Considerado pelos mais importantes críticos do planeta como o mais inovador e revolucionário produtor de vinhos do mundo, tem os seus produtos consumidos e admirados nos quatro cantos do planeta, notadamente pelos exigentes e endinheirados japoneses. Chega também ao Brasil pelas mãos do garimpador de pérolas, Péricles Gomes- Casa do Porto Vinhos Finos – e alcança as regiões mais remotas do país onde a cada dia se descobre a excelência dessa bebida mágica.
Quando começou no mundo do vinho, Jean-Luc Thunevin ouviu de um amigo uma definição que faz questão de repetir e que talvez explique seu sucesso: “não vendemos um produto, vendemos uma diferença”. A diferença, no seu caso, foi o termo inventado pelo mais influente crítico de vinhos do mundo, Robert Parker para definir os vinhos que Thunevin produz, há quase vinte anos, numa pequena propriedade em St-Émilion: “vin de garage”, ou “vinhos de garagem”. Em parte, o termo criado por Parker refletia uma realidade: com poucos recursos, Jean-Luc e sua mulher, Murielle, começaram a produzir seus vinhos de forma artesanal, usando, inclusive, o espaço da garagem de sua casa, onde abrigaram os primeiros tanques de fermentação e barricas de carvalho. Afinal, da primeira safra do Valandraud, 1991, foram produzidas apenas 1.500 garrafas. Hoje, a produção é maior, mas não muito: aproximadamente 15 mil garrafas por ano do próprio Valandraud, o vinho top, disputado a peso de ouro pelos poucos consumidores de todo o mundo que podem pagar seu preço (o 2009 à venda no Brasil custa R$ 3.900,00). São preços que o igualmente famoso crítico Hugh Johnson, em seu Pocket Wine Book, quase uma bíblia para os consumidores de vinho, considera “idiotas pelo tipo de vinho espesso, com aromas de baunilha, que a Califórnia faz”.
O comentário de Johnson talvez seja reflexo da velha rivalidade “anglo-americana”, que, pelo menos no terreno do vinho, persiste até hoje. Os vinhos de Thunevin são modernos e concentrados, talvez diferentes dos Bordeaux clássicos, mas certamente não correspondem a essa descrição simplista e conquistaram o privilegiado nariz de Parker que, em algumas safras, concedeu notas altíssimas aos Valandraud superiores, inclusive, às atribuídas, nas mesmas safras, ao seleto grupo dos Premiers Crus Classés de Bordeaux.
As notas e os comentários de Parker a seu respeito (um deles, de que era o “Bad Boy” de St-Émilion, acabou virando o nome de um de seus vinhos), catapultaram Thunevin e os Valandraud ao Olimpo dos vinhos. Talvez, por isso, quando perguntado, em sua recente visita ao Brasil, que carro ocupa hoje a garagem de sua casa, ele tenha respondido, com seu característico bom humor e fina ironia, que é um “Parker-Benz” (na verdade um utilitário esportivo tipo SUV, que também usa para percorrer os vinhedos).
DE DISC JOCKEY A GARAGISTA
Thunevin é um “pied noir” (pé preto), termo que designa
os franceses nascidos na Argélia, quando ainda era colônia francesa. A família,
como tantas outras, voltou à França após a independência da antiga colônia.
Quando jovem, trabalhou como lenhador em Bordeaux (“cortava carvalho” faz
questão de dizer). Depois foi DJ (disc jockey) e, finalmente, pareceu “tomar
rumo” na vida quando conseguiu emprego numa das principais instituições
financeiras da França, o banco Crédit Agricole, da qual se demitiu aos 33 anos,
porque percebeu que não teria como subir na organização. Com a indenização que
recebeu juntou o equivalente a 15 mil euros, que lhe permitiram comprar uma
casa (e um pouco de terra) em St.Émilion, onde sua mulher trabalhava como
enfermeira no hospital local. E decidiu abrir um restaurante chinês na cidade,
primeiro, porque não tinha nenhum e, segundo, porque “pelo menos teria o que
comer”. O restaurante não teve vida longa e logo foi substituído por uma loja
de vinhos (até hoje tem uma em St-Émilion).
Ao mesmo tempo, Thunevin começou a trabalhar como negociante de vinhos. Fazer o
próprio vinho foi uma consequência natural. Para isso, usou as uvas da pequena
propriedade (0,6 hectares) que comprara em 1986, cujos vinhedos, na época, não
eram classificados como “grand cru”.
