Sócrates, o sábio dos sábios, ousou, em pleno paganismo, sustentar que as superstições mitológicas eram tradições ridículas; que se devia conhecer a si mesmo e não ter outra regra de conduta que a consciência e, como regra de crença, a razão. Mas ele foi vaiado pelas multidões. Aristófanes ridicularizou-o ultrajosamente no teatro. Pretensos juízes acusaram-no de corromper a juventude, e ele foi condenado à morte. A cicuta propiciou-lhe uma morte bastante suave, mas era a morte, de qualquer forma.
Jesus Cristo, alma terna e mística, inacessível ao ódio, pregou o perdão das injúrias, a piedade para com os infelizes e os pobres, a igualdade dos míseros humanos diante do Pai Celeste. Doutrinas novas que teriam devido mudar a face do mundo. Muito bem! Jesus Cristo foi condenado a uma morte ignominiosa e dolorosa. Muito jovem ainda, esse ser quase divino foi crucificado, metade como rebelde, metade como demente, sob os aplausos de uma multidão bárbara.
Cristóvão Colombo, sozinho contra todos, concebeu uma grande coisa. Em torno dele, todo mundo acreditava que a Terra era chata como um prato de sopa. Mas ele, ele compreendeu... Provido de alguns miseráveis navios, ele ousou aventurar-se a mares desconhecidos. Sua equipagem revoltou-se, mas ele se manteve firme frente aos motins e, ainda que parecesse ceder, obstinou-se em seu pensamento fecundo. Abordou, enfim, uma nova terra. Um Novo Mundo foi adquirido para a velha humanidade... E, como recompensa, ao seu retorno à Europa, ele foi acorrentado, colocado na prisão, ameaçado de morte. Por milagre, escapou aos suplícios. De qualquer sorte, morreu pobre, injuriado, exilado, vilipendiado, traído.
Galileu concebeu e executou coisas maravilhosas. Ele inventou o termômetro. Ele inventou o telescópio que lhe permitiu ver mundos imensos até então insuspeitos, e compreender que ínfimo lugar tem nosso planeta terrestre no vasto universo. Mas os homens têm um santo horror à verdade. Galileu foi obrigado a ajoelhar-se diante da estupidez triunfante, e ele arrastou ― cego ― os seus últimos dias numa prisão.
Gutenberg, que inventou a imprensa; Palissy, que criou a paleontologia e a cerâmica; Jenner, que descobriu a vacina; Harvey, o primeiro a realizar a verdadeira fisiologia experimental, tiveram todos as suas existências envenenadas pelas proscrições, as perseguições, os processos, as zombarias e a pobreza.
Michel Servet que, sem apoio, sem mestre, compreendeu que o sangue circula para ir do coração direito ao esquerdo, passando pelo pulmão, Michel Servet foi queimado.
Savonarola foi queimado. Queimado também o admirável Jean Huss. Ambos tiveram a audácia de pregar uma moral pura a corruptos.
Lavoisier que, sozinho, fez nascer as duas mais belas ciências abordáveis pelos mortais, toda a química e toda a fisiologia, Lavoisier, cujo nome deveria ser considerado como o maior nome da ciência, Lavoisier foi guilhotinado em praça pública em Paris.
Denis Papin viu sua embarcação incendiada e feita em pedaços pelos barqueiros do Reno.
Descartes que, como Sócrates, ousou falar dos direitos da razão humana, teve de fugir de sua pátria e morrer no estrangeiro. Espinosa, um genial e ousado pensador, foi vítima de perseguidores cruéis. O mais maravilhoso escritor francês, Victor Hugo, viveu vinte anos no exílio. O sublime escritor espanhol, Cervantes, passou a metade de sua vida no cárcere e nas prisões de forçados. O corpo de Molière foi jogado no lixo.
Um dos mais encantadores poetas latinos, Ovídio, foi condenado a um longo exílio entre os bárbaros. Como Eurípides, André Chénier pereceu no cadafalso, Chatterton morreu de fome. Voltaire, Sílvio Pellico, Mickieviez conheceram, eles também, as prisões e o exílio. Sêneca foi obrigado a matar-se. Um soldado bêbado matou Arquimedes.
Demóstenes e Cícero, ou seja, os maiores oradores de todos os tempos foram assassinados pela soldadesca.
E está é apenas uma enumeração incompleta.
Tais são as recompensas que os homens reservam aos mais nobres representantes da espécie humana.
Quanto mais a multidão é medíocre e estúpida, mais ela persegue com seu ódio aqueles que, ingenuamente, procuram atenuar sua mediocridade e sua estupidez.
Da obra O Homem Estúpido ― L’homme stupide, Ernest Flammarion Éditeur, Paris, 1919. Tradução : Maristela Bleggi Tomasini.