E a vida continua...

terça-feira, 10 de março de 2009

No dia 04 de janeiro de 2009, 1h30min, parti de Salvador rumo a Tefé, no Amazonas, para mais um capítulo da Aventura que é a Minha Vida: remar 400 km, a partir do Médio Solimões, rio abaixo, em um caiaque duplo, na companhia do Prof. Romeu Henrique Chala, professor de Educação Física e treinador de Remo em Porto Alegre, integrando o Projeto Aventura Desafiando o Rio-Mar.A aventura e o aprendizado da vida continuam.

E a vida continua...


Esse projeto adotou o caiaque como meio de transporte, por causar menos impacto direto ao meio ambiente. O caiaque duplo que utilizei é um modelo oceânico, fabricado pela Opium, de aproximadamente 8 metros de comprimento e 30 quilos, com dois compartimentos estanques para bagagem, e que se mostrou muito confortável.


A chegada a Tefé obriga a passagem por Manaus; do avião, avistei o Rio Amazonas, com toda sua imponência e grandiosidade, e o medo foi inevitável: imaginar que eu estaria remando em um singelo caiaque duplo, um cisco naquele mar de águas, de cor barrenta e aspecto turvo...

A paisagem do Rio Solimões em Tefé é um pouco diferente, aparentemente menos largo e mais tortuoso, com floresta mais densa às suas margens. Fiquei um pouco menos preocupada, mas ainda com medo.

A cidade de Tefé presenteia suas comunidades e visitantes com as Reservas Mamirauá e Anamã, a maior área de reserva de várzea do mundo, mantidas e preservadas pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Visitei as duas reservas, acompanhada do Coordenador de Operações César Josivaldo Modesto e Zé Penha no comando da lancha, navegamos pelos rios Solimões e Japurá, visitando flutuantes do Instituto, que utilizam painéis solares com células fotovoltaicas para captação de energia solar e geração de energia elétrica e captam água de chuva dos telhados para uso alternativo.

Avistamos um jacaré morto e sem cabeça, provavelmente caçado pelos ribeirinhos, que usam suas vísceras como isca para a pesca do “pirapitinga”, peixe exportado para a Colômbia clandestinamente.

Entre os legados deixados pelo biólogo Márcio Ayres, criador e idealizador do Instituto, ficou a afirmação: “Muito do trabalho que nós temos feito juntos para proteger os recursos naturais e construir uma base para uma melhor estratégia de conservação está hoje bem enraizado na sociedade. Então, não será fácil retroceder”. (José Márcio Corrêa Ayres – 21/02/1954 – 07/03/2003)


De Tefé, tomei a lancha “A Jato” para Coari, para encontrar minha dupla de projeto aventura.

Coari é uma cidade de singular modernidade; através dos royalties da Petrobras, a infra-estrutura construída chama a atenção: vários ginásios esportivos, 14 escolas municipais e 14 escolas estaduais, 7 universidades, várias igrejas, aeroporto, auditório, IFET, SENAI, avenidas de pista dupla, aterro sanitário com coleta seletiva, modelo de referência no Amazonas, entre outros.

A noite do dia 10 de janeiro de 2009 foi a pior noite para mim, tamanha a ansiedade e o nervosismo pela responsabilidade e as estórias sobre a cobra grande e os rodamoinhos que engolem barcos.

Saímos de Coari, do flutuante da CONSAG, por volta das 6h30 da manhã do dia 11 de janeiro, meu primeiro dia de remo. Botos surgiam à nossa frente, dos lados, a menos de 2 metros de distância, quase que em cortejo. A água parecia estar morna, e o silêncio da manhã era quebrado pelo deslizar dos botos no “sai-e-entra” da água e pelo movimento dos trabalhadores em direção aos flutuantes e lanchas.