Com os parceiros brasileiros, Péricles Gomes e Luiz Eduardo Moraes na loja de St-Émilion
Como ele mesmo diz, não tinha qualquer formação, nem estudou para isso. Mas recebeu ajuda de amigos, um deles sócio do Château Ausone, um dos mais reputados produtores da apelação St-Émilion. Isso talvez explique uma das raras declarações em que demonstra evidente orgulho pelo que conseguiu: “não me chamo Rothschild; meu nome é minha própria história”. Mas, que ninguém espere encontrar, na história do Valandraud, grandes segredos ou inovações no campo da viticultura ou no da vinificação, como a reportagem pôde constatar numa visita in loco. Apenas um extremo cuidado em todas as etapas da produção.
O sucesso do Valandraud permitiu que Thunevin comprasse mais terras, inclusive um vinhedo de 20 hectares, plantado com vinhas velhas, para a filha única, de 32 anos, que, ironia do destino, não gosta de vinho. Também comprou terras fora de
Bordeaux, na região de Languedoc-Roussillon, para “ter mais liberdade” na hora de fazer seus vinhos. Certamente também pesou nessa decisão a possibilidade de produzir bem mais do que as aproximadamente 60 mil garrafas de cinco vinhos, tintos e brancos, que levam o nome Valandraud no rótulo, além de outras 50 mil do Domaine Virginie Thunevin.
Quando começou como produtor, o próprio Thunevin admite que o modelo de vinho que queria fazer era seu preferido na época: o Le Pin, um dos mais caros e mais cultuados Bordeaux. Foi esse modelo que, segundo ele, o levou a fazer (fermentação) maloláctica em barrica de seus próprios vinhos. Hoje, diz que um de seus preferidos é o Domínio de Pingus, espanhol, outro “cult wine”, que, não por acaso, Hugh Jonhson considera a “resposta espanhola” aos vinhos de garagem franceses, além de “absurdamente caro”. Mas logo acrescenta que gosta de vinhos em geral. “Até mesmo os da Borgonha”, diz, com aquele ar de criança que acabou de fazer uma travessura.
Poucos imaginam como se produz um “vin de garage” (vinho de garagem), termo cunhado pelo famoso crítico Robert Parker justamente para o Château Valandraud. O Valandraud é obra do visionário Jean-Luc Thunevin, com a inestimável colaboração de sua esposa, Murielle. Em visita à Saint-Émilion, o privilégio reservado a poucos: conhecer todo o processo de produção desse vinho mítico, tendo como guia a incansável Murielle.
A PROIBIÇÃO QUE VALEU A PENA
Dois vinhos dizem mais sobre a visão iconoclasta de Jean-Luc Thunevin, especialmente em relação a Bordeaux, do que qualquer declaração sua.
O primeiro só foi produzido uma vez (pelo menos com esse nome) na safra de 2000. Naquele ano, preocupado com a possível ocorrência de pesadas chuvas, que poderiam danificar os vinhedos antes da colheita, ele decidiu cobrir dois hectares de suas melhores parcelas com plástico. A ideia incomodou outros produtores e levou o INAO (órgão francês responsável pelas denominações de origem controlada) a proibir que vinhos produzidos com uvas provenientes dessas parcelas (o
Valandraud, por exemplo) usassem no rótulo a denominação “Saint Émilion Grand Cru” a que teriam direito, só podendo ser vendidos como “vin de table”; ou mesmo que fossem vendidos com seus nomes originais. Aparentemente, um golpe fulminante, uma vez que um “vin de table”, a categoria mais baixa, é vendido a uma fração do preço de um Grand Cru. Como a história da proibição e consequente desclassificação dos vinhos correu o mundo, a solução encontrada por Thunevin foi vender o Valandraud daquele ano com o nome de L ́interdit de Valandraud
(numa tradução livre “O Proibido” de Valandraud). A procura foi tanta que o vinho não só esgotou rapidamente como foi vendido a um preço ainda maior que o do Valandraud de anos normais. No segundo caso, ele aproveitou o fato de o crítico Robert Parker frequentemente se referir a ele como o “Bad Boy” de St-Émilion (no sentido literal “garoto malvado”), para criar um vinho com esse nome, que traz no rótulo a ilustração de uma “ovelha negra” indicando o caminho da “garagem”. Segundo Thunevin, “é um vinho de luxo a preço barato”.
