Ao chegar no Porto da Barra, bairro litorâneo de Salvador, siga em fren-
te, ande sempre em linha reta pela avenida Oceânica. Se sentir um cheiro mesclado de dendê e peixe, certamente você aportou num dos bairros mais charmosos da capital baiana, o bairro do Rio Vermelho.
Se Caramuru, o jovem português Diogo Álvares Correa, naufragasse hoje no rochedo da praia de Mariquita, no Rio Vermelho, como ocorreu por volta de 1511 (bem antes da fundação da cidade), lógico que encontraria um cenário bem diferente. Entretanto, se depararia com uma região transbordando de encanto, tranqüilidade e uma beleza singular.
É bem verdade que o navegador também não seria recebido por indígenas, mas sim por uma legião de transeuntes, ecleticamente formada por antigos moradores, pescadores, turistas, comerciantes, empresários, intelectuais e, muitos, muitos, boêmios, que hoje preenchem as calçadas do bairro.
Cortado por morros, avenidas, ruelas, e pontuado por aconchegantes praças, o Rio Vermelho ainda preserva hábitos simples dos moradores, que se sentam à calçada à noite para “jogar conversa fora” e de senhores, que rotineiramente todas as tar-
des jogam dominó embaixo de frondosas amendoeiras.
Abençoado pela natureza, o Rio Vermelho exibe um pôr-do-sol que, sem cerimônia, descortina-se ao lado do Morro da Sereia. É um espetáculo à parte, reforçado pelo mar convidativo, pincelado por embarcações que descansam à beira da praia. Fonte segura dos pescadores, os primeiros a povoarem oficialmente a região, o mar tem uma coloração azul na maior parte do ano.
Viagem no tempo – Já para quem deseja fazer uma viagem no tempo, pode-se andar displicentemente pelas avenidas e ruelas do Rio Vermelho, pois sempre se terá a grata surpresa de avistar sobrados, casarios e monumentos históricos. Os casarios, nem sempre preservados, intercalam-se entre as modernas casas comerciais, dando um toque de graciosidade a cada trecho onde estão fincados.
Os sobrados, verdadeiros palacetes que ostentam janelões e portas de quase quatro metros de altura, clássicos jardins e inúmeros e espaçosos cômodos, foram ocupados por famílias nobres da sociedade baiana, e hoje são aproveitados para exploração comercial. Muitos imóveis serviram de pouso para os veranistas, sendo que na primeira metade do século XX passaram a servir de residências.
Resgate – O sobrado da Praça, localizado na rua João Gomes, é um bom exemplo da união harmoniosa entre o moderno e o antigo. Datado dos meados do século XIX, o casarão abrigou como última família a tradicional Carrascosa Novis. Cuidadosamente reformado pela empresária Eloysa Cabral, também presidente do Conselho Comunitário, Social e de Segurança do Rio Vermelho, o imóvel acolhe negócios diversificados, sem perder as características antigas, manifestadas principalmente no gradil e na fachada. “Fiz um trabalho minucioso de pesquisa, utilizando fotos do casarão. Tive muito trabalho, mas valeu a pena, pois consegui resgatar o passado. Tenho muito respeito por nossas raízes. Uma casa antiga pode ter mil e uma utilidades”, disse a empresária.
O Hotel Catarina Paraguaçu e a Academia Villa Forma também seguiram a mesma filosofia no serviço de recuperação, em que os espaços são adaptados à funcionalidade do imóvel, sem ferir os traços arquitetônicos de época. Caprichosamente, a arquiteta e proprietária dos imóveis, Arilda Cardoso Souza, preservou fachadas, pisos e janelas e reaproveitou boa quantidade de material antigo. Ela engrossa o coro de Eloysa destacando a importância do desenvolvimento de uma cultura de valorização dos prédios históricos do bairro pelos poderes públicos e pela população. “O Rio Vermelho é um bairro simpático e autêntico. Temos que preservar a sua história e identidade, tendo uma maior consciência e mudança de comportamento, acabando com a cultura do desmanchar”, sinalizou.
O acervo cultural é fortalecido pela antiga igreja matriz de Santana, no largo de Santana, onde hoje se desenvolve o trabalho social do bairro. O santuário, que foi desativado e ameaçado de demolição, segue os projetos das igrejas matrizes de irmandades, a partir do século XVIII, e de acordo com o relatório, está ligada ao sincretismo religioso afro-brasileiro.
Em direção à praia, ao lado da nova igreja de Santana, despontam a Colônia de Pesca Z1, a primeira colônia de pescadores de Salvador, e a Casa de Yemanjá (antiga Casa do Peso), erguida em 1919 para guardar os objetos de trabalho dos pescadores e presentes da Mãe das Águas, lançados ao mar na mais importante festa popular do bairro, dedicada a Yemanjá, em Dois de Fevereiro. Em sua frente, posiciona-se a estátua da rainha do mar, do escultor Manoel Bonfim.
