O Poderoso coppola

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Terão certamente reparado nos anúncios da Louis Vuitton. Captam e, com isso, apelam à faceta extravagantemente luxuosa dentro de nós. Por outras palavras: retratam a paixão de viver. Madonna, a boêmia, foi fotografada naquilo que parece ser um café que de vez em quando é cabaré. Sean Connery surge sorridente e feliz, numa ilha tropical. Gorbatchev está junto ao que resta do Muro de Berlim. E, claro, Francis Ford Coppola aparece sentado num lugar bucólico da sua propriedade em Napa...

O Poderoso coppola


Orgulha-se do seu Rubicon, que pode chegar aos 98 euros a garrafa. O cineasta de “Apocalypse Now” é também o 10.º maior produtor de vinhos dos Estados Unidos.

...Com a filha Sofia aos seus pés. A luz é sublime e, por isso, aquilo que podia ser mais um anúncio com uma celebridade passa a ser, de repente, uma novidade: a Louis Vuitton, pelos vistos, conseguiu contratar Zeus, exatamente no momento em que explicava a uma das ninfas como é que foi organizado o universo. Coppola tem essa aura. É o criador de imagens que, certo dia, se refugiou na belíssima zona vinícola da Califórnia para poder voltar ao mais básico, sujar as mãos, fazer vinho e, nesse processo, redescobrir o cinema. Ele que, da Las Vegas duplamente artificial no filme “Do Fundo do Coração” passando pela loucura do “Apocalypse Now” e pelo perenemente respeitado “O Poderoso Chefão”, se mantém como paradigma de invenção. Este ano vai apresentar o filme “Tetro”, que fez quase inteiramente na Argentina. Na sua residência, integrada na propriedade Niebaum-Coppola, produtora de vinhos excelentes, Francis Ford Coppola está sempre rodeado da família. A propriedade é imensa e ganha contornos de utopia. No andar de cima do edifício principal, Francis Ford Coppola guarda, em vitrinas, peças icônicas da sua carreira: Óscares, um dos mantos maravilhosos que Eiko Ishioki desenhou para “Drácula” e, obviamente, vinho engarrafado. Um criador que se preze tem de produzir vinho.

Que emoções sentiu quando decidiu, há dois anos, voltar ao cinema?

Talvez porque, quando tinha 18 ou 19 anos, fui educado na tradição do cinema estrangeiro — feito na França, no Japão, na Suécia e, claro, na Itália —, a minha vontade sempre foi a de ser um cineasta pessoal. Mas, quando ainda era muito novo, por causa do sucesso dos meus filmes, passei a ser um realizador de estúdio. E sempre me perguntei: mas que aconteceu ao realizador de 18 anos que sempre quis ser? Foi aí que disse: bom, talvez possa ser isso agora. Talvez possa voltar a ser o realizador-estudante. Talvez possa voltar a ver com esses olhos. Qual é a definição de filme pessoal? Qualquer história que desperte em nós um interesse tremendo, talvez porque os problemas nela focados estão ligados aos problemas que sentimos. Executar o filme é a pergunta que nos fazemos. O filme feito é a resposta. Infelizmente, mesmo para quem se mantém saudavelmente produtivo, o fim é sempre o mesmo.

Alguma vez pensa na morte?

Todos morreram sozinhos. Quer dizer, podemos estar rodeados de familiares ou pode haver gente ali à volta mas, na morte, ninguém nos acompanha. Ora bem, se temos de estar sozinhos, a única maneira de tornear o assunto é morrer num momento de graça. Morre num momento de graça quem tiver amado. Ou quem tiver sido amado. Ao longo da vida compreendi que, no momento futuro da minha morte, estarei pensando na vida tão interessante que tive. Trabalhei numa profissão tão fascinante, tive uma esposa maravilhosa, tive filhos que mais tarde vi trabalhando na mesma profissão bonita, consegui passar anos fazendo vinhos e tendo sucesso nessa empreitada; e, por isso, a cada vez que me ponho a fazer uma lista assim, a certeza com que fico é que nunca morrerei sozinho. Nem sequer vou perceber que morri. Vai ser um momento de graça.

A percepção geral é a de que se afastou de Hollywood para se dedicar às vinhas, mas as duas atividades já estão ligadas há muito tempo. Refiro-me às suas raízes italianas e ao financiamento de filmes arriscados...