ALGUNS VINHOS DE VALANDAUD NO BRASIL
Bad Boy Tinto - Jean Luc Thunevin decidiu fazer um vinho em homenagem aos garagistas. Este é uma referência aos vinhos que nasceram com essa filosofia. Mas não estamos falando de um Vin de Garage, pois foram produzidas mais de 60 mil garrafas. Aromas típicos de um vinho da região com mais corpo que o usual. A ameixa negra madura é presente, seguida de toques de cerejas, toques lácteos e tostados. No palato, apresenta bom corpo com equilíbrio entre fruta madura, acidez, álcool (potentes 14%) e taninos. Ainda muito jovem, mas já é apreciável. Caso decida degustá-lo, é fundamental decantar por, no mínimo, 30 minutos. Excelente com um filé mignon à Rossini (filé alto com um medalhão de foie gras grelhado em cima).
Baby Bad Boy - Esse vinho, já pelo rótulo e pelo nome, se sugere que seja elaborado para um público mais jovem, sem apego a regras e AOCs. É um Vin de France, o que significa que ele pode fazer o que quiser, com a variedade que quiser, sem se preocupar com nenhuma limitação. Elaborado em Maury, no Languedoc-Roussillon.
70% Merlot (de Bordeaux) e 30% Grenache (do Languedoc-Roussillon). No nariz tem muita fruta, como amora, morango, framboesa e um toque vegetal e de especiarias.
Na boca tem boa estrutura, é extremamente fresco, corpo médio, com boa acidez, taninos macios, com textura granulada fina e um bom volume.
Bad Girl - Se o Bad Boy, Jean Luc Thunevin, começou o movimento garagista, vin de garage, é sua esposa, Murielle Andraud, a Bad Girl, a enóloga responsável por este Crémant de boa estrutura, sedoso e amplo em boca. Amarelo palha com reflexos esverdeado. Perlage mínima e graciosa. As borbulhas sobem como meninas molecas e sedutoras! No nariz, notas de frutas secas. Em boca, é um espumante seco, macio e de aromas envolventes! Delicioso. Equilibrado, elegante e com notas do Terroir de Bordeaux!
Presidial- Corte clássico dos brancos de Bordeaux (70% de Sauvignon Blanc, 20% de Sémillone 10% de Muscadelle) num estilo leve, já que não passa por carvalho nem faz maloláctica para preservar o frescor e a elevada acidez natural. Seco, frutado, com leve floral e bom frescor em boca.
Blanc de Valandraud - Branco mais sério, que é um corte, em partes iguais, de SB e SE. No nariz, a presença marcante da madeira (estagia de um a dois anos em barricas dependendo da safra), que faz lembrar um branco do Novo Mundo, quase encobre as notas cítricas e o leve herbáceo.
Na boca, mantém a elevada acidez (a uva provém de solos argilo-calcáreos “frios”), mas a passagem por carvalho faz com que seja muito mais macio que o anterior. A fruta (tipo abacaxi) aparece mais, acompanhada de leve tostado da madeira, num vinho de bom corpo e ótima persistência. Mais gastronômico.
Presidial (tinto) - Um tinto simples (não passa por madeira), mas muito gostoso em boca. Corte dominado pela Merlot (70%), com Cabernets, Franc e Sauvignon, em partes iguais. Muita fruta vermelha e leve herbáceo dão a nota aromática. Na boca, mostra boa acidez, com taninos (qualidade média para boa) ainda pegando um pouco.
Château Subilaux - Evolução: Vinho para Beber ou Guardar. O mestre Jean-Luc Thunevin aporta seu conhecimento também neste tinto, elaborado a partir de Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc, com passagem por madeira, provando que é possível se tomar bons vinhos de Bordeaux sem gastar muito. Tem as notas típicas herbáceas, defumadas, de couro e de especiarias doces, que envolvem as frutas vermelhas. Confirma essa fruta na boca, é agradável, tem taninos de boa textura, acidez refrescante e final médio, com toques de azeitonas pretas. Ideal para acompanhar um cordeiro grelhado. Álcool 12,5%.