No jardim da praça Colombo, está implantada a estátua de Cristóvão Colombo, em mármore europeu, sobressaindo a figura do descobridor das Américas. Na base da coluna, estão quatro figuras humanas esculpidas em bronze
Ao chegar no Porto da Barra, bairro litorâneo de Salvador, siga em fren-
te, ande sempre em linha reta pela avenida Oceânica. Se sentir um cheiro mesclado de dendê e peixe, certamente você aportou num dos bairros mais charmosos da capital baiana, o bairro do Rio Vermelho.
Se Caramuru, o jovem português Diogo Álvares Correa, naufragasse hoje no rochedo da praia de Mariquita, no Rio Vermelho, como ocorreu por volta de 1511 (bem antes da fundação da cidade), lógico que encontraria um cenário bem diferente. Entretanto, se depararia com uma região transbordando de encanto, tranqüilidade e uma beleza singular.
É bem verdade que o navegador também não seria recebido por indígenas, mas sim por uma legião de transeuntes, ecleticamente formada por antigos moradores, pescadores, turistas, comerciantes, empresários, intelectuais e, muitos, muitos, boêmios, que hoje preenchem as calçadas do bairro.
Cortado por morros, avenidas, ruelas, e pontuado por aconchegantes praças, o Rio Vermelho ainda preserva hábitos simples dos moradores, que se sentam à calçada à noite para “jogar conversa fora” e de senhores, que rotineiramente todas as tar-
des jogam dominó embaixo de frondosas amendoeiras.
Abençoado pela natureza, o Rio Vermelho exibe um pôr-do-sol que, sem cerimônia, descortina-se ao lado do Morro da Sereia. É um espetáculo à parte, reforçado pelo mar convidativo, pincelado por embarcações que descansam à beira da praia. Fonte segura dos pescadores, os primeiros a povoarem oficialmente a região, o mar tem uma coloração azul na maior parte do ano.
Viagem no tempo – Já para quem deseja fazer uma viagem no tempo, pode-se andar displicentemente pelas avenidas e ruelas do Rio Vermelho, pois sempre se terá a grata surpresa de avistar sobrados, casarios e monumentos históricos. Os casarios, nem sempre preservados, intercalam-se entre as modernas casas comerciais, dando um toque de graciosidade a cada trecho onde estão fincados.
Os sobrados, verdadeiros palacetes que ostentam janelões e portas de quase quatro metros de altura, clássicos jardins e inúmeros e espaçosos cômodos, foram ocupados por famílias nobres da sociedade baiana, e hoje são aproveitados para exploração comercial. Muitos imóveis serviram de pouso para os veranistas, sendo que na primeira metade do século XX passaram a servir de residências.
Resgate – O sobrado da Praça, localizado na rua João Gomes, é um bom exemplo da união harmoniosa entre o moderno e o antigo. Datado dos meados do século XIX, o casarão abrigou como última família a tradicional Carrascosa Novis. Cuidadosamente reformado pela empresária Eloysa Cabral, também presidente do Conselho Comunitário, Social e de Segurança do Rio Vermelho, o imóvel acolhe negócios diversificados, sem perder as características antigas, manifestadas principalmente no gradil e na fachada. “Fiz um trabalho minucioso de pesquisa, utilizando fotos do casarão. Tive muito trabalho, mas valeu a pena, pois consegui resgatar o passado. Tenho muito respeito por nossas raízes. Uma casa antiga pode ter mil e uma utilidades”, disse a empresária.
O Hotel Catarina Paraguaçu e a Academia Villa Forma também seguiram a mesma filosofia no serviço de recuperação, em que os espaços são adaptados à funcionalidade do imóvel, sem ferir os traços arquitetônicos de época. Caprichosamente, a arquiteta e proprietária dos imóveis, Arilda Cardoso Souza, preservou fachadas, pisos e janelas e reaproveitou boa quantidade de material antigo. Ela engrossa o coro de Eloysa destacando a importância do desenvolvimento de uma cultura de valorização dos prédios históricos do bairro pelos poderes públicos e pela população. “O Rio Vermelho é um bairro simpático e autêntico. Temos que preservar a sua história e identidade, tendo uma maior consciência e mudança de comportamento, acabando com a cultura do desmanchar”, sinalizou.
O acervo cultural é fortalecido pela antiga igreja matriz de Santana, no largo de Santana, onde hoje se desenvolve o trabalho social do bairro. O santuário, que foi desativado e ameaçado de demolição, segue os projetos das igrejas matrizes de irmandades, a partir do século XVIII, e de acordo com o relatório, está ligada ao sincretismo religioso afro-brasileiro.
Em direção à praia, ao lado da nova igreja de Santana, despontam a Colônia de Pesca Z1, a primeira colônia de pescadores de Salvador, e a Casa de Yemanjá (antiga Casa do Peso), erguida em 1919 para guardar os objetos de trabalho dos pescadores e presentes da Mãe das Águas, lançados ao mar na mais importante festa popular do bairro, dedicada a Yemanjá, em Dois de Fevereiro. Em sua frente, posiciona-se a estátua da rainha do mar, do escultor Manoel Bonfim.