O destino deveria ser Camará, mas nos contentamos com 45 km de remo e uma chuva forte, parando numa comunidade ribeirinha, São Francisco do

Camarazinho. Fomos muito bem acolhidos pela D. Antonia, líder comunitária, e Seu José, seu esposo e professor na escola que nos serviu de abrigo naquela noite. Experimentamos a sapota, fruta que por fora lembra um cupuaçu redondo e por dentro tem gosto de cáqui, comemos bananas e cacau oferecidos pela D. Antonia. Com suas panelas emprestadas, cozinhamos feijão verde e massa com sardinhas. Dormimos na barraca, montada dentro da sala de aula, com suas janelas abertas para um céu claro e iluminado por uma lua cheia que nasceu sobre o Rio Solimões, grande e avermelhada.


No dia seguinte, pegamos o maior temporal de toda a viagem, com forte chuva, vento e muito “banzero” (onda); o Prof. Romeu, meu mestre de remo nessa jornada, com muita competência conduziu nosso caiaque e minhas ações no momento do temporal, ordenando a colocação da saia, a ficar com “quatro olhos abertos”, a não deixar as ondas nos pegarem de lado, naquele ambiente de cenário de filme hollywoodiano catastrófico, com visibilidade menor que 5 metros e uma insistente buzina de barco grande nos apavorando. Parecia que remávamos em círculos. Mas o Prof. Romeu foi o herói desse capítulo, e quando o temporal diminuiu, paramos na primeira praia, para recuperar o fôlego, avaliar possíveis perdas, nenhuma!! E vitoriosos, avistando o grande barco que buzinava, longe e à nossa frente, voltamos a remar.

Chegamos a Codajás, a terra do Açaí, à tarde, com 85 km remados nesse dia.

Depois de um dia de descanso, partimos rumo a Anori. A entrada para Anori, que é um furo de rio, foi maravilhosa: o rio mudou de tom e tornou-se muito escuro, os botos brincavam, os flutuantes coloridos e bem arrumados causavam uma impressão deliciosamente relaxante; adentrando rio rumo à Anori, a vegetação mudou, ficou mais fechada e com perfume agradável e diferente.

Em Anori, fomos apoiados pelo pessoal da CONSAG Consórcio Amazonas Gás, que costumeira e voluntariamente nos ajudou a acomodar os caiaques. Fizemos duas entrevistas na Radio Anori 104,9 FM, convidamos a comunidade a visitar e experimentar os caiaques sob os cuidados do Prof. Romeu, e tirar fotos. Foi a alegria da criançada!!

Depois de mais um dia de descanso, partimos rumo a Beruri, às margens do Rio Purus, um dos afluentes do Solimões. Chegando à boca do Purus, paramos nossos caiaques na margem direita, à espera da lancha da PM de Anori, que rebocaria nossos caiaques até Beruri, por causa da correnteza. Iniciada nossa viagem Purus acima, depois de meia hora, ouvimos um forte estalo, e a corda que prendia o caiaque duplo à lancha tinha se rompido. O caiaque foi levado para a margem, com o compartimento do Romeu cheio de água; ao exame mais detalhado, o indesejado se fez verdade: nosso caiaque tinha se rasgado transversalmente, estava praticamente partido em dois, sendo mantido preso pela longarina, um reforço estrutural longitudinal. Começou a chover forte, pedimos ajuda, e, desolados, seguimos com nosso caiaque sendo transportado com muito cuidado por outro barco até Beruri, como guardiões do caiaque acidentado, missão assumida daquele momento em diante.

Devido à escassez de recursos locais, um pouco antes do meio-dia do dia seguinte, embarcamos no Recreio Silva Lopes, eu, Romeu e o caiaque duplo, rumo a Manacapuru. Apesar da desolada situação, eu estava prestes a realizar um desejo antigo, viajar de rede em um recreio fluvial. Acomodei nossa rede e nossa bagagem por perto. O Silva Lopes começou a descer o Purus, pegou uma chuva forte e muito banzero antes de chegar na boca do Purus. De volta ao Solimões, vislumbramos a paisagem, nossa conhecida: o horizonte largo, aberto à nossa frente, mas desta vez sem remar, e inseridos em um dos tantos recreios que víamos passar e que ondulavam nosso caminho de águas quando remávamos. Agora o recreio era nosso meio de locomoção; trocamos de posição: da de observado, como éramos pela maioria dos que por nós passavam, para a de observador. Quanto aprendizado!... Como não aprender ...!

