superpotência em evolução

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O espírito capitalista do chinês comum ultrapassou as reformas imaginadas por Deng Xiaoping e pelos burocratas do partido desde 1978. Alguns fatos sobre a atual segunda maior economia do mundo.

superpotência em evolução


O maior autor político dos últimos trinta anos de reformas na China não foi o Partido Comunista nem a elite em torno de Deng Xiaoping, considerado o timoneiro da viragem entre 1978 e 1992. Foi a "desobediência civil" do chinês comum, diz o advogado americano Gordon Chang.

Ou seja, os milhões de chineses - camponeses, quadros do Partido ou do exército, gestores de empresas estatais, professores universitários, jovens profissionais urbanos, simples artesãos e comerciantes de rua - que com o seu espírito capitalista ancestral entraram, de rompante, por todos os "interstícios" e nichos criados pelas sucessivas reformas e pelos famosos apelos de "criem todos um negócio" e "ficar rico é glorioso". Algo que deixa de ser paradoxal se tivermos em conta que a China foi a pátria da economia mercantil e do papel-moeda nos séculos X e XI da dinastia Sung.

Essa revolução de rua ocorreu sobretudo depois da decisão de Deng em 1992, já com 88 anos, de inventar legalmente um híbrido a que deu o nome de "economia de mercado socialista". Deng, nessa altura, convenceu os burocratas a largarem o insustentável modelo de "economia mercantil baseada na propriedade pública e na planificação", aprovado em 1984.

Não é de admirar, por isso, que os leitores dos 15 jornais mais importantes do país tenham escolhido, agora, por ocasião dos 30 anos sobre a 11ª reunião do Comitê Central do Partido Comunista da China em 1978, o "slogan" "criem todos um negócio" e duas figuras sociais emergentes (os trabalhadores migrantes e os internautas) como algumas das imagens e frases mais populares, segundo a Xinhua.

A janela de oportunidade-O ponto de inflexão na história recente chinesa ocorreu em 1976, após a morte de Mao Zedong. O país estagnara desde os anos 1950 em termos de peso econômico mundial e estava exausto com a Revolução Cultural. A linha reformista esmagou a facção maoísta em 1978 e abriu, ainda que timidamente, a caixa de Pandora do capitalismo num processo evolutivo até 1989, dentro da idéia de um programa de "quatro modernizações" até ao ano 2000.

Paradoxalmente, a chacina de Tiananmen em Junho de 1989, esmagando o segundo movimento democrático na China pós-Mao (o primeiro decorrera entre 1978 e 1979 e ficou conhecido por 'Muro da Democracia' numa esquina da mesma Praça central de Beijing) acelerou a revolução capitalista. A Queda simbólica do Muro de Berlim em Novembro desse ano e a posterior implosão da União Soviética em Dezembro de 1991 abriram à China uma oportunidade única - o fim do mundo bipolar. Data dessa altura, segundo Dylan Kissane, um especialista em ciclos longos, a emergência de uma agenda de grande potência pela liderança chinesa, ainda em vida de Deng. Na mesma ocasião, a transformação econômica deu um passo decisivo em frente. O capitalismo híbrido que Deng desenhou em 1992 rapidamente ultrapassou o que o pequeno timoneiro alguma vez imaginara. "A abertura ao exterior e a criação de um sector privado são as maiores conquistas", sublinha o analista chinês Zhibin Gu, autor de Made in China.

A segunda maior economia do mundo-O salto do peso da China na economia global é o maior dos últimos trinta anos à escala mundial. Passou de menos de 5% nos anos 1970 para cerca de 11% atualmente. Em 1973, quando atingiu o ponto mais baixo da sua história em termos de parcela do PIB mundial, a China "valia" 1/5 do peso da economia americana - em trinta anos passou para ½ e alcandorou-se ao segundo lugar, logo a seguir aos Estados Unidos, se o PIB for medido em paridade de poder de compra (ppc, um indicador mais correção do que a avaliação em termos nominais).

Se for excluída a União Européia (UE) como um todo, a China está à frente (em PIB em ppc) do Japão e da Alemanha, um fato que ainda não foi assimilado pelos analistas "ocidentais". Em 2020 deverá ultrapassar os EUA, segundo um estudo do The Economist Intelligence Unit (´Foresight 2020').

 

Fruto desse crescimento para mais do dobro do peso relativo mundial em trinta anos, graças a taxas de crescimento anuais muito elevadas (mais de 7% em média desde 1973), a China tornou-se locomotiva econômica e financeira do mundo. A sua contribuição para o crescimento mundial anual é a maior entre todas as grandes potências (e continuará a ser até 2020 segundo o The Economist, cerca de 26% contra 16% dos EUA e 12% da Índia) e em termos financeiros - incluindo a China e a sua região autônoma especial de Hong Kong - detém as maiores reservas em divisas estrangeiras (o dobro do Japão e mais do triplo das da UE) e é o principal detentor da dívida nacional dos Estados Unidos detida por estrangeiros (22,6% contra 20% pelo Japão).

 

A China pode ter chegado, agora, a um ponto crítico - 2009 pode ser o primeiro ano de grande arrefecimento do seu crescimento, ironicamente quando a implantação da República Popular da China fará 60 anos e o massacre de Tiananmen o seu vigésimo aniversário. É assunto que abordaremos em artigo próximo.

 

FATOS 

 

- A China (incluindo Hong Kong) detém 2 trilhões de dólares (1,4 trilhões de euros) em divisas estrangeiras, o dobro do Japão e mais do triplo da União Européia

- A redução do nível de miséria passou de 60% da população rural abaixo da linha de pobreza nos anos 1970 para menos de 10% atualmente, segundo o Banco Mundial

- 2/3 da produção fabril e 1/3 da economia chinesa está em mãos de capitalistas privados- Mas 120 mil empresas do Estado dominam os sectores ditos estratégicos (banca, telecomunicações, energia e "media") e servem de braço armado da globalização

- A China é o terceiro país do mundo a gastar mais Investigação & Desenvolvimento em relação ao PIB (13%) na área da computação e eletrônica, depois dos EUA (23%) e do Japão (16%), segundo o Global Innovation 1000 da Booz & Co

- A China é uma economia aberta ao exterior - as exportações pesam 38% no PIB (ligeiramente superior ao indicador português que está em 37%)

. 29 multinacionais chinesas (incluindo as de Hong Kong), 19 das quais estatais, classificam-se entre a lista da Fortune das 500 maiores do mundo; a Sinopec (petróleos) é a mais bem posicionada, em 16º lugar; a Índia tem apenas 7, o Brasil 5, a Rússia 5, e Portugal 1.

- Os muito ricos da China chegaram aos 400, mas os multimilionários desceram de 66 em 2007 para 24 este ano , devido à quebra de 60% nas bolsas chinesas e de 50% em Hong Kong, segundo a listagem da Forbes. O mais rico da China é Liu Yongxing, de 60 anos, dono do conglomerado privado East Hope Group, de Xangai, que começou como um negócio de aviário em 1982


Autor: Adolfo de Castro
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