião pública tem
muitas vezes a ideia de que os gastos na exploração espacial são demasiado
elevados, “mas, se fizermos as contas, o programa espacial custa menos de um
por cento dos impostos pagos pelos contribuintes”.