As empresas de auditoria têm vivido verdadeiros momentos de pânico. As falências de algumas das maiores empresas norte-americanas cotadas na Bolsa de Valores têm arrastado consigo milhares de pessoas, entre acionistas, trabalhadores, investidores, empresas e, conseqüentemente, o mercado de capitais. As dúvidas persistem. De quem é a culpa? De quem audita a empresa ou dos CEO e CFO pagos a peso de ouro para fazer crescer os lucros? Hoje, mais do que nunca, credibilidade passou a ser sinônimo de sobrevivência. Que o digam as empresas de auditoria.
A primeira a sofrer as conseqüências da falta de confiança do mercado após uma das maiores falências na história dos Estados Unidos foi a Arthur Andersen.
O escândalo financeiro da Enron, que culminou com milhares de pessoas desempregadas, arrastou consigo uma das Big Five da auditoria mundial. O encobrimento dos maus resultados, a falsificação e destruição de documentos e um Relatório e Contas deturpado por parte dos responsáveis pela auditoria da empresa fez cair os mercados mundiais, e com eles os acionistas que perderam milhões. A confiança no mercado bolsista ficou abalada, a Enron desmoronou-se e com ela a Arthur Andersen, que não aguentou a suspeita de falcatruas por parte dos seus clientes. As filiais que a auditoria tinha espalhadas por todo o mundo foram compradas pelas outras Big Five, um movimento estratégico para aumentar os ativos. Com a Arthur Andersen fora da corrida, KPMG, Princewaterhouse Coopers, Ernst & Young e Deloitte & Touche lutam agora para se manterem afastadas de todos estes escândalos que teimam em abalar o setor.
Outros escândalos – Mas a Enron não foi, não é, nem será a única empresa a fazer uso da engenharia financeira para deturpar os resultados. Seguiram-se novos escândalos. Tyco e Qwest, entre outras que ainda estão sob investigação, também conseguiram abalar a confiança dos mercados no início do ano. No mês passado, a WorldCom, a segunda maior empresa de telefonia de longa distância norte-americana, veio a público confirmar que teria contabilizado cerca de 7 bilhões de dólares de forma imprópria, após a Securities and Exchange Comission (SEC) ter começado a investigar a gigante.
Fortemente dependentes dos acionistas, as empresas vêem-se impelidas a deturpar os resultados, como forma de angariar mais capital, quebrando todos os princípios de uma correta Corporate Governance. Outro problema reside nas novas formas de pagamento atribuídas aos gestores de topo. Os prêmios de desempenho e as stock options são um exemplo claro disso. Quanto maiores forem as receitas da empresa, mais o gestor ganha, e quanto mais subirem as ações no mercado de capitais, mais ganha quem as detém. Mas o receio de que situações semelhantes à Enron possam acontecer já levou muitas empresas a reavaliar por baixo as suas previsões de faturamento para este ano.
Penas mais duras – Para evitar que estes tipos de situação se repitam, o Senado americano pretende endurecer as penalizações a serem aplicadas aos gestores financeiros e auditores em caso de práticas ilícitas. Assim, um diretor financeiro ou executivo que certifique relatórios financeiros falsos pode ser condenado a até 20 anos de prisão e pagar uma multa que pode chegar a 5,1 milhões de dólares. A pena por destruição de documentos também pode chegar a 20 anos de prisão. A proposta de lei também prevê a criação de uma comissão de fiscalização privada e independente para controlar a indústria e restringir a possibilidade de firmas de auditoria realizarem trabalhos de consultoria para empresas que estão auditando e disponibilizarem mais verbas para a SEC. Entretanto, para evitar mais escândalos, cerca de 700 das maiores empresas norte-americanas cotadas em bolsa apresentaram no mês passado a certificação de veracidade das suas contas com assinaturas dos presidentes e responsáveis financeiros. Esta medida visa ganhar novamente a confiança no mercado bolsista e nos relatórios empresariais.
Preocupação européia – Já na Europa, a preocupação de que possam também ocorrer escândalos financeiros levou a Comissão Européia (CE) a publicar recentemente uma recomendação no que diz respeito à independência dos Revisores Oficiais de Contas. O documento, que ainda não tem o peso de uma diretiva, incide na credibilidade que precisa ser mantida junto aos mercados financeiros. De acordo com o relatório da CE, “de fato não existe qualquer norma deontológica internacionalmente aceita em matéria de independência dos revisores que possa ser utilizada em toda a UE como referência para as normas nacionais de independência”. A intenção da CE é tranformar a recomendação em diretiva dentro de três anos, para que se possa manter a credibilidade da informa-
ção financeira das empresas junto aos investidores.
Consultorias rentáveis – Outra questão que se levantou em relação à independência dos serviços de auditoria refere-se à prestação de serviços de consultoria por parte da mesma empresa. Isto, porque os serviços de consultoria são mais rentáveis do que os de auditoria. No entanto, para evitar este tipo de escândalo, as Big Four já começaram a fazer Spin-offs ou a vender as áreas de consultoria a outras empresas, como aconteceu recentemente com a venda da PwC Consulting, por parte da Princewaterhouse Coopers, à IBM. De acordo com a OCDE, “as empresas de auditoria e os serviços de consultoria deviam ser atividades completamente separadas. O problema é que os serviços surgem normalmente após a recomendação do auditor externo, durante a realização da auditoia, quando se percebe que os problemas e os assuntos necessitam de experiência adicional por um curto período de tempo. Se a empresa de auditoria não tiver um incentivo para identificar estes problemas, a empresa e os serviços de consultoria vão sofrer”. Um sofrimento que pode ser atenuado se auditoras, gestores e os órgãos regulamentadores agirem com clareza para
que a confiança que desapare-
ceu do mercado de capitais pos-
sa ser restabelecida
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