L'Amourette Maxima Briza - Evolução: Vinho para Beber ou Guardar. Corte de 60% Mourvèdre e 40% Grenache Noir, com estágio de 24 meses em madeira francesa, este tinto é fruto da parceria entre Jean-Luc Thunevin e a família Calvet, no sul da França. Aqui fruta madura e suculenta convive em perfeita harmonia com acidez vibrante e taninos cheios de tensão e de ótima textura, tudo num contexto de finesse e elegância. Preciso, compacto, tem taninos de grãos finos e final longo e persistente, com toques de grafite. Cheio de personalidade, pede a companhia de ossobuco. Álcool 15%.
Domaine Virginie Thunevin - A fama dos Vin de Garage iniciou com este produtor, Jean-Luc Thunevin, um ousado francês que elaborava vinhos na garagem de casa. Seu nome se tornou conhecido quando Robert Parker provou os produtos e aprovou, repercutindo no mundo todo como um excelente produtor. Vinho tinto de aroma complexo de ameixa, groselhas, amoras e cerejas maduras com notas terrosas e ervas frescas. Em boca apresenta corpo mediano. É amplo e saboroso.
Elaboração: Uva Merlot (65%), Cabernet Franc (25%), Cabernet Sauvignon (5%), Malbec (4%) e Carménère (1%). Teor Alcoólico 13.5%. Visual Coloração: Rubi de boa intensidade. Olfativo Frutas negras e vermelhas maduras com notas terrosas e erva seca.
Os tops - L'Interdit ("Proibido", em francês), Virginie de Valandraud, Clos Badon e Le Clos de du Beau- -Père. O L'Interdit de V...........d - cuja grafia do nome propositadamente oculta da palavra "Valandraud" - é um dos rótulos mais procurados e de preço mais alto da linha do produtor. Isso porque, na safra de 2000, Jean-Luc aplicou uma prática proibida em Bordeaux na parcela de vinhedos de onde se colheram as frutas usadas em sua produção: para reduzir a absorção de água pelas videiras, as ruas entre as plantas foram cobertas por plástico. Com isso, o vinho acabou por ser classificado na categoria "vin de table" (vinho de mesa), muito embora sua qualidade seja excepcional, similar à do Château Valandraud 2000. Esse fato nunca voltou a se repetir, ou seja, o L'Interdit de V...........d somente existe na safra 2000 e é verdadeiramente único.
Apaixonados por vinhos, Jean-Luc e Murielle direcionaram toda sua energia para a produção de vinhos de extraordinária qualidade, numa cinematográfica propriedade situada a poucos quilômetros do centro da encantadora Saint-Émilion, a charmosa cidade medieval situada na margem direita do estuário da Gironde, em Bordeaux. Negociantes bem-sucedidos, o casal conseguiu, em 1989, realizar o sonho de produzir seu próprio vinho, com a aquisição de uma pequena parcela de terras e vinhedos, num pequeno vale entre Pavie-Macquin e La Clotte. O nome Valandraud foi uma homenagem de Jean-
Luc à esposa, pois é a junção do nome da localização geográfica do vinhedo (Vallon de Fongaban), com o sobrenome de solteira de Murielle (Andraud). De produção limitadíssima, o Château Valandraud rapidamente foi alçado à categoria dos “cult wines”, sendo seguido hoje por uma infinidade de vinhos produzidos com a mesma filosofia.
A visita ao Château Valandraud mostra que produzir um grande vinho não requer segredo ou técnica que não sejam conhecidos. O que se constata é um extremo cuidado em todas as fases da produção, começando no deslumbrante vinhedo, situado nos limites do platô calcário de Saint-Émilion, com privilegiada exposição solar, o que permite perfeita maturação das uvas.
O vinhedo é domínio de Murielle, que cuida de toda a parte viticultural e fala com indisfarçável orgulho de suas uvas. Jean-Luc nos contou que Murielle percorre o vinhedo diariamente e faz absoluta questão de conduzir pessoalmente todos os trabalhos necessários. Na visita, ela demonstrou conhecer cada uma das parreiras, que recebem tratamento individualizado em suas necessidades específicas. Assim, em Valandraud, as videiras têm sistema de condução Guyot Duplo* e todos os trabalhos são manuais: retirada de ramos inúteis, fixação das hastes, retirada de folhas, poda em verde (limitando voluntariamente o número de cachos a seis por videira) e colheita. Dessa forma, as uvas têm todas as condições para se desenvolver da melhor forma possível. A colheita geralmente é bastante tardia, se comparada à de outras propriedades da região, e realizada por verdadeiros especialistas. Manual, permite que se faça uma primeira seleção ainda no vinhedo, enviando somente cachos perfeitos para a vinificação, em pequenos recipientes de plástico, garantindo higiene absoluta e sanidade das uvas.
