Esse projeto adotou o caiaque como meio de transporte,
por causar menos impacto direto ao meio ambiente. O caiaque duplo que utilizei
é um modelo oceânico, fabricado pela Opium, de aproximadamente 8 metros de
comprimento e 30 quilos, com dois compartimentos estanques para bagagem, e que
se mostrou muito confortável.
A chegada a Tefé obriga a passagem por Manaus; do
avião, avistei o Rio Amazonas, com toda sua imponência e grandiosidade, e o
medo foi inevitável: imaginar que eu estaria remando em um singelo caiaque
duplo, um cisco naquele mar de águas, de cor barrenta e aspecto turvo...
A paisagem do Rio Solimões em Tefé é um pouco
diferente, aparentemente menos largo e mais tortuoso, com floresta mais densa
às suas margens. Fiquei um pouco menos preocupada, mas ainda com medo.
A cidade de Tefé presenteia suas comunidades e
visitantes com as Reservas Mamirauá e Anamã, a maior área de reserva de várzea
do mundo, mantidas e preservadas pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá. Visitei as duas reservas, acompanhada do Coordenador de Operações
César Josivaldo Modesto e Zé Penha no comando da lancha, navegamos pelos rios
Solimões e Japurá, visitando flutuantes do Instituto, que utilizam painéis
solares com células fotovoltaicas para captação de energia solar e geração de
energia elétrica e captam água de chuva dos telhados para uso alternativo.
Avistamos um jacaré morto e sem cabeça, provavelmente
caçado pelos ribeirinhos, que usam suas vísceras como isca para a pesca do
“pirapitinga”, peixe exportado para a Colômbia clandestinamente.
Entre os legados deixados pelo biólogo Márcio Ayres,
criador e idealizador do Instituto, ficou a afirmação: “Muito do trabalho que
nós temos feito juntos para proteger os recursos naturais e construir uma base
para uma melhor estratégia de conservação está hoje bem enraizado na sociedade.
Então, não será fácil retroceder”. (José Márcio Corrêa Ayres – 21/02/1954 –
07/03/2003)
De Tefé, tomei a lancha “A Jato” para Coari, para
encontrar minha dupla de projeto aventura.
Coari é uma cidade de singular modernidade; através dos
royalties da Petrobras, a infra-estrutura construída chama a atenção: vários
ginásios esportivos, 14 escolas municipais e 14 escolas estaduais, 7
universidades, várias igrejas, aeroporto, auditório, IFET, SENAI, avenidas de
pista dupla, aterro sanitário com coleta seletiva, modelo de referência no
Amazonas, entre outros.
A noite do dia 10 de janeiro de 2009 foi a pior noite
para mim, tamanha a ansiedade e o nervosismo pela responsabilidade e as
estórias sobre a cobra grande e os rodamoinhos que engolem barcos.
Saímos de Coari, do flutuante da CONSAG, por volta das
6h30 da manhã do dia 11 de janeiro, meu primeiro dia de remo. Botos surgiam à
nossa frente, dos lados, a menos de 2 metros de distância, quase que em
cortejo. A água parecia estar morna, e o silêncio da manhã era quebrado pelo
deslizar dos botos no “sai-e-entra” da água e pelo movimento dos trabalhadores
em direção aos flutuantes e lanchas.
O destino deveria ser Camará, mas nos contentamos com 45 km de remo e uma chuva forte, parando numa comunidade ribeirinha, São Francisco do
Camarazinho
No dia seguinte, pegamos o maior temporal de toda a
viagem, com forte chuva, vento e muito “banzero” (onda); o Prof. Romeu, meu
mestre de remo nessa jornada, com muita competência conduziu nosso caiaque e
minhas ações no momento do temporal, ordenando a colocação da saia, a ficar com
“quatro olhos abertos”, a não deixar as ondas nos pegarem de lado, naquele
ambiente de cenário de filme hollywoodiano catastrófico, com visibilidade menor
que 5 metros e uma insistente buzina de barco grande nos apavorando. Parecia
que remávamos em círculos. Mas o Prof. Romeu foi o herói desse capítulo, e
quando o temporal diminuiu, paramos na primeira praia, para recuperar o fôlego,
avaliar possíveis perdas, nenhuma!! E vitoriosos, avistando o grande barco que
buzinava, longe e à nossa frente, voltamos a remar.
