Vidabrasil circula em Salvador, Espírito Santo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo Edição Nº: 328
Data:
15/5/2003
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Seria o ex-presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz, um preso político?
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osé Caldas entrega cópia de seu livro “Caparaó: cabras e ratos” a Carlos Heitor Cony, que vai prefaciá-lo
Gastronomia

Salvador é uma cidade debruçada sobre o mar, com o qual confabula há alguns séculos, mas que somente nos últimos anos vem sendo brindada por empreendimentos que apontem a massa líquida como privilegiado caminho. A tendência está fazendo com que surjam iniciativas especiais, como o restaurante Galpão, situado em frente à Praia da Preguiça, onde o antigo e o moderno casam-se à perfeição. Quem visita seus sofisticados espaços elaborados através de soluções originais não consegue imaginar o ressurgimento do lugar, realizado durante um ano, a partir das colunas originais que sustentaram paredes sem teto durante décadas.  
O empresário Pedro Paulo Bastos é um dos sócios do restaurante, surgido por sua inspiração depois de anos de conhecimento e reconhecimento das melhores casas do mundo, e dos vinhos que são sua paixão. Não é de espantar o perfeccionismo utilizado para a definição da carta de vinhos, que ficou a seus cuidados, buscando um casamento perfeito com o cardápio elaborado pelo conceituado chef francês Laurent Suadeau.  
Natural de Belém, Pedro Paulo Bastos, 58 anos, é um engenheiro que trabalhou com Economia e mora na Bahia há 30 anos, tendo participado do início do processo de industrialização no Pólo Petroquímico de Camaçari e no Centro Industrial de Aratu. Formado no Pará, realizou mestrado na PUC-RJ, tendo permanecido na empresa Odebrecht durante longo período.  
Semelhanças – “O paraense é um gourmet em potencial devido à variedade de gostos e frutas disponíveis para a alimentação no dia-a-dia. Nesse aspecto, a Bahia e o Pará possuem características muito semelhantes”, disse o empresário. Devido às constantes viagens exigidas por sua atividade profissional, ele ampliou seu gosto e conhecimento à gastronomia e aos vinhos. Esta rotina lhe permitiu experiências fundamentais, e Pedro Paulo orgulha-se em dizer que conhece metade dos restaurantes três estrelas da França, além das melhores casas em Nova York e Chicago.  
“Os grandes restaurantes americanos são dirigidos por chefs franceses”, ressalta o empresário, que utilizou este conhecimento para estabelecer a linha mestra da culinária do Galpão, dando ainda contribuições que permitiram um casamento perfeito entre as culinárias do Pará e da Bahia. Dentro desta filosofia, pôde ainda mensurar a indicação feita por Laurent Suadeau, para a função de chef da casa, do bretão Marc Le Cornec, um apaixonado por culinária, atraído pela vizinhança da casa com o mar pelo qual é fascinado.  
Ingredientes locais – A trajetória do profissional de 28 anos impressiona. Quatro casas em que o chef executivo do Galpão trabalhou integram a reputada publicação francesa “Les Grandes Tables du Monde”, uma seleção rigorosa dos melhores restaurantes do mundo. Marc Le Dantec trabalhou no La Bastide St. Antoine (2 estrelas Michelin na Côte d Azur); no Les Maisons de Bricourt (2 estrelas Michelin na Bretanha), no Daniel (Nova York)e no Falsled Kro (Dinamarca).  
Com ele, a casa vem desenvolvendo o moderno conceito de cozinha contemporânea, que prega a união da tradição francesa de cozinhar com o uso de ingredientes locais, explica Pedro Paulo. Depois de trabalhar em São Paulo, o chef não esconde que a localização do Galpão foi fundamental para que ele aceitasse o convite. O fato de poder interagir com os pescadores das imediações é fundamental, permitindo que sejam desenvolvidos pratos especiais como o gratinad de pinauna e o siri-mole sobre cama de espinafre e rúcula com molho de camarão. Ambos feitos com matéria-prima de qualidade e frescor, recém-pescada nas águas azuis da Baía de Todos os Santos, acrescenta.  
Quadro vivo – A localização do Galpão, na Cidade Baixa, foi escolhida com extremo cuidado, sendo de um ano o período entre sua concepção e reconstrução. Sua posição em frente ao chamado banco da Panela, parte da área portuária de Salvador até o início do século XX, faz com que o lugar adquira um charme especial. A garimpagem para encontrar o ponto certo foi trabalho de Pedro Paulo, que viu nas ruínas de paredes de adobe sem teto, divididas por arcos, o ponto perfeito para a casa que vinha idealizando.  