DENOMINAÇÃO DE ORIGEM “INCONTROLADA”
A seleção final das uvas é feita na minúscula vinícola, situada ao lado do vinhedo e praticamente dentro da novíssima casa de hóspedes de Valandraud (“na garagem”). A seguir, elas são separadas do engaço, esmagadas e encaminhadas para os (pequenos) tanques de fermentação, que no caso de Valandraud são de três materiais distintos: aço inoxidável, carvalho francês e cimento. A temperatura de fermentação é convencional, ou seja, ao redor de 28 a 29 graus centígrados. Durante a fermentação, Jean-Luc usa técnicas da Borgonha, como pigéage (técnica delicada de manter as cascas em contato com o líquido) e a agitação das leveduras para conseguir melhor concentração. Uma vez finalizada a fermentação alcoólica, o vinho é transferido para barricas 100% novas de carvalho francês, onde se dá a fermentação maloláctica e a posterior maturação, por períodos que variam, de acordo com a safra, de 18 a 20 meses. Depois desse período e de acordo com a degustação periódica dos vinhos, realizada por Jean-Luc e por seu consultor e amigo Michel Rolland, o vinho é engarrafado sem qualquer tipo de clarificação ou filtração, garantindo a transcrição exata da qualidade extraordinária das uvas para o vinho final.
Por causa de sua reputação, o Château Valandraud tem um posicionamento de preço acima dos Premier Grand Crus Classés de Bordeaux, obedecendo às inexoráveis leis de mercado, o que gera desconforto em alguns produtores tradicionais. Como diz o bem-humorado Jean-Luc, o Valandraud pertence a uma Apelação de Origem “Incontrolada”, Vin de Garage, numa alusão ao rígido sistema de denominações de origem controladas da França. Aliás, é bom que se ressalte que o Valandraud segue as determinações da AOC Saint-Émilion Grand Cru. Uma última informação: a Carmenère chegou ao Valandraud. Thunevin diz que encontrou ínfimas porcentagens de Carmenèrenos vinhedos do Valandraud, já que essa casta praticamente deixou de ser cultivada quando os vinhedos de Bordeaux foram replantados após o ataque de phyloxérano final do século 19. Depois, provou vinhos de Carmenère no Chile, gostou e plantou mais. A safra de 2008 já tem uma percentagem pequena, mas não revelada, da uva, que, diga-se de passagem, é muito apreciada pelos brasileiros.
A reportagem teve oportunidade de provar o vinho – que Jean-Luc considera o melhor Valandraud produzido até hoje – ainda em barrica. Só podemos adiantar que, ainda no berçário, já se destaca pelo potente nariz, com fruta exuberante e evidentes notas florais (violetas). Na boca, exibe acidez refrescante, taninos muito finos, excepcional concentração e longa persistência.
Com o parceiro brasileiro, Péricles Gomes, sob as graças do Cristo do Corcovado.
Chama a atenção o fato de a madeira não aparecer, mesmo se tratando de uma amostra de barrica, o que atesta a ótima qualidade da fruta e a delicadeza da vinificação. Vale o registro que degustamos, também em primeira mão (amostra de barrica), o fabuloso Blanc de Valandraud nº1 2008, corte de Sauvignon Blanc e Sémillon, em partes iguais, vinificado em aço inoxidável e com passagem por barricas de carvalho francês (50% novas e 50% de segundo uso). É um vinho digno da melhor tradição dos clássicos brancos de Bordeaux. Intenso e elegante, mescla aromas de frutas maduras, com as intrigantes notas herbáceas e “xixi de gato” típicas da Sauvignon Blanc, escoltadas por notas minerais. Fresco, delicado e longo, certamente tem grande futuro pela frente.
(*) guyot duplo é um sistema de poda e condução da videira muito usado em Bordeaux. Mais informações podem ser obtidas no site da Embrapa.
A GARAGE FICOU PEQUENA.
Depoimento a Gerson Lopes
Há quem diga que os vinhos de garagem são tecnológicos e não refletem seus terroirs de origem. Como o sr. vê esse tipo de crítica?
