Passo a passo, desde o início até ao final da sua
carreira, cada zona temática da exposição põe em destaque um Picasso (1881/1973)
imbuído de referências, prostrado perante aqueles que mais admirava, da
Renascença à sua contemporaneidade. O ponto de partida é o modo como ele se reproduz desde a adolescência à idade adulta, numa vasta série de auto-retratos. Em
1897, ainda por completar os 16 anos, depois da sua primeira visita ao Museu do
Prado, em Madrid, pinta-se a óleo segundo o estilo e a imagem de Goya (1746-1828), aos 20 anos
retrata-se em “Yo” como Poussin
(1594-1665) e já com 57 anos, em 1938, faz o seu auto-retrato à imagem de Van
Gogh (1853-1890). De resto, à época, chega mesmo a confessar ao escritor André
Malraux, seu amigo: “As pessoas não percebem que o Van Gogh sou eu.”
O ego do pintor espanhol fica, logo a seguir, para trás,
numa exposição em que o fio condutor eleva as suas capacidades técnicas e
criativas, ao mesmo tempo em que o coloca na posição do discípulo atento,
respeitador e humilde. Sempre, no entanto, e sempre, frise-se outra vez,
sublime na forma como reinventa o classicismo ou o impressionismo e se atira de
cabeça para uma distorção da forma em todas as perspectivas, acabando por abrir
caminho à ampla distinção da sua genialidade, seja através do vocabulário
cubista ou não. É nessa dualidade que surgem aos olhos do visitante os nus
femininos. Oscilando entre a solenidade e a irreverência, a robustez dos corpos
e a sua delicadeza, Picasso transporta o visitante para universos pictóricos
díspares, numa extensa aula de história da arte. As suas mais genuínas personagens,
os seus modelos e musas e as suas naturezas-mortas, por onde vão emergindo
vestígios de Rembrandt, Cézanne, Gauguin, Degas, El Greco ou Ingres, antecedem
o apogeu da mostra londrina.
O desafio ao passado que Picasso protagoniza acontece
no confronto direto do pintor espanhol com quatro obras míticas: “Las Meninas”
(1656), de Velázquez; “Femmes d’Alger”
(1843), de Delacroix; “Le Déjeuner sur L’Herbe” (1863), de Manet; e
“L’Enlèvement des Sabines” (1637-8), de Poussin. O pintor regressa à máxima
clássica que considera a imitação essencial para o nascimento da criatividade
e, numa obsessão inventiva, recria os quadros que mais admira. São variações
atrás de variações sobre a mesma obra (só da peça de Velázquez há mais de 50),
umas mais radicais, outras mais fiéis ao original. Exercícios de estilo, onde
aplica várias técnicas, olhares únicos sobre um conteúdo que, apesar de se
manter, evolui para outra dimensão, a de Pablo Picasso. De mais ninguém. Senão
porque é que estas “Las Meninas” fazem lembrar “Guernica”? Ele próprio
responde. Porque “os pintores não aparecem do nada”.
(“Picasso: Challenging the Past”, National Gallery,
Londres, até sete de Junho)