Antes da construção do Porto de Salvador, o banco era ponto de fundeio de embarcações que chegavam e saíam da capital baiana, por possuir pouca profundidade e ter um fundo de cascalho. A praia da Preguiça, que ladeia a construção, é recoberta por seixos, com características muito diferentes de outros pontos de Salvador e muito semelhante à região da Riviera, no sul da Europa. Praticamente só é freqüentada pelos moradores da Avenida Contorno e Gamboa, possui águas tranqüilas que fazem com que os barcos parados ao lado do Bahia Marina flutuem levemente, levando quem observa o quadro a ter uma sensação de paz e descanso.  
Pedro Paulo e os sócios procuram se cercar de arquitetos sensíveis às marcas do tempo na construção, mas capazes de encontrar soluções originais para tornar o local agradável e confortável. Marcas da construção original do edifício, os arcos foram mantidos na fachada do acesso principal. Como na estrutura da cidade de Salvador, a parte interna possui dois níveis: o primeiro foi construído num patamar elevado, abrigando o "lounge", com área interna e varanda de madeira, o bar e a adega.  
Separado por um jardim de inverno, fica o segundo nível. Neste situa-se o salão principal, com oito arcadas voltadas para o mar, e de onde se avistam a baía e a Ilha de Itaparica. O vidro ultratransparente dá a sensação de que o cliente pode sair direto para a praia, mas uma tela que escurece o ambiente permite uma dose extra de conforto. O planejamento do ambiente interno ficou a cargo do arquiteto Avelino Fernandes, que privilegiou a funcionalidade e o aproveitamento da paisagem.  
Os móveis foram desenhados pelo arquiteto Fernando Peixoto, também responsável pelo projeto de reforma. O bar é decorado por cadeiras em fibra natural e inox , enquanto poltronas em espuma moldada foram adicionadas ao "lounge" e sofás de couro à recepção, gerando um efeito despojado. Como dose extra de singularidade, um deck com cadeiras brancas permite que o freqüentador avance em direção ao mar, enquanto observa nas paredes do fundo o aspecto original da construção antes da instalação do restaurante.  
Para degustar e sonhar – O cardápio do Galpão mostra o talento e a intensa experimentação de Laurent Suadeau que fizeram surgir pratos de base clássica na cozinha francesa, combinados a ingredientes bem locais. Neste caso, o blini de tapioca ao siri e guacamole e o suprême de badejo grillé, vinagrete ao maracujá com quenelle de grão-de-bico. Em outros, os frutos do mar elaborados com iguarias da terra fazem a diferença, à exemplo da lagosta grelhada ao creme manjar, purê de banana-da-terra e chips de acarajé; Peixe do dia à páprica, acompanhando purê de mandioquinha e batata-doce, azeite de oliva e ervas.  
Na maior parte das opções, das entradas aos pratos principais e massas, os ingredientes básicos são frutos do mar, tal como o cassolette de lambreta. Mas carnes e aves também são objeto de inovações, como o especialíssimo confit de pato laqueado ao tucupi e semente de coentro, o magret de pato, molho jabuticaba, legumes gratinados ou perdiz recheada com cogumelos e castanha de caju, couve refogada, molho de tamarindo.  
O fecho de ouro são as sobremesas que seguem a mesma tendência, combinando bananas, caju e pêras a bebidas como rum e cachaça, e adicionando delicados cremes de amêndoas e de confeiteiro ao sabor de flor de laranjeira.  
A confecção destas iguarias é feita na cozinha, cujo layout, construção e definição de equipamento estiveram sob orientação de Laurent Suadeau. O atendimento aos clientes fica a cargo de uma equipe de 50 funcionários, que se dividem no estacionamento grátis (80 vagas) e nos serviços de cozinha, mesa e bar. Em funcionamento há cinco meses, o Galpão abre de segunda a sábado (neste dia fecha para o almoço), do meio-dia às 15 horas, a partir das 18 horas (happy-hour) e das 19 horas à meia-noite (jantar)  
Palavra de sommelier  
Natural de Marília, o sommelier do Galpão, Júlio Dias (foto), vê com alegria o crescimento da demanda por profissionais de sua especialidade e o aumento do consumo de vinhos de boa qualidade. Tendo iniciado sua carreira em 1989, ele pôde observar ao longo da década de 90 a verdadeira explosão da quantidade de rótulos disponíveis no mercado, que passaram de 600 para 20 mil, em menos de dez anos. Sua trajetória teve início depois de um curso de garçom na Escola do Senai de Águas de São Pedro, interior de São Paulo, quando começou a trabalhar no Le Bistangoux, na capital paulista.  
