Woody invade a europa

quinta-feira, 26 de março de 2009

Woody odeia Hollywood e nunca lá pôs os pés, num sartriano manguito ao Óscar.Acredito piamente que quando se está morto ter uma rua com o nome não ajuda ao metabolismo”. Só existe uma pessoa no mundo capaz de dizer estas coisas e deve ser por isso que estas coisas se chamam woodysmos, como o criador.

Woody invade a europa



Eu cresci a ver woodysmos e a amar woodysmos. A primeira vez que vi Nova Iorque como deve ser vista foi com o plano de abertura de Manhattan e as chuvadas sonoras da rapsódia de Gershwin. Vi todos os filmes dele e comprei todos os livros. Li as entrevistas (raras nesse tempo) e adquiri a “New Yorker” cada vez que um texto vinha anunciado (nunca fiz isto por John Updike). Fui ao Carlyle ver o clarinete. Woody Allen tinha uma inteligência pós-existencialista e pós-moderna e pós-tudoista que reunia o melhor da cultura literária e da tradição filosófica européia (na versão e o melhor do humor intelectual judeu nova-iorquino (na versão original). Um tipo cheio de Piadas em Pensando bem é a linguagem da síntese da alta cultura alemã com a média da cultura judaica. Woody é um judeu americano, norte, costa Leste, Brooklyn nascido, Manhattan localizado. Pensando bem, uma grande mistura.

Mistura que se transformou no mais bebido na segunda metade do século XX nos salões bem pensantes das capitais da Europa e da América (só uma) onde as senhoras queriam ser Annie Hall para o seu Alvy Singer e os homens queriam ser “the strong silent type” que Allen satirizava. As mulheres preferiam um Woody palrador e inseguro, baixote e narigudo, sexual e genial. Não havia entrevista em que uma estrela não anunciasse a sua candidatura a Mrs. Allen. Diga o nome do homem mais sedutor do mundo: Woody Allen. E o mais bonito: no seu gênero, Woody Allen. E o mais misterioso: Woody Allen. Mulheres como Jacqueline Bisset diziam isto. O homem era o James Bond das inteligentes. Tinha que acabar mal.

Eu adorava os filmes e os livros. Uma das maiores discussões da minha vida foi com uma criatura de sexo oposto que detestou “Annie Hall”, um sinal inequívoco de desconforto cosmogónico. “O Episódio Kugelmass”, uma história em que o Sr. Kugelmass (massa de kugel, receita judaica) professor de literatura e maçador encartado aterra em Yonville à procura do tempo perdido e trai a legítima com Madame Bovary é tão imortal como “Um Dia Perfeito para o Peixe-Banana” de J.D. Salinger. Para não falar na “Prostituta de Mensa”. Ou lembrar aqui a “Lista da Lavandaria de Metterling”, uma peça de erudição.


Quando ele foi buscar a ninfeta Hemingway para contracenar com a Sra. Rampling devia ter desconfiado; a relação moral e a parceria intelectual com Diane Keaton salvaram as aparências. Woody gostava de raparigas numa idade em que ainda podia. 


O de Mia Farrow como mulher e musa foi o princípio da decadência. Mia fora roubada a uma ideia e um filme de Polanski, outro prevaricador do gênero Humbert Humbert. Os filmes ainda eram bons, ótimos mesmo (“A Rosa Púrpura”, etc.) o que não era tão boa era a atrás, que acentuava aquela trágica mania para deixar de ser Woody e passar a ser Fellini ou Bergman de segunda. Mia era a Liv Ullman de dramas com vista para Central Park, ideias liberais, monomanias, hipocondrias, pequenos adultérios e comiserações. Felizmente para nós, não deixava de ser um woodysmo. Quando traiu Mia Woody regressou ao esplendor, o que fez com “Mighty Aphrodite”.


Até ao escândalo com a filha adotiva. E a América sendo a América não lhe perdoou a espécie de incesto, que o separou de Mia, do filho que ambos tiveram (um sobre dotado que não fala com o pai) e da reputação. Casou com a coreana, que parece ter envelhecido mais do que o marido. Woody anda agora como Orson Welles, filmando na Europa. É amado pelos franceses como Jerry Lewis, dizem os americanos. Woody odeia Hollywood e nunca lá pôs os pés, num sartriano manguito ao Óscar. A academia não gostou. Ele ainda menos. Era impossível continuar a exigir obras-primas todos os anos e o número final é o mais elevado de sempre na história do cinema, com exceção de John Ford. O pior é que Woody Allen está a deixar de ser Woody Allen. Em “Vicky Cristina Barcelona” perdeu a cabeça e fez um filme idiota. Parece obra de epígono. O último livro de histórias, o único publicado em 27 anos, é uma maçada pior do que o Sr. Kugelmass. “Mere Anarchy” (Random House, 2007). É como se Woody se fundisse com Salman Rushdie e ambos se estragassem, derretidos em adjetivos, paródias, desperdícios e tolices. Nem quando recupera o pastiche a um escritor russo, o velho Dostoievski em “The Rejection”, Woody consegue aproximar-se do que foi. Como ele escreve, “on a bad day you can see forever”. Woody Allen tem metabolismo acelerado e devia divorciar-se.


Autor: Ferreira Alves
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Existe 1 comentário para esta publicação
domingo, 29/3/2009 por Maria Auxiliadora Lobo Assunção
Woody
Foi prazeiroso ler a matéria sobre Woody nesta site. Eu o considero uma figura sagaz e única. Assiste recentemente o filme Scoop, o grande furo e além da diversão, existe o lado cômico, curioso e inusitado da história. Gostei muito!
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