Os ciclos de Véronique

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Véronique tem vivido assim, por ciclos de sete anos... fazendo destacar a simbologia do número e tudo o que ele carrega os sete dias da semana, as sete notas musicais, os sete pecados capitais, os sete braços da Menorah (o candelabro judaico), os sete anos em que Jacob serviu Labão, pai de Raquel, ou os sete anos pagãos, que formam os ciclos de Saturno, na astrologia. Véronique esteve três vezes sete anos em Tours; sete em Londres; e mais sete em Paris.

Os ciclos de Véronique


Nasceu nas vésperas da revolução dos cravos, mas longe de Portugal. Os pais tinham deixado a ilha do Pico no início dos anos 70 em busca de um futuro. Encontraram-no em Tours, bem no centro de França. Foi por lá que a mãe, Ilda, continuou a costurar e que o pai, Graciano, se dedicou à construção civil. Foi lá que Ilda e Graciano Laranjo constituíram família. Primeiro veio Véronique, 12 anos depois nasceu Christophe. E por lá foram ficando. Véronique teve uma infância comum. Mas não foi a protagonista da história clássica da menina escondendo-se no atelier da mãe para aprender as artes do corte e da costura.

Na verdade, confessa, aprendeu a costurar um botão... e pouco mais. Queria era saber o que estava para lá da sua cidade. Tanto país por descobrir, tanta Europa mesmo ao lado...

Acabou o liceu e decidiu estudar Comércio internacional. E aos 21 anos já se preparava para partir.

"Seis meses em Londres para melhorar o inglês", era o projeto. Ficou sete anos na capital britânica, onde começou por fazer um curso de Cinema e Televisão, na Westminster University. Mergulhada no meio artístico, casou com o vocalista de uma banda conhecida e começou a trabalhar na Joseph, loja de um designer francês com sucesso por terras de sua majestade, onde "foi apresentada" a marcas como a Gucci e a Prada. Assim se traçava um caminho...

A vida corria-lhe de feição, mas de repente Londres tornou-se "grande demais" e Véronique quis voltar para casa. Já não para Tours, a cidade burguesa que a viu nascer, à beira do Loire, mas para Paris, a uma hora (em TGV) dali. Na cidade-Luz passou mais sete anos.

Véronique tem vivido assim, por ciclos de sete anos... fazendo destacar a simbologia do número e tudo o que ele carrega os sete dias da semana, as sete notas musicais, os sete pecados capitais, os sete braços da Menorah (o candelabro judaico), os sete anos em que Jacob serviu Labão, pai de Raquel, ou os sete anos pagãos, que formam os ciclos de Saturno, na astrologia. Véronique esteve três vezes sete anos em Tours; sete em Londres; e mais sete em Paris.

Na capital francesa, foi trabalhar para a Prada, como assistente do diretor de acessórios. "Foi uma boa escola", diz. Foi lá que aprendeu a "viver no mundo do luxo a qualidade, a construção, os pormenores...". Foi lá também que assimilou que "gastamos 30% do nosso tempo em trabalho e 70% na gestão de emoções". A passagem pela Prada foi um marco na sua vida. Esteve lá três anos, até que se transferiu para a Marc Jacobs, nos armazéns Printemps, onde ficou ano e meio.

E, de repente, parou. Tirou um master em Fashion Business, na Ecole Supérieure Mode, de Paris. Com a experiência que já tinha no mercado de trabalho, no mundo da alta costura, a especialização em marketing de moda "foi bom para ter uma visão estratégica" do setor.

E dali foi trabalhar com o fotógrafo israelita Ghilad Sasporta. Foi sua assistente (de moda) durante um ano... difícil. Separou-se. Fartou-se de Paris e do seu ambiente. Daquele mundo que tem "muita visão comercial e não tanta criatividade".

Sentia que o mercado estava saturado e as perspectivas eram curtas... e passou-lhe pela cabeça ir para Portugal. Estávamos em 2010.

Véronique Laranjo é, fisicamente falando, totalmente francesa. Tem pele branca, um nariz marcado e fino, o cabelo escorrido, cortado como se corta para lá dos Pireneus.

Veste-se e movimenta-se como uma estrangeira. Fala português carregando muitos nos "r" e dando um som diferente a certas consoantes. Véronique foi para Portugal como estrangeira.

E ainda hoje, ano e meio depois, se sente um pouco estrangeira num País onde procura as suas raízes.

Em casa, de pequena, só falava francês. A língua de Camões ficara para trás, nos Açores, onde a família regressava apenas para as férias. E a cultura de um povo também não é coisa que se consiga transmitir facilmente à distância. Assim, até esta incursão por Lisboa, nesta viagem que lhe serviu para estudar o mercado, sentir o pulso à cidade, sentia-se totalmente francesa. Mas viu as oportunidades que o País lhe dava: viu "muitas lojas de mass market e outras de luxo. Entre as duas não há quase nada", explicou. E foi aí que decidiu investir.

Abriu uma loja só sua em pleno Chiado (na Travessa do Carmo), com peças que vão do "rock ao super clássico", algumas novas, outras verdadeiramente vintage, mas todas com bom toque, bom corte, certo standart de qualidade. Uma loja que pretende desafiar a clientela a misturar peças, a sentir prazer no toque dos tecidos, a comprar uma peça com que se realce. Uma loja onde se pode encontrar Orla Kiely, Paul&Joe sister, See by Chloé, Moschino e algumas peças vintage de grandes marcas como Yves Saint Laurent, Prada ou Balenciaga.

Tem ainda joalharia, da Corpus Christi. Tudo num ambiente muito especial: o chão modernaço, de betonilha afagada; a parede principal forrada por um mar cheio de ondas de Kanagawa... amarelas; entre as duas montras, o espelho de porta de um armário art déco; e espalhadas pela loja, sobre móveis dos anos 50, artesanato português (galos de Barcelos, andorinhas amarelas ou periquitos) estilizado.

Hoje, já (parcialmente) refeita do choque cultural, está mais adaptada. Vive em Santa Catarina, a dois passos da loja, porque para ela, "luxo, na vida, é ir a pé para o trabalho". E assim vai levando avante a sua empreitada, tentando conquistar a clientela portuguesa que é... "difícil".

A cliente portuguesa é... "difícil, complicada. Deve ter a ver com a história do País...

Durante a ditadura havia muita pobreza e as pessoas não investiam em roupa. Hoje, a cliente portuguesa é tímida e conservadora. Não visualiza a roupa, não lhe toca. Tem falta de imaginação e muito medo de se destacar.

A cliente francesa é... "muito sensível à qualidade dos tecidos, ao corte das peças. É uma cliente mais clássica, mais subtil, que tem prazer em comprar e que gosta de gastar dinheiro em roupa.

A cliente inglesa é... "mais aberta que as anteriores, excêntrica. Gasta muito dinheiro em roupa (é capaz de pedir um empréstimo para comprar uma peça mais cara). Vive numa cultura de consumo. É uma cliente fácil, que gosta de comprar e misturar"

Assim é e pensa Véronique, uma mulher cuja nacionalidade é o mundo.



Autor: Byagn
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