O Recreio parou em Anamã, um presépio de cidade com suas casas delicadamente coloridas. Ao entardecer, serviram o jantar, incluso na passagem, e depois cada um se acomodou em sua rede. A nossa rede estava tão gostosa, que não queríamos sair dela quando chegamos a Manacapuru, por volta da 1 hora da madrugada.

Após nossa entrevista na rádio Cidade de Manacapuru, naquela manhã, aceitamos a acomodação oferecida pelo Sr. Raimundo Nonato e tivemos o prazer de desfrutar do acolhimento de sua família.

Nosso caiaque foi reparado naquele mesmo dia, domingo, 18 de janeiro de 2009, e na manhã seguinte, experimentamos a flutuabilidade de nosso caiaque reparado e sua estanqueidade, remando até Iranduba, meu ponto final neste projeto. Começou a entrar um pouco de água no compartimento do Romeu; como eu ficava no compartimento da frente, seguia suas orientações. Chegamos bem a Iranduba, seguindo o mapa que o Sr. Raimundo Nonato preparou, e o nosso caiaque duplo suportou bem o trajeto. Assim terminou minha participação nessa aventura.




Minha viagem à Amazônia foi inesquecível; e quase não foi uma viagem de verdade... pareceu mais um sonho para mim, como qualquer outro sonho, cujos locais e personagens não são escolhidos, mas foi o sonho que EU VIVI.                    


