Théo cuidava da captação de som, e eu, das imagens. Na época, estávamos engajados na aventura dos grupos Medvedkine, lançada em 1967 em Besançon por Chris Marker e que continuava em Sochaux. Entre nossos amigos, trabalhadores da fábrica da Peugeot, como em todos os grupos militantes, falávamos bastante do Chile. O que acontecia naquele país da América do Sul era familiar para nós.
Chegamos a Buenos Aires e pegamos o primeiro avião para Santiago, ao lado de opositores da Unidade Popular felizes por terem retomado o país. Ao passar por cima da Cordilheira dos Andes nevada, eles brindaram com champanhe e cantorias.
No papel timbrado de uma televisão anglo-saxônica, escrevemos uma bela acreditação. Felizmente, o serviço de imprensa do Exército chileno era novo naquela função e nos entregou uma credencial de imprensa sem fazer nenhuma pergunta.
Tínhamos apenas alguns números de telefone, entre eles o de Pierre Kalfon, correspondente do Le Monde em Santiago, o de um jovem advogado chileno de cujo nome não me lembro e o de uma francesa expatriada.
Os militares guardavam a saída de Santiago e patrulhavam a cidade. Se a ordem havia sido “restabelecida”, o ambiente era pesado. A cidade foi submetida a um toque de recolher integral, e do pôr do sol até o amanhecer ficávamos confinados no vasto hotel onde jornalistas do mundo inteiro se tornavam cada vez mais numerosos.
Para filmar aqueles que aceitavam testemunhar, precisávamos nos deslocar discretamente e dissimular nosso material em mochilas de viagem. Foi dessa forma que nosso amigo advogado nos levou a um imóvel de escritórios abandonados onde encontramos duas jovens brasileiras. A única luz era a fresta de uma janela, sentei-me no chão. Observando os belos rostos pelo visor de minha câmera e escutando o que diziam, senti-me afundando naquela luz tênue com o peso de suas palavras.
Aquelas e aqueles que corriam o risco de falar com o rosto descoberto tinham uma mensagem para passar, e as palavras vinham à boca com a força da necessidade: não eram entrevistas, e sim declarações. À noite, confinados no hotel, não comentávamos o que havia acontecido durante o dia, não podíamos falar no assunto. Tratava-se, também em nossa cabeça, de um blecaute.
Ao cabo de dez dias, tornou-se mais difícil sair às ruas. Com cada vez mais frequência, os militares nos paravam, pediam nossos documentos, olhavam com desconfiança nossa ridícula credencial de imprensa. Uma manhã, após a entrevista com dois estudantes da Universidade Técnica no minúsculo pátio de uma casa, eu disse a Théo: “Acho que estamos arriscando nosso filme, é tempo de partir”.
Na véspera, tínhamos filmado Pablo Neruda e não fazíamos ideia de que assistiríamos à primeira manifestação pública de oposição aos militares golpistas. Meia hora antes da cerimônia, esperávamos diante do cemitério quando dois caminhões repletos de soldados armados passaram pelo meio das pessoas que começavam a se aproximar; foram embora em seguida, e a multidão aumentou. Mas todos se perguntavam se aqueles soldados não voltariam para atirar. A presença de inúmeras câmeras e diplomatas estrangeiros sem dúvida ajudou a convencê-los de que não era uma boa ideia. E, debaixo dessa massa humana que havia cantado a Internacional, dentre as tumbas brotavam trechos de poemas de Neruda, declamados em coro.
Em nossa última noite no Chile, aqueles que se arriscaram a nos guiar pela cidade organizaram uma pequena festa de despedida – apesar do toque de recolher. E decidiram que, em vez de ser uma festinha, o evento duraria a noite inteira. Cada um levaria algo para comer ou beber, e novamente nos vimos dentro de um imóvel deserto, com todos os escritórios trancados. Alguém levou um toca-discos e escutamos Victor Jara1 e outros cantores cujas canções acompanhavam a Unidade Popular. Aqueles que os militares se preparavam para proibir de se apresentar.
Pouco antes do fim do toque de recolher, um tremor de terra virou copos e garrafas. Algumas louças se quebraram, portas bateram, nosso equilíbrio tornou-se instável. Não foi um tremor forte, os chilenos estão habituados. Mas descemos em fila indiana ziguezagueante e abrimos a pesada porta envidraçada que dava para a rua. Um espetáculo estranho nos esperava. Os poucos moradores do bairro tinham saído às ruas, como nós, de pijama ou um casaco colocado às pressas, e os próprios soldados, que tinham ordens de atirar em tudo o que se movesse, estavam às voltas na luz tênue do amanhecer.
No aeroporto de Santiago, cruzamos a imigração, registramos as caixas de materiais, as caixas de rolos de película e a trilha sonora de nossas últimas filmagens – tínhamos confiado nossas primeiras bobinas aos pilotos da Air France. Esperávamos na sala de embarque quando meu nome foi chamado no alto-falante. E fui atender ao chamado, um pouco inseguro. Fiquei ainda mais inseguro quando vi nossas caixas e películas amontoadas atrás do balcão, ao lado do qual três oficiais do Exército chileno montavam guarda. Sem nem sequer conferir minha credencial de imprensa, o superior perguntou seca e gravemente o que havíamos visto no Chile. Balbuciei que encontramos as ruas de Santiago muito calmas...