Chegamos a Codajás, a terra do Açaí, à tarde, com 85 km
remados nesse dia.
Depois de um dia de descanso, partimos rumo a Anori. A
entrada para Anori, que é um furo de rio, foi maravilhosa: o rio mudou de tom e
tornou-se muito escuro, os botos brincavam, os flutuantes coloridos e bem
arrumados causavam uma impressão deliciosamente relaxante; adentrando rio rumo
à Anori, a vegetação mudou, ficou mais fechada e com perfume agradável e
diferente.
Em Anori, fomos apoiados pelo pessoal da CONSAG
Consórcio Amazonas Gás, que costumeira e voluntariamente nos ajudou a acomodar
os caiaques. Fizemos duas entrevistas na Radio Anori 104,9 FM, convidamos a
comunidade a visitar e experimentar os caiaques sob os cuidados do Prof. Romeu,
e tirar fotos. Foi a alegria da criançada!!
Depois de mais um dia de descanso, partimos rumo a
Beruri, às margens do Rio Purus, um dos afluentes do Solimões. Chegando à boca
do Purus, paramos nossos caiaques na margem direita, à espera da lancha da PM
de Anori, que rebocaria nossos caiaques até Beruri, por causa da correnteza.
Iniciada nossa viagem Purus acima, depois de meia hora, ouvimos um forte
estalo, e a corda que prendia o caiaque duplo à lancha tinha se rompido. O
caiaque foi levado para a margem, com o compartimento do Romeu cheio de água;
ao exame mais detalhado, o indesejado se fez verdade: nosso caiaque tinha se
rasgado transversalmente, estava praticamente partido em dois, sendo mantido
preso pela longarina, um reforço estrutural longitudinal. Começou a chover
forte, pedimos ajuda, e, desolados, seguimos com nosso caiaque sendo
transportado com muito cuidado por outro barco até Beruri, como guardiões do
caiaque acidentado, missão assumida daquele momento em diante.
Devido à escassez de recursos locais, um pouco antes do
meio-dia do dia seguinte, embarcamos no Recreio Silva Lopes, eu, Romeu e o
caiaque duplo, rumo a Manacapuru. Apesar da desolada situação, eu estava
prestes a realizar um desejo antigo, viajar de rede em um recreio fluvial.
Acomodei nossa rede e nossa bagagem por perto. O Silva Lopes começou a descer o
Purus, pegou uma chuva forte e muito banzero antes de chegar na boca do Purus.
De volta ao Solimões, vislumbramos a paisagem, nossa conhecida: o horizonte
largo, aberto à nossa frente, mas desta vez sem remar, e inseridos em um dos
tantos recreios que víamos passar e que ondulavam nosso caminho de águas quando
remávamos. Agora o recreio era nosso meio de locomoção; trocamos de posição: da
de observado, como éramos pela maioria dos que por nós passavam, para a de
observador. Quanto aprendizado!... Como não aprender ...!
O Recreio parou em Anamã, um presépio de cidade com
suas casas delicadamente coloridas. Ao entardecer, serviram o jantar, incluso
na passagem, e depois cada um se acomodou em sua rede. A nossa rede estava tão
gostosa, que não queríamos sair dela quando chegamos a Manacapuru, por volta da
1 hora da madrugada.
Após nossa entrevista na rádio Cidade de Manacapuru,
naquela manhã, aceitamos a acomodação oferecida pelo Sr. Raimundo Nonato e
tivemos o prazer de desfrutar do acolhimento de sua família.
Nosso caiaque foi reparado naquele mesmo dia, domingo,
18 de janeiro de 2009, e na manhã seguinte, experimentamos a flutuabilidade de
nosso caiaque reparado e sua estanqueidade, remando até Iranduba, meu ponto
final neste projeto. Começou a entrar um pouco de água no compartimento do
Romeu; como eu ficava no compartimento da frente, seguia suas orientações.
Chegamos bem a Iranduba, seguindo o mapa que o Sr. Raimundo Nonato preparou, e
o nosso caiaque duplo suportou bem o trajeto. Assim terminou minha participação
nessa aventura.
Minha viagem à Amazônia foi inesquecível; e quase não
foi uma viagem de verdade... pareceu mais um sonho para mim, como qualquer
outro sonho, cujos locais e personagens não são escolhidos, mas foi o sonho que
EU VIVI.