Nervos de peixe-sapo, olhos de raia, veneno de búzio e sangue de caranguejo –
estes poderiam ser alguns dos ingredientes sinistros que encontramos no
caldeirão da bruxa de Macbeth, de Shakespeare. Neste caso específico, o papel
atribuído a estas substâncias não é mau. Pelo contrário, elas são usadas para
curar.
Este é o trabalho desenvolvido por alguns cientistas do Laboratório de Biologia
Marítima Woods Hole, nos Estados Unidos da América, que aprofundaram o
conhecimento da biologia humana e da medicina graças a alguns dos segredos
escondidos no mar. Grande parte da pesquisa envolve criaturas que habituam as
águas da costa do Oceano Atlântico.
Uma das muitas espécies de caranguejo que encontraram, parente da aranha e com
500 milhões de anos, tem uma grande resposta imunitária a infecções, devido
apenas a duas substâncias presentes no seu organismo (a alfa-2 macroglobina e a
limulina). Os investigadores suspeitam que estes compostos químicos podem
ajudar a luta do Homem contra o vírus e bactérias infecciosas tal como defendem
os crustáceos de determinadas doenças. Isto porque estes animais que habitam o
fundo dos mares tem um sistema imunitário muito resistente e eficaz.
Os olhos da raia tem apenas um tipo de células sensíveis à luz, conhecidas como
“bastonetes” e que as fazem mover facilmente em condições de pouca
luminosidade. A falta de um código de cores e de receptores de luz transforma
os olhos deste animal marinho num caso único entre os vertebrados. O fato de os
“bastonetes” serem poucos em número, mas grandes em tamanho, permite que as
raias sejam os modelos ideais para ajudar no estudo da visão humana. Perceber
como funcionam os olhos do animal pode levar a novas formas de tratamento de
doenças hereditárias a retina e evitar possíveis cegueiras.
Com o seu harpão farpado mortal, algumas espécies de búzios espetam os peixes
que passam à sua frente e outros bichos que estejam nas proximidades. O veneno
paralisante deste caracol marinho pode ser fatal para os humanos, pois contêm
uma proteína que interfere no nosso processo de coagulação do sangue. Os
estudos feitos com estes búzios estão, porém, contribuindo para a pesquisa de
novos tratamentos contra a hemofilia.
Em contraste com os elegantes búzios, o peixe-sapo é uma criatura horripilante,
com um aspecto pouco agradável aos olhos humanos. Alguns neurologistas estão
estudando os nervos que percorrem este animal na esperança de descobrir novas
terapias para problemas motores muito frequentes, ou mesmo vertigens e náuseas.
Todas estas criaturas marinhas são consideradas primitivas pelo Homem. Por
exemplo, o olho dos caranguejos tem apenas 1000 células sensíveis à luz,
enquanto o do homem tem 150 milhões. Porém, os trabalhos realizados com este
pequeno animal já ajudaram a conquista de um prêmio Nobel da Química (atribuído
ao dinamarquês Jens Christian Skou, em 1997), pelo estudo do funcionamento do
nosso sistema nervoso. Agora, os investigadores do Laboratório Woods Hole
esperam alcançar o mesmo sucesso, investigando a resposta imunitária do caranguejo
e a biologia única de outros seres marítimos fascinantes.
Farmácia no oceano
Das 800 mil espécies marinhas existentes, só 4% já foram estudadas em
laboratório
Esponjas:
>Remédios contra herpes simples, leucemia e vírus HIV
>Estudos de remédios contra o câncer
>Investigações de medicamentos contra a malária
>Outros antibióticos, anti-inflamatórios e análgesicos
Pepinos do mar:
>Remédios contra micose
Moluscos:
>Anticicratizantes (para cirurgias) e anestésicos hospitalares
Ouriços-do-mar:
>Remédios contra a osteoporose
Vermes marinhos:
>Estudos destes animais deram origem a novos inseticidas
Corais:
>Anti-inflamatórios
>Cosméticos e odores exóticos para novos perfumes
Ostras:
>Tal como os corais, produzem uma proteína com capacidade adesiva usada nas
cirurgias ósseas, em substituição de pinos de platina e placas metálicas
Bactérias marinhas:
>Indústria do plástico
Lesmas-do-mar:
>Estudos para tratamento contra o câncer
Tunicados:
>Medicamentos contra o câncer e antivírus
Drogas naturais
A riqueza dos mares é um verdadeiro tesouro para a medicina e a cosmética
Foi só a partir dos anos 60 que a indústria farmacêutica começou a pesquisar o
fundo do mar. A descoberta de seres marinhos com propriedades medicinais
desencadeou um grande número de estudos e investigações. Em menos de 50 anos,
já foram desenvolvidos cerca de 6.500 produtos naturais marinhos:
>33% de derivados das esponjas
>25% de derivados de algas
>18% de derivados de corais e anêmonas
>24% de outros invertebrados do mar
Produtos marinhos contra o câncer
Estudos europeus e norte-americanos revelam que o mar tem muito para oferecer
no combate às doenças do câncer
Várias pesquisas realizadas na Europa e EUA detectaram, em algas e esponjas,
compostos que impedem o crescimento de tumores. Briotastina-1, substância
extraída de um animal minúsculo (que se encontra incrustado nas rochas) do
Golfo da Califórnia, está até sendo usada para combater algumas formas de
câncer (linfomas). A dolastina-10, produto químico natural extraído de um
molusco do oceano Índico, é outro dos produtos aplicados contra este tipo de
doenças. Outro tipo de vertebrado, que se encontra no mar das Caraíbas, deu
origem à droga ET-743 que apresentou bons resultados em doentes com sarcoma
(outra forma de doença maligna). Pesquisas recentes demonstraram a sua eficácia
contra câncer de tecidos dos ovários, seios e próstata. A empresa espanhola
PharmaMar, responsável pelo estudo desta droga, já até criou uma fazenda
submarina para produzir estas criaturas.
As plantas do mar
As algas fornecem matéria-prima para cosméticos milagrosos e remédios variados.
Há vários exemplos de sucesso
As algas são o elemento marinho mais utilizado para o tratamento e hidratação
da pele. São ricas em vitaminas e proteínas, equilibrando e normalizando o
organismo. Têm iodo, importante na destruição das gorduras e que facilita a
circulação. As propriedades de algumas espécies (como a alga-vermelha do oceano
Atlântico) são usadas em antitranspirantes corporais. A alga dulaniela, rica em
provitamina A, é importante na prevenção de problemas visuais e na regeneração
das células da pele. A aplicação de plantas marinhas sulfuradas (acompanhadas
de uma dieta pobre em gorduras saturadas e rica em óleos de peixes) pode
diminuir as manifestações externas da acne e da psoríase (doenças de pele). Uma
das vantagens destes elementos é a capacidade de penetrar na camada mais
profunda da pele. Dez minutos depois de aplicados, entram no sistema circulatório.