Um reino por um dedo

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Já tem dois dias que procuro esse diacho de boneca. Tem Pocahontas, Pequena Sereia, Cinderella, Bela Adormecida e todas essas mocréias da Disney, só não tem a Branca de Neve. Comecei a pensar em desistir e dar uma desculpa qualquer, mas agora há pouco a Louise me perguntou mais uma vez pelo presente, olhando com um certo interesse para o próprio polegar. Tive a nítida impressão que ela estava avaliando se voltaria a chupá-lo ou se o abandonaria de vez, como uma recompensa.

Um reino por um dedo


“Impressão minha ou você está chantageando uma menina de dois anos? “Não. Eu disse que seria recompensa pelo esforço dela”

A Louise nunca teve chupeta. No entanto, compensou a necessidade inata de sucção chupando o polegar esquerdo. Chupando, não, castigando o pobre coitado, tamanha a fúria com a qual o sugava.

Tentamos fazê-la parar.

- Loulou, tem que parar, não é bom.

- É bom, sim, pai. Aqui, ó.

E lascava novamente o dedo na boca, como se fosse um doce.

Levamos ao dentista, que endossou nosso discurso.

- Ei, Louise, você precisa parar de chupar o dedo. Tem que cuidar dos dentinhos.

- Mas eu já cuido com a escova. Né, pai?

Eu respondia que era, mas que não era, porque para ser mesmo era preciso ser de verdade. Ela não entendeu nada. Tentei simplificar.

- Do contrário, Louise, você vai precisar usar aparelho quando for grande.

- Eu quero usar aparelho, pai.

- E você sabe o que é aparelho?

- Não.

Teve também o dia em que a levamos ao médico.

- Como vai a saúde dela?

- Tá ótima.

- Dorme e come bem?

- Até demais.

- Ainda coloca fralda?

- Só pra dormir.

- E chupeta?

- Nunca usou, mas chupa o dedo loucamente. Chegou até a fazer um calo no polegar, olha aqui.

E virou-se pra ela.

- Louise, você machucou o seu dedinho de tanto chupá-lo. Precisa parar, pra ele ficar bom.

- Mas ele já está bom. Papai e mamãe deram um beijinho e ele melhorou.

Não tinha mesmo jeito. Ou parecia não ter. Até o dia em que a mãe veio me contar a novidade.

- A Louise vai parar de chupar o dedo.

- E eu vou aprender a voar rodando os braços.

- Tô falando sério.

- Eu também. Já comecei a treinar ontem, pulando do sofá.

- Eu a convenci.

- ?

- Falei que se ela parasse a gente daria uma boneca de princesa da Branca de Neve.

- É impressão minha ou você está chantageando uma menina de dois anos?

- Não. Eu disse que seria uma recompensa pelo esforço dela.

- Ah, então está negociando com ela, realmente muito melhor.

- Vai funcionar, você vai ver.

Acontece que de maneira surpreendente a coisa começou mesmo a dar certo.

- Pai, tô parando de chupar.

- Tô vendo. Parabéns, Louise.

- Ela tá onde, minha boneca de princesa da Branca de Neve?

- Só quando você parar de verdade. E não se esqueça: é uma recompensa pelo seu esforço.

- Pai, o que é esforço?

Esses dias percebi que já fazia quase uma semana que ela não colocava o dedo na boca.

- Loulou, parabéns, você parou mesmo de chupar o dedo. Hoje vamos comprar sua boneca da Branca de Neve.

- Oba!

Passamos em uma loja, não tinha : “Na Disney do Champs-Elysées o senhor vai encontrar”. Não encontrei : “Estamos sem recebê-la há meses! Tenta em Les Halles”. Tentei e nada. “Dá uma chegadinha na rua tal, é possível que tenha”. Cheguei e não tinha. A Louise já começava a perguntar.

- Pai, cadê minha boneca de princesa da Branca de Neve?

- O moço disse que acabou.

- Vamos em outra loja?

- Já fomos em várias.

- Mas vamos em outra, vamos?

Já tem dois dias que procuro esse diacho de boneca. Tem Pocahontas, Pequena Sereia, Cinderella, Bela Adormecida e todas essas mocréias da Disney, só não tem a Branca de Neve. Comecei a pensar em desistir e dar uma desculpa qualquer, mas agora há pouco a Louise me perguntou mais uma vez pelo presente, olhando com um certo interesse para o próprio polegar. Tive a nítida impressão que ela estava avaliando se voltaria a chupá-lo ou se o abandonaria de vez, como uma recompensa pelo meu esforço em encontrar a sua princesa.


Autor: Daniel Cariello
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