O leito da esperança

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A seca do Nordeste é um dos temas mais recorrentes nos dramas brasileiros. Cantada e contada em verso e prosa, a estiagem do sertão inspirou mestres das letras e gênios das telas.

O leito da esperança


Um sofrimento imposto aos cabras que desafiavam o castigo do sertão, sem tempo, nem força, para lidar com a ousadia coronelista que tirou do escárnio alheio à oportunidade do poder perene e confortável. Entre a redenção dos sertanejos nordestinos e o suposto embuste de uma nova manobra para “enriquecer os ricos” da região, ressurge a proposta de “sangrar” o Velho Chico para levar o líquido da vida a outras paragens. O leito que nasce em Minas Gerais, atravessa a Bahia, passa pela fronteira de Pernambuco, corre para Sergipe e Alagoas até chegar ao Atlântico, também escoaria para o Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. 


Não se deve atribuir a iniciativa a nenhum mandatário contemporâneo. Dividir o deflúvio do Rio São Francisco é uma alternativa sugerida desde os tempos de Dom Pedro II, recrudescida com Getúlio Vargas, reavaliada por Itamar Franco, analisada por Fernando Henrique Cardoso e colocada no esteio da execução por Luís Inácio Lula da Silva. Tão antiga quanto polêmica, a transposição é uma discussão apaixonante, entre seus defensores e seus críticos. Há quem veja nas novas vazantes a esperança de dias melhores para milhares de comunidades. Do outro lado, prevalece o ceticismo de quem já viu tal história, com o final feliz apenas para os donos do poder. 

 

O debate arrefeceu ao mesmo tempo em que 600 homens do Exército arregaçaram as mangas para dar início à transposição. Quem assiste tudo de perto não duvida das transformações que estão por vir. “A água nem chegou e já temos uma nova realidade. O semi-árido está se revitalizando com o movimento econômico aquecido pelos operários. Em Salgueiro (PE), no antigo polígono da maconha, há grande expectativa de desenvolvimento social”, diz Francisco Campos de Abreu, diretor de projetos estratégicos da Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica, do Ministério da Integração Regional. 

 

Quanto à resistência que o programa enfrentou, Francisco refuta as suspeitas infundadas. “Com apenas 1,4% da vazão de 1.850 m³ por segundo, registrado na foz do São Francisco, será possível dar uma nova vida a cerca de 12 milhões de pessoas. O deflúvio do rio será preservado e a esperança da população do agreste e do semi-árido, devolvida.” O engenheiro Jorge Vernaglia, que presidiu o Conselho de Transição do Consórcio das Vias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, descreve a dimensão geográfica da transposição: “a princípio os benefícios se concentram no Nordeste Setentrional, onde se verifica o drama secular da fome e miséria do povo que a habita. Para elucidar melhor, compõem esta área os estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, o Agreste e o Sertão do estado de Pernambuco e parte do estado de Alagoas”. 

 

A obra se divide em duas frentes: o Eixo Norte, com extensão de aproximadamente 450 km, avançando por Pernambuco, Ceará e extremo sul do Rio Grande do Norte; e o Eixo Leste com 220 km, passando por outra zona de Pernambuco e pela Paraíba. Nas duas etapas estão sendo construídos os canais de aproximação e reservatórios. “Até 2010 vamos concluir o Eixo Leste e atingir até 60% do Eixo Norte. Os trabalhos vão ganhar ritmo com reforço de 800 homens das empreiteiras que se juntam ao Exército”, explica o diretor da Secretaria de Infra-Estrutura Hídrica. Mas Jorge Vernaglia faz um alerta pertinente: “O cineasta Rodolfo Nanni lançará em setembro o seu segundo filme, O Retorno, sobre a situação de vida do nordestino (o primeiro é de 1958). Uma fala do agricultor Manoel Francisco do Nascimento é oportuna: 'Não adianta nada colocar um mar de água como aquele (aqui se refere a um dos enormes açudes construídos pelo governo do Estado do Pernambuco) se o agricultor não tem dinheiro para fazer a irrigação, é preciso comprar bomba, mangueira, parte elétrica e quem tem dinheiro? '“. 

Francisco Campos de Abreu tem a resposta providencial: “Uma portaria do Ministério da Integração Regional criou um grupo interministerial para tratar dos impactos e necessidades da transposição. Foram instituídos conselhos gestores e existem 36 projetos básicos que atendem às questões ambientais. Com todo esse respaldo, cada comunidade será orientada e financiada na busca dos meios de desenvolvimento mais apropriados”. 

                                         

Vernaglia reforça essa possibilidade com um exemplo de sucesso: “temos a CODEVASF, Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, um projeto que transformou a região em pólo formador de riqueza e desenvolvimento sustentável, fixando o homem à sua terra. Transformou a fruticultura no seu maior vetor de crescimento econômico. Para ratificarmos a importância da fruticultura, como atividade geradora de trabalho e renda, lembramos que, para uma mesma área de plantio de soja, onde se emprega um único homem, no plantio de frutas se empregam 76 homens”. Se o curso do projeto for tão harmonioso quanto o curso do São Francisco, o engenheiro diz não ter por que duvidar do êxito: “Quem assume a defesa ou a crítica ao projeto entra em debates passionais, messiânicos ou eleitoreiros. A transposição deve ser tratada como um assunto de Estado e não de governo. Tenho a crença firme de que, se o programa for levado a termo, daqui a alguns anos iremos conviver com o sucesso do projeto. Aí, sim, poderemos nos orgulhar de nós mesmos e do nosso país.”


Que as “asas-brancas” voltem a voar no sertão. Que os “paus-de-arara” virem lendas do Cariri e que os “remansos e casas novas” decorem o novo cenário que brota no agreste. Que as abençoadas águas do Velho Chico conduzam à redenção de uma saga chamada seca, sem servir de fertilizante para os cursos coronelistas do Nordeste.


Autor: "Jornal da Conapub Ecologia e Turismo".
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Existe 1 comentário para esta publicação
terça-feira, 24/3/2009 por Rosalvo de Oliveira Junior
a esperança venceu o medo
A esperança ao vencer o medo alterou os rumos dos acontecimentos históricos, pois se não fosse o Presidente Lula e sua equipe de ministros, aí incluído o ministro Geddel, ainda estaríamos discutindo se deveríamos ou não fazer a transposição.
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