Durante os quatro anos em que permaneceu no restaurante, participou de dezenas de cursos sempre voltados para o vinho, suas características e variedades. Ao final deste período, recebeu convite do sommelier Manoel Beato para trabalhar nesta função no Fasano, passando depois para o Apollinaire. “Tive sorte de aprender com pessoas que dominavam o assunto, o que me valeu por toda uma vida de estudos”, assegura.  
Essas pessoas também eram colegas que formaram um grupo de seis profissionais que, depois do expediente, dedicavam-se a comentar as bebidas, a forma de servir e tudo que servisse como aperfeiçoamento para cada um deles. Ele cita como destaque o aprendizado feito por colegas no Lounge, uma casa com capacidade para mil pessoas, onde o champanhe jorrava, num consumo médio de 70 garrafas por noite. Em agosto de 1999, veio o convite de José Carlos Correia Ribeiro para vir morar na Bahia e trabalhar no Trapiche Adelaide, outra das melhores casas de Salvador.  
No local, ele pôde exercitar seus conhecimentos. “Um sommelier tem que possuir informações corretas e experiência com consumo de charutos e café, saber a história das bebidas e ter a vivência como chefe de bar”, pontua. Acrescenta que a parte mais complexa do trabalho deste profissional é a harmonização entre bebida e comida. Isto depende não apenas de técnica, mas também de sensibilidade para avaliar o cliente e seu paladar, e orientá-lo numa base agregar valores às qualidades que já existem.  
Júlio Dias destaca ainda a excelente fase profissional por que passa, trabalhando num restaurante onde o vinho é comercializado por um preço honesto. Para ele, falta ainda muito a aprender sobre sua profissão, que a cada apresenta novos desafios e especificidades.  
 
Carta geográfica de vinhos  
Iniciada a construção do Galpão e definido o cardápio, restou a Pedro Paulo (foto) a heróica tarefa de definir os 120 rótulos que fazem a alegria dos freqüentadores, com vinhos originários de várias partes do mundo. A carta foi dividida em Velho e Novo Mundo, buscando representar o produto originário de cada região do planeta.  
Desta forma, estão representadas grandes garrafas da Alsácia, Bourgnone, Chablis, Rhône, Loire e Bordeaux (França); Piemonte e Toscana (Itália), Ribera del Duero, Rioja e Priorato (Espanha), além de exemplares de Portugal e da Áustria.  
Do Novo Mundo, comparecem Estados Unidos (Califórnia), Nova Zelândia, Chile Austrália, África do Sul e Argentina. O Brasil comparece com os espumantes da Chandon, os brancos da Salton e os tintos da Miolo. Mas como não poderia deixar de ser, não faltam vinhos fortificados (Xerez, Madeira e Porto) e de sobremesa (Sauternes, Muscat, Banyuls e Tòkaji), além dos destinados a meias garrafas e a taças para quem prefere desfrutar sozinho de uma boa refeição.  
Um de seus cuidados principais, disse o empresário, era de não escolher as marcas mais conhecidas e sim buscar o que de melhor surgiu em cada variedade de uva ou em cada blend desenvolvido ao longo dos anos. Ele lembra que a primeira classificação foi feita em 1865, na França, e muitos dos rótulos definidos então como cream de la cream mantêm gloriosamente suas posições. Mas outros igualmente bons e menos conceituados surgiram, e aos poucos vão galgando postos na preferência dos amantes do vinho.  
Para estes, a casa mantém um estoque de Pichon Lallande, de Paulliac, o Cos’Estournel, de St. Estèphe, o Puligny-Montrachet, do Volnay e de Gevrey-Chambertin, entre outros. Desta forma, é possível degustar bebidas de alto valor, sem que sejam esquecidas regiões produtoras de grandes rótulos, mas preservando a relação custo-benefício, assegura Pedro Paulo. Além da carta principal, o Galpão também dispõe de uma carta do Wine Bar, que contém 20 vinhos servidos em taças.


Localização privilegiada, cardápio baseado na cozinha contemporânea e uma carta de vinhos minuciosa e completa fazem do restaurante um lugar especial. Estamos falando é claro, do Galpão
Júlio Dias
Arcos em profusão. Do outro lado, o mar
Pedro Paulo

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