Autor: Maria Helena Del Grande
Publicação vista 3930 vezes


Existe 23 comentários para esta publicação
segunda-feira, 7/6/2010 por João Kulcsár
Viver a vida
PARABÉNS Maria Helena, primeiro queria dizer que vc tem muita coragem e determinação, e segundo foi ótimo te reencontrar fizemos a faculdade juntos. beijos joão
sábado, 23/1/2010 por Maria Aparecida P. Mendes.
Maria Helena.
Fiquei encantada com a sua coragem e determinação. Vc é Grande! Até no nome. Parabéns!!
quarta-feira, 9/12/2009 por Augusto Correa
lembrança
Essa aventura me fez lembrar minha infancia. É ótimo para a mente. É preciso ter coragem. Parabens Maria Helena.
sexta-feira, 7/8/2009 por Emerson Sales
momentos eternos...
Cara maraia Helena, momentos como estes são os que ficam; parabens pela iniciativa
quinta-feira, 2/7/2009 por Nilton Hitotuzi
Sonho seu, sonho meu, sonho nosso.
Maria Helena, Parabéns pela empreitada! Creio que você não só aprendeu e se encantou com a paisagem amazônica, mas também, com a publicação de sua aventura, contribuiu, de alguma forma, para a saúde de minha terra. De fato, singrar os rios e afluent
sexta-feira, 24/4/2009 por Prof Romeu Chala
Maria conversa com a Univ federal do rio grande do sul
Maria contou numa entrevista para a rádio da UFRGS como foi a participação de uma mulher na expedição desafiando o rio mar.A entrevista foi feita dia 23 de abril e mais uma vez Maria foi brilhante contando com riqyeza detalhes de sua p
terça-feira, 21/4/2009 por Vitoria Agra
Aventuras na Selva - Admirável
Maria Helena, você é, além de uma grande pessoa, de uma grande sinceridade, é uma grande aventureira. Na vida, na selva, sempre. Meus grandes parabéns. É de nos deixar orgulhosos.
quinta-feira, 16/4/2009 por Eduardo Antonello
Eduardo - Engenharia - BITWAY Fabrica IOS
Sempre soube que as aparências enganam mas dessa vez você me surpreendeu. Parabéns eu não teria a mesma corajem.
quarta-feira, 15/4/2009 por Antonia Margarida Cunha-SALVADOR
coragem e determinação
Maria, não te conheço mas já estou orgulhosa de vc, baiana retada, estive em Belém e ao ver sua viagem fiquei imaginando o rio o tempo todo.PARABÉNS. rio,PARABÉNS AMIGA.
quarta-feira, 15/4/2009 por Robson Dias
Demais !!!
Menina você é demais ! Fico na expectativa da próxima aventura. Beijos.
quarta-feira, 15/4/2009 por María Constanza
Que felicidade!
que felicidade quando a gente realiza os sonhos....com riscos, coragem e alegria! Parabéns pela tua aventura! abraço !
quarta-feira, 15/4/2009 por Sandra Maron
Fantástico!!!
Maria Helena... Admiro muito vc. Vou avisar aos meninos da Produção da Bitway sobre sua façanha... Mande sempre notícias.
quarta-feira, 15/4/2009 por Socorro Ferreira
Fantástica!!!
Mana (tratamento carinhoso no Pará), Que guerreira! Estou passada pra tanta coragem... quem me dera um pouquinho só! Parabens amiga e tenho orgulho de tua estória!!! Abraços, Soc
terça-feira, 7/4/2009 por prof romeu chala
maria guerreira
maria demonstrou uma elevada capacidade psicológica e física que impressionou a mim e ao coronel do exército Hiram Reis e Silva coordenador do projeto na Amazonia.
segunda-feira, 23/3/2009 por Antonio Anunciação
A turma da Bahia Pulp ficou deslumbrada
Parabêns por mais um capítulo desta história fascinante de amizade e compromisso com o futuro do nosso planeta.
domingo, 22/3/2009 por Lucia Hermes
Você é demais!!!
Que orgulho ter uma amiga como você, Maria Helena. Você é corajosa e guerreira, e viver um sonho deste tamanho é puro merecimento.
sábado, 21/3/2009 por Maria Helena Belinello
Muita raça
Chará parabéns pela coragem e determinação.Tenho certeza que esta vai ficar impressa nas boas páginas das recordações....Parabéns também pela sua singeleza literária. Queremos ver mais fotos...
quinta-feira, 19/3/2009 por Luís Cláudio França dos Santos
Aventureira Nata - Sucesso
Você é merecedora desse título, pois a sua determinação por tudo que fazes é presente. Desde o primeiro dia que tive contato contigo no Cetind, e que convidei para palestar na SIPAT da Embasa, tive certeza que era uma abençoada. Sucesso aventureira.
quinta-feira, 19/3/2009 por Ana Helena
Da raia para o Amazonas
Quantas águas para serem remadas pelo Brasil! Sua amiga remadora da Raia Olímpica da USP te saúda... E o Rio Tietê ainda verá remadores de novo! Topa?
quarta-feira, 18/3/2009 por simone brandão
fantástico
maria helena, que maravilha, vc é muito corajosa, fiquei encantada com toda essa aventura. Parabéns! Simone Brandão
quarta-feira, 18/3/2009 por Geraldine Angélica S. da Nóbrega
Parabéns! Sou sua fã!
Nossa Helena, quero um autógrafo. Que linda aventura. Do pouco que conheco sei que é aquela região é fantástica e quando li sua matéria e fiquei imaginando com os detalhes que você descreveu. Parabéns minha querida.
quinta-feira, 12/3/2009 por Asher
muito legal
Parabéns Maria Helena, na próxima estou nessa.
quinta-feira, 12/3/2009 por Dora Abreu
Uam aventura invejável!
Maria Helena, Obrigada por compartlhar esta aventura maravilhosa com os leitores da Revista VidaBrasil. Conheço e já me aventurei pelas águas do Rio Amazonas.Fantástico! Compartilhar sempre será um ato de solidariedade!
Enviar comentário


Confira na mesma editoria:
 ANIVERSÁRIOS, LOUCO, NUA
ANIVERSÁRIOS, LOUCO, NUA
Whitney;a droga venceu!
Whitney;a droga venceu!
Copyright 2014 ® Todos os Direitos Reservados.