...Casar, reproduzir e morrer. Bem, mais ou menos isso, porque a morte agita, e um bocado. Primeira coisa que fico sabendo quando retorno é se houve alguma.
Nem mesmo desço do carro e lá vem o Roque, meu vizinho:
- Tô triste “seu” Rogério.
- O que aconteceu?
- Fulano morreu?
- E quem é fulano?
Pronto. Está armada a confusão. Afinal, como pode alguém não saber quem é fulano? Se todo mundo na cidade sabe quem é, evidente que sou obrigado a saber. Aliás, evidente que o mundo todo, no sentido literal, tem que saber.
- Como num sabe? Irmão de sicrano, filho de beltrano...
- Não sei Roque.
- Sabe sim. Um dia o senhor cumprimentô ele na praça.
Como é sempre desse jeito, a confusão é sempre a mesma.
- Cacete, Roque, eu cumprimento um monte de gente na praça.
A partir dai tenho que ouvir também o de sempre: não respeito os mortos, preciso acabar com essa mania de ficar trancado em casa, preciso fazer amigos, etc.
No passado, quando educadamente eu perguntava pela causa das mortes, a situação ficou ainda mais complicada. Na maioria vezes a idiotice era a causa principal. Um resolveu segurar no cabo de alta tensão para apostar com amigo que não aconteceria nada. Outro resolveu passar com a moto entre duas outras que vinham em sentido contrário (morreram os três). Em comum a presença da “marvada” pinga.
Como eu ria diante dos relatos, a situação já foi pior, bem pior. Ah, mas era mesmo gozado, oras.
- Morreram de pingaida, Roque?
- Num conto mais novidade prô senhor.
Radicalizou e ficou um mês sem falar comigo.
Helena, que cuida de minha casa, igualmente tem um hábito padrão, e que sempre me aguarda: deixa sobre a mesa da sala tudo, absolutamente tudo que quebrou, ou os restos do que acabou durante a minha ausência: rodo, vassoura, caixa de sabão em pó, e até mesmo periquito que morreu no viveiro.
- Pô, Helena, porque não jogou tudo isso fora?
- Procê vê, ué!
Já passou o tempo que eu estranhava, e junto com ele a tentativa de mudar alguma coisa. Nada muda, absolutamente nada muda em Sertãozinho da Mantiqueira. Não vou me desgastar diante dessa muralha de hábitos arraigados. Estou conformado.
Contorno, apenas. Sei que o Roque continuará falando dos mortos. Sei que Helena irá entulhar sempre a mesa da sala com objetos que deveriam estar no lixo. De que adianta ficar indignado com a garçonete do único restaurante me perguntar, sempre, se quero beber alguma coisa, quando já estou terminando a refeição? Pior, ainda, esperar que ela deduza o que vou querer, lembrando que sempre quero a mesma coisa.
Já passei da fase de ao menos tentar entender. Agora sei que as coisas são como são. O lado bom disso tudo é que, como dizem por aqui, “quero bem” o Roque e a Helena. Também eles me “querem bem”, apesar de me acharem muito “deferente”. Ambos dizem a meu respeito, na aldeia, que “o home tem as mania dele, mais é bão”.
Eita.