Joue-nous Raoul!

sábado, 21 de agosto de 2010

— O canhestro. — Hein? — O príncipe das trevas. — Paulo Coelho adorando o capeta? Agora embolou tudo. — Avisei... Tem coisas que não dá pra traduzir. Por melhor que você chegue a falar uma segunda língua, existem expressões que necessitariam de tanto tempo para serem explicadas que é melhor nem tentar.

Joue-nous Raoul!

Isso não sai da minha cabeça desde que estava em um festival em Paris e, meio da muvuca, alguém deu um grito. Uma espécie de senha-para-se-reconhecer-brasileiro-em-show-de-rock-em-qualquer-parte-do-mundo. O "toca Raul!" saiu esganiçado, quase desafinado. Mas era um "toca Raul!" legítimo, bem audível.

Como explicar para um francês todo o significado sócio-anárquico-místico-irônico-contracultural da expressão?

— Não dá pra explicar.

— Tenta.

— O Raul Seixas é um músico baiano, um pioneiro do rock brasileiro.

— Então as pessoas querem escutar as músicas dele no show?

— Não é isso.

— E por que pedem para tocá-las?

— Elas não estão pedindo para tocá-las. Só estão gritando "toca Raul!".

— Não entendo.

— Eu disse que era complicado.

— Continua.

— O Raul Seixas fez muito sucesso nos anos 70, principalmente pelas músicas em parceria com o Paulo Coelho.

— Paulo Coelho, o bruxo adorado aqui na França?

— O próprio.

— Já até imagino. Eram músicas de meditação, de elevação espiritual, né?

— Na verdade, muitas eram de adoração ao coisa ruim.

— Coisa ruim?

— O canhestro.

— Hein?

— O príncipe das trevas.

— Paulo Coelho adorando o capeta? Agora embolou tudo.

— Avisei...

— Deixa eu tentar compreender: as pessoas pedem músicas do Raul Seixas, mas não querem escutá-las. E muitas dessas músicas foram feitas juntas com o diabo, mas adoravam o Paulo Coelho.

— Na verdade, é o contrário.

— É confuso.

— Ele também era confuso. Tanto que ficou conhecido como maluco beleza.

— Era doido?

— Era. Quer dizer, não era. Bom, talvez fosse. Sei lá. E o mais curioso é que existe até hoje uma legião de fanáticos que se vestem exatamente como ele.

— Então são esses os malucos beleza que gritam "toca Raul!"?

— Nem sempre.

— Eu acho que nunca vou entender o que isso significa.

— É complicado mesmo. "Toca Raul!" é uma expressão muito brasileira. Tão brasileira quanto a Gisele Bündchen.

— Gisele Bündchen? Ela não é alemã?

— Ah, não enche.

                                           CHÉRI À PARIS / CRÔNICAS FRANCESAS .
                                                                         

Autor: Daniel Cariello
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