Isso não sai da minha cabeça desde que estava em um festival em Paris e, meio da muvuca, alguém deu um grito. Uma espécie de senha-para-se-reconhecer-brasileiro-em-show-de-rock-em-qualquer-parte-do-mundo. O "toca Raul!" saiu esganiçado, quase desafinado. Mas era um "toca Raul!" legítimo, bem audível.
Como explicar para um francês todo o significado sócio-anárquico-místico-irônico-contracultural da expressão?
— Não dá pra explicar.
— Tenta.
— O Raul Seixas é um músico baiano, um pioneiro do rock brasileiro.
— Então as pessoas querem escutar as músicas dele no show?
— Não é isso.
— E por que pedem para tocá-las?
— Elas não estão pedindo para tocá-las. Só estão gritando "toca Raul!".
— Não entendo.
— Eu disse que era complicado.
— Continua.
— O Raul Seixas fez muito sucesso nos anos 70, principalmente pelas músicas em parceria com o Paulo Coelho.
— Paulo Coelho, o bruxo adorado aqui na França?
— O próprio.
— Já até imagino. Eram músicas de meditação, de elevação espiritual, né?
— Na verdade, muitas eram de adoração ao coisa ruim.
— Coisa ruim?
— O canhestro.
— Hein?
— O príncipe das trevas.
— Paulo Coelho adorando o capeta? Agora embolou tudo.
— Avisei...
— Deixa eu tentar compreender: as pessoas pedem músicas do Raul Seixas, mas não querem escutá-las. E muitas dessas músicas foram feitas juntas com o diabo, mas adoravam o Paulo Coelho.
— Na verdade, é o contrário.
— É confuso.
— Ele também era confuso. Tanto que ficou conhecido como maluco beleza.
— Era doido?
— Era. Quer dizer, não era. Bom, talvez fosse. Sei lá. E o mais curioso é que existe até hoje uma legião de fanáticos que se vestem exatamente como ele.
— Então são esses os malucos beleza que gritam "toca Raul!"?
— Nem sempre.
— Eu acho que nunca vou entender o que isso significa.
— É complicado mesmo. "Toca Raul!" é uma expressão muito brasileira. Tão brasileira quanto a Gisele Bündchen.
— Gisele Bündchen? Ela não é alemã?
— Ah, não enche.