 Sabia que o meu avô foi um dos mil homens que primeiro constituíram o exército de Garibaldi? Sou americano mas também sou italiano. E, sim, ao longo dos anos, porque os meus filmes eram pessoais — mesmo os filmes grandiosos são intensamente pessoais —, o financiamento foi um obstáculo constante. Mesmo num momento em que, com os dois “Chefões” e com o “The Conversation”, Hollywood me dava cinco Óscares e reconhecimento de autor, continuei a não conseguir financiamento para o “Apocalypse Now”. Aliás, não havia atores que quisessem ir comigo para as Filipinas. Fui eu quem financiou a coisa, hipotecando a vinha que, mais tarde, iria fazer a minha fortuna. Corri esse risco enorme durante anos e houve até uma época em que receei perder a propriedade. Nunca mais me esqueço da minha filha Sofia, muito pequena, empoleirada no terraço da nossa casa aqui em Napa, gritando para os cobradores de dívidas: “Fora daqui! Fora daqui já, que não são bem-vindos! Isto aqui é Tara!”

Não posso perguntar qual dos seus filmes é o preferido mas, nos vinhos, qual é o de que mais gosta?

 Não posso dizer. São como filhos. Será que gosto mais da Sofia que do Roman? Posso dizer-lhe que, aqui, fazemos um vinho chamado Edizione Pennino. É o Zinfandel americano mais bem cotado. O nome vem do meu avô, Francesco Pennino. Mas o meu Rubicon também é um vinho muito bom, caro. Custa cerca de 100 dólares (98 euros) mas é um vinho muito bom. De coleção. Pode ser guardado que dura pelo menos 50 anos.

Quanto tempo dedica aos vinhos, atualmente? Vejo uma grande expansão no negócio, aqui à volta, comparado com o que havia. Vivo aqui e tive a sorte de ter entrado na produção vinícola no momento em que o país despertou para o consumo de vinho. Depois, para além do prazer que proporciona, verificou-se que o vinho faz bem à saúde. Antes, só 11% dos americanos bebiam vinho. Agora acho que vai nos 20%. Num mercado de cerca de 300 milhões de pessoas, é muito. Sou o 10º maior produtor de vinho do país. Tornámo-nos tão grandes que tive de fazer uns ajustes. A quinta principal, porque tem produção própria, passou a produzir apenas o Rubicon. E tenho agora outra casa, desta vez em Sonoma, muito bonita, que produz a marca Rosso & Bianco. Em Napa só produzo umas 20 mil caixas por ano. Do Rubicon só fazemos umas 6 mil caixas.

Não quero soar intrometido, mas não é justo falar da sua produção e esquecer a sua família? Como vão as coisas aqui em casa?

Bom, a minha esposa, Eleonor, talvez eu a tenha compreendido em 83%. Há mistérios que se mantêm. Se calhar jaz aí o segredo de uma boa relação. Talvez o desinteresse comece quando consumimos algo por inteiro. Estamos casados há 45 anos. A novidade na família é a Romy, filha da Sofia, francesa, de olhos azuis. Tenho uma neta, a Giancarla, com 21 anos. Sinto que sou candidato a bisavô. Seria uma honra, ter um bisneto nos braços. Mas sim, tenho a minha esposa, a minha irmã Talia Shire, a Sofia, que vive em Paris e a quem não vejo com a frequência desejada, e o Roman, que vive em Los Angeles. Também Sofia tem o dom da originalidade criativa. É genético? A Sofia sempre criada como supermulher. Queríamos que ela soubesse que tínhamos toda a fé nela. No meu caso, a originalidade virá, talvez, do fato de ter sido um estudante péssimo. Era de tal modo a ovelha negra da família que, vendo bem, só me restava seguir o meu caminho e escutar o que me dizia o coração porque já não tinha nada a perder. É isso que quer dizer ser original: escutar o que nos vai na alma. Confiar que no coração existe uma grande beleza. Todo mundo tem a capacidade de descobrir em si uma grande beleza, desde que nos detenhamos para lhe dar ouvidos.

Se um dia for obrigado, por motivos de força maior, a escolher entre fazer filmes ou fazer vinho, qual será o desfecho de tal dilema?

Fazer filmes subsidiados pela produção de vinho aqui neste lugar

 


Autor: Rui Coimbra
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Existe 1 comentário para esta publicação
domingo, 21/2/2010 por Maria Aparecida P. Mendes.
Poderoso Coppola.
Francis Ford Coppola, um Zeus... Fascinante Matéria! Parabéns.
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