Hoje eu quero compartilhar com vocês uma dessas lições que a vida ensina, quando ela é bem malvada com a gente. Sabe aquelas situações de onde ninguém sai mocho? Pois é. Bem, na verdade, isso aqui é um desabafo. Posso usar um pouquinho o ombro dos meus leitores? É puro despeito meu, eu sei. Vaidade ferida. Mas que ninguém diga que eu não tenho bom humor!
Simular superioridade e classe na vida real é de matar. E quando a gente lida com mulher sonsa então! Ora, a vontade que dá é de armar barraco, mas isso sai caro e, no meu caso, eu acabaria levando a pior. Um dia ainda consigo imitar a sonsa em matéria de dissimulação. Juro que farei tudo para aprender a engolir sapos sem reclamar. Nos últimos tempos, aliás, tenho me superado nisso, mas com um esforço sobre-humano e muitas crises de enxaqueca.
Na literatura, entretanto, somos todos livres, daí eu me permitir ao menos escrever, uma vez que ela, a sonsa, tem todo o direito de existir, de ser quem é, e de fazer o que faz. Não que ela se garanta. Não precisa! Tem quem faça isso por ela. Eu já preciso me esforçar, ao menos para ganhar a simpatia de algum leitor ou leitora que já tenha sofrido a angústia de ver-se às voltas com uma sonsa.
Está fechando o cerco com muita esperteza. Mais dia, menos dia, vai aprontar, sem deixar de mostrar-se recatada e cheia de dedos. Toda sonsa é escrupulosa.
Seja como for, acho importante colocar para vocês como age esse estranho tipo de mulher que a gente, à primeira vista, adjetiva de sonsa. De cara, ela simplesmente não fede nem cheira. Não se faz notar. Pouco se percebe que ela existe. Ainda assim, mulher sonsa é um perigo. Acreditem.
A gente se cuida muito das sirigaitas, das lambisgoias, das cretinas, das piranhas, das cachorras, das galinhas, das ex, das mulheres fatais, das gostosonas e das gostosinhas, mas a gente se esquece da sonsa, justamente da vaca de presépio! E quando se percebe quem na verdade ela é... Tarde demais. Já ganhou terreno e simplesmente não se pode desencaixá-la das brechas nas quais criou raízes, bem ao lado dele. Coisa de mulher. Ah! Tudo coisa de mulher. Ciúme? Claro que sim. Mas sonsa está lá!
Vocês sabem identificar uma sonsa? Têm certeza? Não é tão simples como definir aquela que nem fede, nem cheira. Isso é só o começo. Vocês só se darão conta da existência dela depois de a coisa estar feita. Mas aí é tarde demais para desgrudá-la. Vocês estão achando engraçado, é? Ora, quero mais é que os meus leitores riam comigo. É divertido observar o modo de agir desse tipo de mulher, que de medíocre não tem nada, ainda que, no caso da sonsa que atualmente anda rondando o meu principado, confessadamente, eu deva admitir que menosprezei seu poder de fogo. Bem feito para mim! É que a sonsa tem uma sedução bastante sutil, é verdade, mas muito mais eficiente do que se imagina.
Quando a gente percebe o perigo, ela já alistou a seu favor quem queria. Pior: nós é que nos tornamos alvo de crítica, por termos ousado nos colocar contra a coitada da fulana, da qual teimamos em não reconhecer os méritos mais louváveis. Vocês sabem quais são os méritos da sonsa? Nada de bunda ou rebolado. São qualidades inefáveis, que vão desde uma penetrante inteligência até um espírito de sacrifício comparável ao de Madre Teresa de Calcutá. E ela é simpática, qualidade que a torna até que bem bonitinha, olhando assim. Pronto. Fiat merda. Ela não precisou de bunda, nem de peitos, nem de rebolado. Passamos por despeitadas. É quando a gente percebe que se ferrou. Não demora muito, vamos de Cinderela a gata borralheira, com a sonsa ainda nos ajudando a limpar o borralho. Ela toma nossa defesa, alega que não fizemos por mal, e ainda nos elogia com imensa prodigalidade.
Cínica? Ela? Que nada! Cínica sou eu. Ela é simplesmente superior. Toda sonsa é dotada de uma superioridade de espírito sem precedentes. Ela nunca se rebaixa às instâncias do desaforo. Jamais armaria um barraco! Ela teria mesmo a pachorra de sorrir, compreensiva, da nossa indignação. Vai articular quem mais nos interessa para tomar a defesa dela, e ficamos simplesmente amargando o ridículo, enquanto a sonsa faz o diagnóstico de nossa falta de equilíbrio e ainda pergunta no que pode ajudar.
