Orgulha-se
do seu Rubicon, que pode chegar aos 98 euros a garrafa. O cineasta de
“Apocalypse Now” é também o 10.º maior produtor de vinhos dos Estados Unidos.
Que emoções sentiu quando decidiu, há dois anos, voltar
ao cinema?
Talvez porque, quando tinha 18 ou 19 anos, fui educado
na tradição do cinema estrangeiro — feito na França, no Japão, na Suécia e,
claro, na Itália —, a minha vontade sempre foi a de ser um cineasta pessoal.
Mas, quando ainda era muito novo, por causa do sucesso dos meus filmes, passei
a ser um realizador de estúdio. E sempre me perguntei: mas que aconteceu ao
realizador de 18 anos que sempre quis ser? Foi aí que disse: bom, talvez possa
ser isso agora. Talvez possa voltar a ser o realizador-estudante. Talvez possa
voltar a ver com esses olhos. Qual é a definição de filme pessoal? Qualquer
história que desperte em nós um interesse tremendo, talvez porque os problemas
nela focados estão ligados aos problemas que sentimos. Executar o filme é a
pergunta que nos fazemos. O filme feito é a resposta. Infelizmente, mesmo para
quem se mantém saudavelmente produtivo, o fim é sempre o mesmo.
Alguma vez pensa na morte?
Todos morreram sozinhos. Quer dizer, podemos estar
rodeados de familiares ou pode haver gente ali à volta mas, na morte, ninguém
nos acompanha. Ora bem, se temos de estar sozinhos, a única maneira de tornear
o assunto é morrer num momento de graça. Morre num momento de graça quem tiver
amado. Ou quem tiver sido amado. Ao longo da vida compreendi que, no momento
futuro da minha morte, estarei pensando na vida tão interessante que tive.
Trabalhei numa profissão tão fascinante, tive uma esposa maravilhosa, tive
filhos que mais tarde vi trabalhando na mesma profissão bonita, consegui passar
anos fazendo vinhos e tendo sucesso nessa empreitada; e, por isso, a cada vez
que me ponho a fazer uma lista assim, a certeza com que fico é que nunca
morrerei sozinho. Nem sequer vou perceber que morri. Vai ser um momento de
graça.
A percepção geral é a de que se afastou de Hollywood
para se dedicar às vinhas, mas as duas atividades já estão ligadas há muito
tempo. Refiro-me às suas raízes italianas e ao financiamento de filmes
arriscados...
Sabia que o meu
avô foi um dos mil homens que primeiro constituíram o exército de Garibaldi?
Sou americano mas também sou italiano. E, sim, ao longo dos anos, porque os
meus filmes eram pessoais — mesmo os filmes grandiosos são intensamente
pessoais —, o financiamento foi um obstáculo constante. Mesmo num momento em
que, com os dois “Chefões” e com o “The Conversation”, Hollywood me dava cinco
Óscares e reconhecimento de autor, continuei a não conseguir financiamento para
o “Apocalypse Now”. Aliás, não havia
atores que quisessem ir comigo para as Filipinas. Fui eu quem financiou a
coisa, hipotecando a vinha que, mais tarde, iria fazer a minha fortuna. Corri
esse risco enorme durante anos e houve até uma época em que receei perder a
propriedade. Nunca mais me esqueço da minha filha Sofia, muito pequena,
empoleirada no terraço da nossa casa aqui em Napa, gritando para os cobradores
de dívidas: “Fora daqui! Fora daqui já, que não são bem-vindos! Isto aqui é
Tara!”
Não posso perguntar qual dos seus filmes é o preferido mas, nos vinhos, qual é o de que mais gosta?
Não posso dizer.
São como filhos. Será que gosto mais da Sofia que do Roman? Posso dizer-lhe
que, aqui, fazemos um vinho chamado Edizione Pennino. É o Zinfandel americano
mais bem cotado. O nome vem do meu avô, Francesco Pennino. Mas o meu Rubicon também é um vinho muito bom, caro.
Custa cerca de 100 dólares (98 euros) mas é um vinho muito bom. De coleção.
Pode ser guardado que dura pelo menos 50 anos.
Quanto tempo dedica aos vinhos, atualmente? Vejo uma
grande expansão no negócio, aqui à volta, comparado com o que havia. Vivo aqui
e tive a sorte de ter entrado na produção vinícola no momento em que o país
despertou para o consumo de vinho. Depois, para além do prazer que proporciona,
verificou-se que o vinho faz bem à saúde. Antes, só 11% dos americanos bebiam
vinho. Agora acho que vai nos 20%. Num mercado de cerca de 300 milhões de
pessoas, é muito. Sou o 10º maior produtor de vinho do país. Tornámo-nos tão
grandes que tive de fazer uns ajustes. A quinta principal, porque tem produção
própria, passou a produzir apenas o Rubicon. E tenho agora outra casa, desta
vez em Sonoma, muito bonita, que produz a marca Rosso & Bianco. Em Napa só
produzo umas 20 mil caixas por ano. Do Rubicon só fazemos umas 6 mil caixas.
Não quero soar intrometido, mas não é justo falar da
sua produção e esquecer a sua família? Como vão as coisas aqui em casa?
Bom, a minha esposa, Eleonor, talvez eu a tenha
compreendido em 83%. Há mistérios que se mantêm. Se calhar jaz aí o segredo de
uma boa relação. Talvez o desinteresse comece quando consumimos algo por inteiro.
Estamos casados há 45 anos. A novidade na família é a Romy, filha da Sofia,
francesa, de olhos azuis. Tenho uma neta, a Giancarla, com 21 anos. Sinto que
sou candidato a bisavô. Seria uma honra, ter um bisneto nos braços. Mas sim,
tenho a minha esposa, a minha irmã Talia Shire, a Sofia, que vive em Paris e a
quem não vejo com a frequência desejada, e o Roman, que vive em Los Angeles. Também Sofia tem o dom da
originalidade criativa. É genético? A Sofia sempre criada como supermulher.
Queríamos que ela soubesse que tínhamos toda a fé nela. No meu caso, a originalidade
virá, talvez, do fato de ter sido um estudante péssimo. Era de tal modo a
ovelha negra da família que, vendo bem, só me restava seguir o meu caminho e
escutar o que me dizia o coração porque já não tinha nada a perder. É isso que
quer dizer ser original: escutar o que nos vai na alma. Confiar que no coração
existe uma grande beleza. Todo mundo tem a capacidade de descobrir em si uma
grande beleza, desde que nos detenhamos para lhe dar ouvidos.
Se um dia for obrigado, por motivos de força maior, a
escolher entre fazer filmes ou fazer vinho, qual será o desfecho de tal dilema?
Fazer filmes subsidiados pela produção de vinho aqui neste lugar