No jardim da praça Colombo, está implantada a estátua de Cristóvão Colombo, em mármore europeu, sobressaindo a figura do descobridor das Américas. Na base da coluna, estão quatro figuras humanas esculpidas em bronze
O bairro dos artistas
A peculiaridade do Rio Vermelho estimulou personalidades como Gal Costa, Carlinhos Brown, o saudoso Jorge Amado e Zélia Gattai a escolherem o local como moradia. Uma preferência manifestada pela classe artística das mais diversas áreas culturais – literatura, música, teatro... desde a década de 50, fazendo com que o bairro recebesse carinhosamente o nome de “Bairro dos Artistas”.
Até a década de 70, o Rio Vermelho abrigou um número expressivo de figuras ilustres, como o maestro e pianista Carlos Lacerda, o compositor e cantor Dorival Caymmi, o escritor João Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso, os artistas plásticos Carlos Bastos, Carybé, Genner Augusto, o escultor Mário Cravo Júnior, entre tantos outros. Recebeu também a visita de personalidades ilustres, como o poeta chileno Pablo Neruda e a roqueira Janis Joplin, que freqüentavam o local para ver amigos ou buscar inspiração para suas criações, transformando o Rio Vermelho num ponto de boêmia, que perdura até os dias atuais.
Atualmente, além dos bares e restaurantes, nos largos de Santana e da Mariquita estão concentradas as três famosas baianas do acarajé da Bahia – Dinha, Regina e Cira, o que explica o cheiro forte de dendê, que perfuma as regiões vizinhas, atraindo uma boa freguesia, sobretudo no período de verão.
Nesses largos, profissionais liberais, empresários, políticos, artistas e intelectuais de várias gerações varam até altas horas da madrugada e, entre os goles de cerveja e o saboreio do acarajé, embalam boas conversas, realizam investidas amorosas e reencontram velhos amigos.
Comércio requintado
Nos últimos 20 anos, o Rio Vermelho aglomerou o segmento comercial e cultural nas suas ruas e avenidas. Shoppings, bares, restaurantes, hotéis, bancos, pousadas, escolas, faculdades, supermercados, mercado popular, biblioteca pública, teatros e padarias dão vida ao local, apostando numa clientela eclética, mas também exigente.
Resultado da parceria entre os empresários C. Amorim e Juan Carlos Magliarella, a Domaine Salvador é o mais recente empreendimento que surgiu no Rio Vermelho, para quem aprecia vinhos finos de qualidade. Instalada confortavelmente em dois ambientes sofisticados e climatizados do Sobrado da Praça, a Domaine trabalha com 500 marcas internacionais de vinhos, sendo a maioria não comercializada na Bahia. Além da distribuição do produto às empresas, a Domaine inova no atendimento Wine Bar, tão procurado pelos amantes da bebida.
Ali, uma clientela fina, integrada por empresários, políticos, artistas e intelectuais, são recebidos com gentileza. Em taças de cristal, podem saborear vinhos de marcas de primeira linha, fabricados em 17 países, como a portuguesa Pera Manca, a italiana Michele Chiarlo, a francesa Chatô Mouton, a chilena Alma Viva e a Catena Zapatta, da Argentina.
“Fizemos muitas pesquisas, antes de montarmos a Domaine, com objetivo de atender o mercado interno, carente em Salvador, e ao público bebedor de vinhos finos”, disse Magliarella revelando sua filosofia de trabalho “olhando o vinho como objeto de desejo, percebendo a necessidade de cada cliente”. O seu sócio Amorim emenda afirmando que a empresa, instalada num local apropriado, o sobrado do Rio Vermelho, veio para complementar o segmento, imprimindo um atendimento personalizado e profissional, através de uma equipe de funcionários especializada em vinhos.
O Barbeiro do Meu Pai, barbearia idealizada pelo publicitário Nizan Guanaes, também funciona no Sobrado da Praça. No subsolo, a decoração criada pelo arquiteto Sig Berganin nos remete à década de 50, propiciando o clima nostálgico que fica por conta das cadeiras e balcões em madeira, paredes ladrilhadas, do piso xadrez e serviço de engraxate.
O público freqüentador é formado por homens entre 25 e 70 anos, situados nas classes A e B, que entregam cabelos, barba e unhas aos profissionais, enquanto tomam um bom café ou lêem revistas e jornais. “Montamos a barbearia ao sentirmos a necessidade dos homens terem espaço exclusivo para cuidar da estética, que não fossem os salões femininos”, disse Carlos Alberto Carvalho, sócio de Nizan. O médico Mozart Almeida, desloca-se quinzenalmente do interior da Bahia para usufruir dos serviços do Barbeiro do Meu Pai, na certeza de que ali é a barbearia “de serviço mais adequado e confortável, exercido por pessoal educado, que paparica a gente a todo momento”.
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