Ah! Vocês sabem do que estou falando? Devem saber. Se leram tudo isso até aqui, é porque estão, ao menos vocês, ― quem me dera! ― solidários com a minha bem humorada indignação. Felizmente, vocês não conhecem a sonsa da qual eu estou falando! Caso a conhecessem, não sei não, se também não iam fazer parte da torcida dela. Nossa! Daria para lotar um estádio de futebol só com gente que lhe deve favores. Fosse santa, teria uma capelinha lotada de ex-votos. Ora, direis! Ela é simplesmente demais! Uma mulher perfeita, admirável, inteligente, sagaz. Dá para presumir o resto? Sei que sim.
A sonsa é um perigo, acreditem. Como é do tipo que ninguém nota, precisa apelar. Mas não apela para o arsenal de costume, esse que qualquer mulher vulgarmente sabe empregar e não raro muito bem. Não. Nada disso. Não abaixa a calcinha nem inclina o decote para se fazer ver. Também não rebola nem quando tem bunda. É esperta demais para cair nessa. Ela não deseja ser notada por alguma coisa que chame a atenção, salvo as boas ações e o espírito de sacrifício. Aparentemente insípida e inexpressiva, ela é queridinha, e fica sempre à vontade na sombra. A sonsa é útil. Ah! Vocês não imaginam do que a sonsa é capaz em matéria de utilidade! É prestativa. Está sempre disponível 24 horas por dia. É paciente, sabe ouvir, chega quando a gente mais precisa, entra silenciosa por uma porta e sai quieta pela outra. É do tipo que carrega penicos sem reclamar nem torcer nariz, dá injeção, lava e veste defunto, providencia enterros e exumações, guarda segredos como um túmulo, lustra sapatos, trata de frieiras, trafica informações, ensina simpatias infalíveis, alerta contra tempestades, cuida de criancinhas, de velhos, doentes, puxa reza em novenas, leva o lixo para a rua, é confiável, confidente, penitente, compreensiva, tolerante, religiosa até a ponta das unhas, caridosa, enfim, discreta, e bem depressa sabe como se tornar absolutamente indispensável. Adivinha para quem? Para ele, é claro!
Fosse santa, teria uma capelinha lotada de ex-votos. Ora, direis! Ela é simplesmente demais! Uma mulher perfeita, admirável, inteligente, sagaz.
Manipula quem bem entende e monta um teatro de marionetes, puxando os fios e dirigindo o espetáculo, apenas jogando com interesses e informações. A gente só olha, quando ele cai na jogada da sonsa, exatamente como aquele clássico patinho do ditado. Baba atrás dela! Ela tem torcida, sabem? Nunca perde a calma, a serenidade. Nunca se lamenta. Sonsa também não surta, mas quando a gente surta por causa dela, é capaz de trazer a corda para nos atar, evidentemente, para o nosso bem, para que não nos machuquemos. Como duvidar da retidão de seu caráter e da pureza de suas intenções?
Em pouco tempo, a gente começa a ouvir uma ladainha toda feita de elogios à pessoa da sonsa. Bom, ela já está por perto, já faz parte da vida dele e, por aí, da nossa. Conhece nossas fraquezas, nossos limites, nossas vulnerabilidades e, então, ela começa a jogar. A sonsa, lentamente, cresce e se faz ver. Basta desconfiar que há mortos e feridos, e lá está ela, perfeita, chorando no velório, consolando os aflitos. Cata latas, junta caquinhos, adora restaurar e consertar corações feridos. Faz companhia aos solitários também, com eles trocando aqueles olhares compridos como o dos cães que pretendem dar provas da mais firme solidariedade. Torna-se a amiga consoladora, cúmplice das angústias, ouvidora das queixas, ainda daquelas feitas em silêncio. E como fala bem da gente! Só elogia.
Essa sonsa! Ela tem uma reputação ilibada, é politicamente correta e, fora eu, duvido que mais alguém cometa a loucura de questionar seus interesses. Só que quer comer pelas beiras, e não tem pressa de chegar até a azeitona da minha empada. Está fechando o cerco com muita esperteza. Mais dia, menos dia, vai aprontar, sem deixar de mostrar-se recatada e cheia de dedos. Toda sonsa é escrupulosa. Sei não. Bem feito para mim! Vou levar até puxão de orelha, e mais uma vez precisar lavar a boca com sabão por ter tido a ousadia, o desplante, a estupidez de ter insinuado que essa sonsa é bem mais sonsa do que parece. Que injustiça! Eis a inocência aviltada pela maldade de um coração insensível! Afinal, quem eu penso que sou para falar mal da pobre moça que só está fazendo o seu trabalho?! Ele acredita nela... Vocês viram aonde a coisa chegou?
Exagerei? Claro que não! Tomara fosse! É que não tenho a tal singularidade das chamadas mulheres superiores. Nem quero! Não tenho nenhum problema em admitir que me sinto muito incomodada com a presença dessa sonsa na minha vida, aliás, na vida dele! É um grande estrago no meu querido ego. Além disso, essa coisa de esconder o lado escuro da gente nunca foi comigo. Pode não ser elegante falar mal de alguém que teoricamente nunca nos fez mal algum, mas existe uma coisa chamada intuição. E quando o meu santo não bate, podem escrever: daí vem bomba.