Jean-Luc - A crítica faz parte do mundo do vinho. Penso que muitas vinícolas – e, claro, as mais prestigiosas também utilizam toda a nova tecnologia disponível no mercado para fazer o melhor vinho possível. Utilizar tecnologia e respeitar o terroir não é incompatível; é questão de dosagem. Claro que não concordo com a ideia de que os vinhos de garagem são tecnológicos e que não refletem o terroir. No meu caso, estou sempre procurando a pureza da uva, a harmonia nas assemblages e uma expressão sensual dos meus terroirs. Meus vinhos têm personalidade e o terroir é parte dessa identidade.
O que o senhor acha do Valandraud ser considerado o “o Le Pin de Saint Émilion”?
Jean-Luc - Claro que ser comparado a um mito como é o Le Pin é honroso; e é verdade que as primeiras garrafas que eu tomei de Le Pinme inspiraram muito. O trabalho meticuloso feito na vinícola e o resultado maravilhoso que deu confirmaram minha ideia de me concentrar em todos os detalhes possíveis e tentar fazer o melhor vinho do mundo.
Em que consiste hoje e para onde vai o mundo Thunevin? Fica só na França?
Jean-Luc - O mundo Thunevin representa hoje umas dez vinícolas em Saint Émilion, Pomerol, Margaux e Maury e no Roussillon. Temos uma gama de mais de 30 vinhos de 3.30 Euros a garrafa a até 420 Euros a garrafa. A maior parte da produção (70%) é exportada para o Japão, nosso principal mercado, mas também para os EUA, China, toda Europa e, agora, Brasil. Também sou consultor para poucos châteaux e meus principais clientes (que são mais amigos que clientes) são Fleur Cardinale, La Dominique e as outras vinícolas dos “Vignobles Fayat”, e Haut Carles, em Fronsac. Tive muitas oportunidades de fazer vinhos no mundo, com projetos muito interessantes, mas meu trabalho aqui, mais a atividade de negociante, não me deixa muito tempo para outras aventuras.
Fale um pouco da história do Valandraud e do “Vin de garage”
Jean-Luc - Depois de ter restaurantes, lojas e wine bar em Saint Émilion eu tinha o sonho de fazer o vinho que me agradaria tomar e tive a oportunidade de comprar 0.6 hectares em Saint Émilion. Minha esposa Murielle e eu fizemos tudo com nada, e claro que para vinificação o único lugar da casa era a garagem. Uma noite, estava fazendo o pigeage (afundamento das cascas por delicados meios mecânicos ou manuais) numa barrica, quando Michel Rolland passou em frente da minha casa. Ele saía do restaurante Le Clos du Roy, que fica atrás da minha casa. Interessado, perguntou o que eu estava fazendo na minha garagem e pediu para provar o vinho. Em seguida, olhou para mim, disse que achava o vinho muito bom e que, se fosse ele, não faria pigeage, que, com o tempo, deixa o vinho seco. Ainda não tinha feito pigeage em todas as barricas, e deixei uma sem fazer. Depois de um tempo, provei os vinhos e me agradou muito mais a barrica sem pigeage.
Michel Bettane, grande jornalista de vinhos, na época na Revue des Vins de France, ouviu falar do meu vinho, provou e escreveu uma matéria na revista, falando de um cara que fazia muito bom vinho na garagem dele. Aí nasceu a expressão Vin de Garage. Quando Robert Parker me deu notas melhores que ao Petrus e Margaux, o fenômeno da especulação começou e meu vinho se vendia ao preço dos primeiros, porque eles pensavam que um dia eu ia ter um de 100 pontos, o que ainda não aconteceu. Hoje, a garagem ficou pequena e o Château Valandraud é um Château em Saint Etienne de Lisse, onde temos 7 hectares de vinhas, principalmente para tinto e também um pouco de branco. O espírito segue sendo o mesmo, fazendo tudo o que é possível no cultivo para obter uma fruta perfeita e utilizar todas as técnicas para melhorar o trabalho de vinificação, e assim produzir o melhor vinho possível.
Gerson Lopes é médico, enófilo apaixonado e editor do site www.vinhoesexualidade.com.br
Sócio e ex-professor da ABS-MG, dá aulas e conduz degustações em todo o Brasil.